Blog Alma Missionária

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segunda-feira, 3 de junho de 2013

Espiritismo, busca pela Verdade e catolicismo - parte 2


Recebemos do leitor Marcelo Olaia uma longa mensagem, que estamos publicando e respondendo em partes. A primeira parte você pode ler aqui. Abaixo, a segunda parte da pergunta e nossa resposta:

Olá,
(...) A razão me diz que não é possível acreditar que apenas uma existência é suficiente para poder evoluir e ter direito a uma vida eterna. Se isso fosse verdade qual o sentido em nascerem crianças deficientes? De algumas crianças serem estupradas? De tanta gente viver na miséria enquanto tão poucos têm tudo o que quiser? Por que Deus se daria ao “luxo” de ficar observando tanta barbárie, se na média, em menos de 70 anos estaríamos mortos e seriamos acordados para ter uma vida plena na eternidade? Quantos bilhões de seres estariam esperando para acordar? Adão e Eva ou mesmo Abel, estão dormindo há mais de 6 mil anos? Se alguns forem para o inferno, então Jesus mentiu? Algumas ovelhas se perderam no meio do caminho. Por que não tenho liberdade de acreditar em uma doutrina que tem uma explicação muito mais racional? Que não dogma ou mistérios? Se tudo aquilo que ela me mostra é que preciso estar sempre me melhorando, sempre praticando o bem, ter pensamentos voltados para o bem de todos, jamais julgar alguém, mesmo aqueles que cometem crimes hediondos, pois eles estão doentes e precisam de ajuda, não de quem os condene, qual é o problema que isso pode me causar?
Acredito que ao invés de ficarmos procurando o que há de negativo em cada religião, sugiro que nos concentremos na busca por aquilo que é positivo. Uns precisam estudar mais, outros ser menos egoístas, mas afinal, se todas tem como base a melhora do ser humano, qual é a dificuldade em aceitar que cada um se sente melhor com determinada religião?
Abraços


- Nossa resposta

Prezado Marcelo Olaia,

Continuaremos respondendo às suas considerações ponto a ponto, já que o seu comentário é grande e contém diversos pontos-chave. Para facilitar a compreensão do texto, replicaremos os seus comentários em partes, em itálico, entre aspas. Deus nos ajude a sermos justos e fiéis à verdade. Segue:


"A razão me diz que não é possível acreditar que apenas uma existência é suficiente para poder evoluir e ter direito a uma vida eterna."

A Fé genuína, meu prezado Marcelo, transcende a razão, embora não a contrarie, nem seja com ela incompatível. Por isso São Paulo Apóstolo diz: "O homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, pois para ele são loucuras. Nem as pode compreender, porque é pelo Espírito que se devem ponderar" (1Cor 2, 14). Mais adiante, desenvolveremos essa verdade.


"Qual o sentido em nascerem crianças deficientes? De algumas crianças serem estupradas? De tanta gente viver na miséria enquanto tão poucos têm tudo o que quiser? De tanta gente viver na miséria enquanto tão poucos têm tudo o que quiser? "

Aqui você lança mão do argumento mais comum dos espíritas: dizer que a reencarnação "explica" todas as diferenças, todo o sofrimento, toda a dor do mundo. Este é considerado pelos reencarnacionistas como o mais forte argumento da sua doutrina. E explicações são tudo que uma mente questionadora procura. Mas responda-me: qual deve ser o objetivo de um autêntico buscador espiritual? Explicações reconfortantes ou a Verdade, mesmo que num primeiro momento ela não pareça confortável? Vejamos essa questão mais a fundo...

Para alcançar uma compreensão melhor, precisamos recorrer às origens da civilização humana: ocorre que o ser humano primitivo, quando queria algo, simplesmente tomava, e foi assim até que ele passou a viver em sociedade. As sociedades humanas, por sua vez, foram sofrendo mutações e experimentações, até surgir um sistema que funcionasse, e este permaneceu. Trata-se do chamado modelo ou sistema hierárquico, isto é, o grupo com um chefe. Isso funciona, porque sem um chefe (o mais forte, mais capaz ou mais persuasivo do grupo), os indivíduos lutam o tempo todo entre si. O chefe apareceu para manter a paz e garantir a partilha dos recursos. Arqueólogos encontraram sepulturas de deficientes físicos, do período da pré-história humana, que foram enterrados com cuidados cerimoniais, evidência de que os seres humanos já ajudavam aqueles que eram incapazes de caçar e/ou executar as tarefas essenciais do dia-a-dia. Antes da existência das estruturas sociais e do líder, porém, esses desafortunados não tinham chance de sobreviver, pois a vida humana era disputa e lutas constantes.1

O que isso tem a ver com a teoria da reencarnação? Tudo, porque o próprio modelo social levou ao seu surgimento. O tempo passou, eras se sucederam e o intelecto humano foi se aprimorando. E então, um dia, o inevitável aconteceu: algum filósofo primordial, há muito tempo, perguntou: "porque uns são mais felizes do que outros? Por que uns nascem dotados e outros embotados? Porque um nasce belo, saudável e rico, enquanto outro nasce feio, doente e pobre? Isso é injusto!"... Aí, motivado unicamente pela sua incapacidade de compreender os mistérios da natureza, começou a desenvolver uma teoria baseada na mais elementar lógica humana para explicar todas as aparentes injustiças do mundo. Ora, se a vida atual parece injusta, nada mais reconfortante do que acreditar que haverá uma nova vida, aqui mesmo nesta Terra, onde tudo será diferente: nessa nova oportunidade, os fracos serão fortes, os pobres serão ricos, os pequenos serão grandes. Aquele que nasceu doente ou  deficiente, sem esperança de cura, pode sonhar com o dia em que renascerá saudável e gozará de pleno vigor... Numa outra vida.

A teoria da reencarnação surge exatamente assim, para "explicar a injustiça" das diferenças de nascimento.

Observe que o modelo hierárquico, explicado mais acima, sempre funcionou perfeitamente entre todos os grupos humanos, e também entre os grupos dos animais sociais, como mostram a História e a Biologia. Os mais aptos se destacam no grupo, assumindo a liderança e tomando decisões para o bem comum. Se examinarmos o modelo hierárquico, comparando vários grupos humanos, - e até animais, - veremos que é um fator positivo, que resolve muitos problemas. Mas, para os seres humanos, especificamente (e apenas para eles), a realidade biológica parece injusta, porque, além de seres sociais, somos racionais e espirituais, logo, questionadores. Entretanto, a realidade observável da natureza é que, mesmo sendo inegavelmente especial em muitos aspectos, num particular o ser humano é semelhante às espécies animais: alguns nascem mais espertos, mais fortes, aptos e/ou belos, enquanto outros nascem intelectualmente embotados, fracos, ineptos e/ou carentes de beleza estética.

As disparidades sempre ocorreram e ocorrem em todo o universo dos seres vivos, seja vegetal ou animal, incluindo os seres humanos. A racionalidade e a sensibilidade humanas, no entanto, relutam em aceitar esse fato inexorável. Todos nascemos com determinadas qualidades e desprovidos de outras, e nesse sistema existem superdotados e embotados em todos os níveis. Por que uma roseira produz flores maravilhosas, enquanto outra, da mesma espécie e criada no mesmo tipo de solo, submetida às mesmas condições e cultivada igualmente, não floresce com a mesma exuberância? O mesmo se dá com as árvores frutíferas: dentro do mesmo pomar, alguns espécimes produzem mais frutos do que outros, e alguns simplesmente não se desenvolvem, não "vingam", no linguajar do lavrador. No caso das plantas ornamentais, algumas crescem belas e exuberantes, enquanto outras não se desenvolvem ou se tornam retorcidas e feias. Será que isso acontece porque essas plantas, na sua "encarnação anterior" foram más? Uma flor nasceu defeituosa porque na outra vida foi perversa e agora está "evoluindo", para que numa próxima "encarnação" possa vir bonita e viçosa?

E quanto aos animais? Na criação de carpas de um conhecido meu, uma nasceu com nadadeiras defeituosas, algo relativamente comum. Ela tem dificuldades para subir à superfície e buscar alimento. As outras comem toda a ração rapidamente, e ela não consegue acompanhar o mesmo ritmo; assim, espera as migalhas que descem ao fundo do tanque para comer. Por conta disso, o seu desenvolvimento foi comprometido e ela cresceu menos que suas irmãs. Por que isso aconteceu? Na outra vida ela foi uma carpa ruim? Ou será que na próxima vida ela vai nascer uma carpa mais bonita e saudável do que as outras, para compensar o sofrimento desta vida?

Claro e evidente que não há sentido nessa linha de pensamento! A genética explica todos essas questões, e no caso dos seres humanos não é diferente. O fato é que sempre existiram e tudo indica que sempre existirão pessoas diferentes neste mundo, sendo que umas superam outras, num ou noutro aspecto. Este, que aqui vos escreve, não seria um grande jogador de futebol. Não tenho talento algum para esse esporte. Mas sempre tive jeito para as letras e para as artes. Na escola, a maioria dos meninos me superava de longe na arte de tratar uma bola com os pés; mas eu sempre escrevi e li mais e melhor do que a maioria deles. Essa superioridade de uns sobre outros, neste mundo, é individual, não racial, ainda que cada classe biológica possua características distintas. Os africanos possuem talento natural para a dança, os asiáticos para as artes marciais. Mesmo assim, existem pessoas intelectualmente deficientes e geniais em todas as raças, assim como existem "feios" e "bonitos" em todas, e assim por diante.

Você, que lê esse texto agora, fisicamente é o resultado de muitos fatores genéticos combinados. Quais seriam as chances de a Gisele Bündchen alcançar tanto sucesso nas passarelas e na publicidade se ela tivesse nascido com uma forte tendência genética para a obesidade? E se ela tivesse nascido no Zimbabue? Bem, é quase certo que num desses casos ela nunca seria famosa, porque o padrão de beleza que impera no mundo, hoje, é “branco e magro”. Mas isso já foi diferente no passado. Hoje sabemos que Cleópatra, considerada a mulher mais bela do mundo na Antiguidade, era uma mulher de pele escura, nariz avantajado e nada magra. No período renascentista, as mulheres que sucesso eram as mais “rechonchudas”. O padrão atual é Gisele Bündchen, mas isso pode mudar no futuro. Sorte dela ter nascido nesta época, porque, simplesmente, sua condição física natural lhe valeu fama e fortuna.

Agora, dizer que Gisele Bündchen nasceu assim porque foi melhor numa outra encarnação do que alguém que nasceu no Zimbabue e/ou com tendência genética à obesidade, isso é puro preconceito e elitismo. Dizer isso é afirmar, ainda que indiretamente, que a Gisele é melhor do que uma criança do Zimbabue ou do que uma pessoa obesa, e não só por causa de circunstâncias, mas também moralmente! Você está dizendo que ela é rica, bonita e famosa porque é moralmente superior as pessoas que nascem no Zimbabue. Ora, quem nasce no país mais miserável do mundo, para viver sujeito às piores injustiças sociais possíveis, segundo a teoria da reencarnação, é porque mereceu; está sofrendo hoje por algo que fez numa vida passada, e o pior: sem se lembrar de nada! Você pode tentar negar, dar voltas, mudar o foco do assunto (especialidade dos reencarnacionistas quando se toca nesses pontos-chave), mas é exatamente isso que a doutrina da reencarnação ensina. Que uma pessoa saudável, rica e bela, é moralmente superior a uma pessoa deficiente, feia e pobre.

É por isso que "a ideia da reencarnação é o pensamento mais preconceituoso, excludente, elitista e arrogante que eu conheço para explicar fatos naturais" (Profº José Moreira da Silva).

Mas há um exemplo ainda mais claro para abordarmos a mesma questão: por que um ser humano sente compaixão por outro? Por causa de um fator chamado empatia oucompaixão. Porque se põe no lugar do próximo, e assim pode sentir o que ele sente, num certo nível. Mas a empatia depende muito da sensibilidade de cada um. Tem gente que tem dificuldade em se ver no lugar do próximo. Estes se mostram bastante insensíveis, na maior parte do tempo. A teoria da reencarnação, então, procura mostrar que os insensíveis ainda terão que nascer e renascer muito para desenvolver a sensibilidade para com o sofrimento alheio.

Mas a verdade é que as diferentes sociedades também influenciam nesse grau de sensibilidade. Quanto mais avançada uma civilização, maior à capacidade de seus indivíduos se colocarem no lugar do outro. Quanto mais avançada é a cultura de um indivíduo, mais sensível ele é. Os europeus estão entre os que mais se preocupam com os direitos dos animais, por exemplo. Naqueles países acontecem até protestos públicos e grandes passeatas nas ruas em defesa dos direitos dos ratos de laboratório. Isso acontece, entre outras razões, porque as suas necessidades básicas já foram supridas. Eles não precisam se preocupar com o que vão comer hoje à noite e nem com o que vestir ou onde morar. O sistema de saúde pública funciona bem, o sistema educacional é muito bom e o transporte público eficiente. Fica mais fácil praticar a compaixão.

Mas as crianças dos países miseráveis sofrem tanto com a carência dessas necessidades essenciais, que não conseguem pensar em ninguém, a não ser nelas mesmas. A capacidade de se importar com a dor do outro fica naturalmente reduzida. Se eu não tenho o que comer ou onde morar, fica difícil me indignar com os maus tratos que os ratinhos brancos sofrem nos laboratórios. Agora, se a reencarnação fosse real, e tivesse por finalidade a evolução moral da alma, ninguém nasceria em condições que promovessem a insensibilidade e a violência, em sociedades menos evoluídas.

Evidentemente, alguém que nasceu miserável, com uma aparência fora dos padrões estéticos, numa família desajustada, tem mais motivos para se tornar um ser humano pior. Não afirmamos que isto seja uma regra, porque não é. Mas estamos aqui falando de estatística. É facilmente demonstrável estatisticamente que nos países onde a desigualdade social é maior, os índices de criminalidade são maiores. Nos países onde a justiça social é satisfatória, os índices de violência são muito menores.

Só que aí, - segundo a teoria da reencarnação, - alguém que cometeu crimes, por ter nascido num meio propício para tanto, sujeito a condições genéticas e psicológicas que o favoreceram a isso, na próxima encarnação vai ter que enfrentar dificuldades ainda maiores, por causa dos erros cometidos nesta vida. Ou seja, mais uma vez, as chances dele piorar mais ainda vão se tornando cada vez maiores, e assim num crescente infinito! É um círculo vicioso sem fim, e o contrário também vale: alguém que nasceu no seio de uma família rica e compreensiva, num país onde há justiça social e os direitos do cidadão são respeitados, tem muito mais chances de se tornar uma pessoa boa (às vezes uma pessoa dessas se torna um criminoso também, indo contra todas as probabilidades, mas esses casos representam minoria no quadro geral). Com isso ela ganharia oportunidades cada vez maiores para "reencarnar" cada vez melhor, até finalmente alcançar os planos mais elevados. Onde está a justiça da reencarnação?

Um sistema como esse simplesmente não funcionaria. A única maneira dele funcionar seria se a memória fosse preservada. Se eu me lembrasse porque estou sofrendo agora, se soubesse que é tudo por causa das minhas ações em outras vidas, aí sim me esforçaria para melhorar. A esse respeito, dizem alguns que "Deus nos tira a memória por misericórdia, pois seria insuportável lembrar o que fomos e do mal que fizemos"... Mas, ora, permitir que sofrêssemos, fazendo-nos esquecer de quem somos e do porquê do sofrimento? Que tipo de misericórdia seria essa?

Novamente, a reencarnação mostra-se elitista. Ela está dizendo, de fato, que quem é mais sensível é mais evoluído moralmente do que quem não é. Ignora todos os fatores sociais, naturais, genéticos e biológicos que levam uma pessoa a ser como é. Porque o que você é, em boa parte, é determinado pelo seu corpo físico, sua família, sua sociedade e sua história pregressa. Não por alguma coisa ocorrida em outra vida que foi apagada da sua memória.

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1. DIOP, Cheikh Anta. Civilization Or Barbarism: An Authentic Anthropology, New York: Lawrence Hill Books, 1991 (o mesmo para todo o parágrafo).

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