Blog Alma Missionária

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domingo, 30 de junho de 2013

Apologética
O caso do Papa Honorio I
Sobre a verdadeira natureza da "heresia" de Honorio I
Fonte: Apologetica.org
Autor: Albert Viciano, tirado de Archimadrid.es
Tradução: Rogério Hirota (SacroSancttus)
Na atuação de Honorio I existe mais um erro disciplinar que doutrinal
Do Papa Honorio I (625-638) se afirma que incorreu em heresia. Um exame atento do problema indica que Honório, na realidade, foi negligente ao não captar a gravidade do erro -"monotelismo"- provindo do Patriarca de Constantinopla Sergio; e ainda que quisesse sustentar a doutrina correta, a expôs com uma terminología ambigua e equívoca.
Ao longo dos séculos quarto a sétimo, o oriente cristão esteve sacudido pela controvérsia doutrinal de conteudo cristológico, referente a relações da dupla natureza de Jesus Cristo com sua única pessoa, a de Filho de Deus. Estes debates, que enfrentavam bispos, monges e teólogos, tinham também uma dimensão socio-política, por conta do Imperio Bizantino e mais em geral em toda a antigüidade tardia e na idade media, era cultural e religiosamente impensável uma separação entre a Igreja e o poder civil. Daí que estes polêmicas teológicas foram vistas como um perigo para a unidade política do Imperio, de modo que os imperadores se sentiram obrigados a intervir em busca de soluções que facilitassem a concordia entre os bispos.

Com o pasar do tempo, ao final do século sexto e principios do sétimo, a estes problemas internos se acrescentaram dificuldades de política exterior, ja que ameaçava gravemente uma redução do território bizantino por causa das invasões dos persas ao leste, dos eslavos ao norte e dos árabes maometanos ao sul. E mais os partidarios do monofisismo viam na chegada dos invasores árabes uma espécie de castigo de Deus pela existência de um imperador herege; por isso, esta peculiar interpretação dos sinais dos tempos estimulava o imperador e o patriarca constantinopolitano a buscar uma fórmula conciliadora que ganhasse rápida e eficazmente a unificação religiosa do Império.

NASCIMENTO DO MONOTELISMO
Nestas circunstâncias levantou-se o novo imperador Heraclio (610-641), o qual compreendeu que o perigo da situação exigia unificar todas as forças não somente físicas, mas também morais do império; quer dizer, falava em terminar com a divisão religiosa entre bispos calcedonianos e monofisitas. Por isso, o patriarca de Constantinopla, Sergio, voltou a tomar a idéia de Justiniano de unificar todas as tendências religiosas; desta vez devia se fazer sobre uma nova base.
Nos tempos de Justiniano, a solução era sido de tipo negativo: condenar as ilustres figuras mais ou menos próximas ao nestorianismo, para assim satisfazer aos monofisitas. Agora a nova solução ia ser mais positiva: aprofundar na doutrina cristológica para ganhar uma concepção intermediária, em que podiam convir tanto aos calcedonianos mais os ortodoxos como aos monofisitas mais pertinazes.
Esta fórmula de conciliação propõe a seguinte doutrina: a consequência da união pessoal das duas naturezas, humana e divina, de Jesus Cristo, existe n´Ele uma só energía, uma maneira de obrar única, uma só vontade. Esta doutrina foi designada com os nomes gregos de monoteletismo (abreviadamente, monotelismo) ou monoenergetismo (abreviadamente, monergetismo ou monoenergismo). Desta maneira Sergio acreditava que se poderia obter a união desejada, ja que, por uma parte, dava-se satisfação aos católicos, com a admissão das duas naturezas, conforme o concilio de Calcedonia; e, por outra parte, satisfazia aos monofisitas, pois esta energia e vontad única era, por fim o símbolo de uma unidade perfeita em Cristo, que é o que eles defendíam.
O imperador Heraclio aceitou a proposta do patriarca Sergio. De fato, ambos começaram imediatamente a por em jogo todos os resortes do Imperio para se fazer aceitar a nova doutrina. Mas esta não foi senão o inicio de uma nova controvérsia, a do monotelismo, que durou quase todo o século sétimo.
Já pelos anos 619 e 620 Sérgio empreendeu sua campanha de atração. Encontrou grande acolhida entre os bispos monofisitas de amplas regiões como foram na Siria, Armenia e Egito, que se reunificaram oficialmente com Constantinopla, enquanto que entre os calcedonenses topou com a decidida oposição.
Dentre estes destacaram os monges Sofronio e Máximo, procedentes da Palestina, que se falavam em Alexandria. Pouco tempo depois, o patriarca de Jerusalén morre e Sofronio foi eleito sucessor nesta sé. Imediatamente celebrou um sínodo em Jerusalén no mesmo ano 634, em que se posicionaram aos principios contrarios a doutrina de Sergio e defendeu-se expressamente a doutrina das duas operações, das duas energías e das duas vontades, humana e divina, em Cristo. O mesmo repetiu Sofronio em uma ampla carta sinodal, em que reforçava os pontos fundamentais: unidade de pessoa, dualidade de natureza e por conseguinte, dualidade de operações e de vontades, ja que pelas operações se distinguem as naturezas. Sergio recusou a receber a carta sinodal de Sofronio, mesmo que não empreendendo nenhuma ação contra ele.

INTERVENÇÃO DE HONÓRIO
Até este momento o patriarca de Constantinopla, Sergio, e o de Alexandria, Ciro, haviam promulgado a nova professão de fé e tratado com os monofisitas sem se preocupar com a opinião de Roma. Somente quando Sergio se encontrou com a oposição de Sofronio de Jerusalém, acreditou oportuno expor os fatos ao Papa Honorio (625-638) e obter sua adesão. Em seu escrito a Honorio, Sergio expôs uma relação completa de seus esforços e os do imperador Heraclio para fazer voltar os hereges monofisitas a unidade da fé, insistindo em sua aceitação do concilio de Calcedonia. Sergio exagerava em alguns destes bons resultados e omitia dizer que a aceitação doconcilio de Calcedônia não aparecia explícitamente nas "atas de união" pelo que as igrejas monofisitas haviam se reconciliado com a sé constantinopolitana.

Em sua carta também contou a intervenção de Sofronio e resumiu a doutrina das duas energias (dienergía) em Cristo, defendida pelo bispo de Jerusalén; Sergio, em sua carta, se manifestou contrário a esta tese e propôs ao Papa Honorio uma sutil solução que serviria para desautorizar a doutrina de Sofronio: segúndo a proposta de Sergio a Honorio, deveria prescrever os termos dienergía e monoenergia, causantes da oposição de Sofronio a doutrina do monoenergismo; Sergio também propos ao Papa afirmar que o mesmo Jesús tinha operado (energein) o divino e o humano, proveniente sem divisão de um só e mesmo Verbo feito homem, "pois é impossivel que a mesma pessoa tenha ao mesmo tempo, a respeito de um mesmo objeto, duas vontades contrárias".

FALTAVA-LHE PREPARAÇÃO
O Papa Honorio, para dizer a verdade, estava mau preparado para tratar esta difícil questão cristológica e se deixou levar pelos argumentos bizantinos do patriarca e respondeu com uma carta de aprovação. Neste escrito o Papa felicitava os esforços de Sergio e de Ciro pela união conseguida de tantas igrejas e se alegrava ao saber que o concilio de Calcedonia era admitido pelos orientais.
Aprovaba a decisão de Sérgio sobre a prescrição dos termos dienergia (ou energia dupla) e monoenergia (ou energía única) por considera-los demasiadamente especializados, proprios de eruditos e gramáticos. Segúndo Honorio, bastava pois que os bispos ensinassem que o mesmo Verbo encarnado operava divinamente as coisas divinas, humanamente as coisas humanas, que em toda sua atividade não fala mais que um só agente e portanto, uma só vontade: "unde et unam voluntatem fatemur Domini nostri lesu Christi".
Esta carta foi comunicada ao mesmo tempo a Sergio e a Sofronio. Enquantos Sergio se mostrou valente pelo triunfo e aproveitava a carta do Romano Pontífice como novo instrumento para implantar sua doutrina, Sofronio se sentiu profundamente preocupado. Este, convencido de que o Papa estava mau informado sobre a doutrina realmente defendida por Sergio e por Ciro, enviou a Roma um presbítero chamado Estevam encarregando-o de expor a Honorio com toda objetividade o verdadeiro estado da questão.
O Papa recebeu esta embaixada, mas não se deixou convencer pelo relato do legado de Sofronio. Persistindo, pois, em sua anterior disposição, insistiu na ordem do silêncio proibindo que se usassem as expressões de uma ou duas energias e para que não dessem lugar as dúvidas, redigiu uma nova carta, dirigida a Sofronio e a Ciro, da qual somente se conservam fragmentos; depois colocou esta carta em conhecimento de Sergio.
Segúndo se entende dos fragmentos conservados, Honorio manifesta sua convicção de que o debate dos orientais era questão de sutis palavras e ainda que proibisse a discussão sobre o número de energías em Cristo, afirmava a dualidade de operações (quer dizer, a doutrina católica): a natureza divina operando no que é divino e a natureza humana operando no que é do homem, sem divisão nem mescla.
EDITO IMPERIAL
Como consequência do acordo entre o Papa e os patriarcas de Constantinopla e de Alexandria sobre a necessidade de proibir as discussões sobre o número de energias e de afirmar a única vontade em Cristo, promulgou-se um edito imperial (final de 634 - principio de 635) ratificando esta proibição.
Longe de apaziguar os ânimos, esta decisão foi tomada a rissa pelos monofisitas que desqualificaram aos calcedonianos por dar continuos embaraços doutrinais, primeiro afirmando a dupla natureza e portanto a dupla energia de Cristo, depois proclamando nele uma só energia, e por último decidindo que em Cristo não existe nem uma nem duas energias.
Deste modo, o imperador e os patriarcas começaram a se dar conta de que a doutrina da monoenergia, longe de oferecer o campo de entendimento que aspiravam, era para a Igreja nova causa de agitação. Mas se contentavam com o momento de bons resultados até então obtidos pela reunificação religiosa e se esforçaram em não compromete-la com novas discussões, ainda mais naquele tempo em que o Império Bizantino necessitava de todas as suas forças para lutar contra a invasão do Islã que ameaçava desmembrar suas provincias orientais.
CONDENAÇÃO DO MONOTELISMO
Efetivamente, a controvérsia monotelita perdurou por varias décadas até que pôde canalizar-se com a celebração do que seria o sexto concilio ecumênico e terceiro de Constantinopla (680-681), sendo o imperador da época Constantino Pogonato (668-685).
Seguindo o costume destes concilios ecumênicos, examinou-se detidamente a conduta dos principais personagens que haviam intervido em toda a contenda e seguiu-se em cada um deles um verdadeiro processo, que por sua vez se transformou em um exame critico sobre a autenticidade e integridade dos textos expostos. Logo se apresentaram os textos pontificios, particularmente a última epístola do então Papa, Agatão (678-681), que declarava a doutrina das duas vontades e duas operações em Cristo.
O resultado foi que o patriarca Jorge de Constantinopla aceitara a doutrina do Papa Agatão. O mesmo fez toda a assembléia.
Alem disso foi expressamente condenada a doutrina monotelita e em consequência, se lançou anatema contra os cabeças do monotelismo, entre os que se encontravam Sergio de Constantinopla, Ciro de Alexandria e Honório de Roma.

Terminado o concilio, o imperador colocou suas decisões em um edito imperial do ano 681. O Papa Agatão faleceu antes de aprovar o concilio e que foi seu sucessor, Leão II (681-683), quem aprovou as atas.

NÃO FOI HEREGE MAS IMPRUDENTE
A principio, a idade média considerou que a equivoca posição de Honorio não havia sido propriamente de tipo doutrinal, mas um erro de governo, por ter escutado e alentado o parecer de Sergio de Constantinopla e não de Sofronio de Jerusalén. O mesmo Papa Leão II, em sua aprovação das atas do concilio constantinopolitano terceiro, emitiu um juizo mais suave sobre Honorio considerou que ele se limitou a "permitir" (não a defender) a doutrina herética; com termos semelhantes Leão II se expressou em uma carta dirigida aos bispos hispanos: "Honorio não extinguiu a chama da heresia como convinha a sua autoridade apostólica, mas que por negligência a açulou".
Como se aprecia, Leão II não desqualifica a Honorio por incorrer na heresia monotelita, mas por falha em seu trabalho de governo. Sua culpa, ainda que devido a negligência, foi considerada em Roma tão grave que, na profissão de fé durante um certo tempo os Papas no ato de tornar de possessão (Liber diurnus Romanorum Pontificum), Honorio era anatematizado, depois dos hereges (não entre eles), como um que "com sua negligência fomentou o crescimento das falsas afirmações dos hereges".
HONORIO E A INFALIBILIDADE
No século XV, alguns teólogos convencidos da infalibilidade pontificia, como Nicolás de Cusa, João de Torquemada e Gaspar Contarini, não estabeleciam problemas a condenação de Honorio no sexto concilio ecumênico. O holandês Alberto Pigge sustentou, em contrapartida, que esse concilio não pode condenar o papa e por isso, supôs que a inclusão de seu nome nas atas do concilio devia ser uma interpolação, quer dizer, uma falsificação posterior. Esta hipótese não é sustentada hoje em dia por nenhum historiador, ja que se foi provado a plena autenticidade das atas do terceiro concilio de Constantinopla.
Alem disso, a hipótese de Pigge foi recusada desde o século XVI por alguns teólogos que, como Melchor Cano, consideravam que um Papa podia se fazer herege somente como doutor privado. Esta opinião não durou muito tempo. Na idade moderna, somente teólogos protestantes e também teólogos católicos partidarios a doutrinas galicanas consideraram que o papa Honorio havia sido herege.
Quando no Concilio Vaticano I (1870) se estabeleceu a definição dogmática da infalibilidade pontificia, os detratores desta doutrina apresentaram o exemplo histórico da condenação de Honorio. Os defensores da infalibilidade validaram o anatema imposto a Honório como uma medida disciplinar e não como um juizo doutrinal, em continuidade com o que havia consentido na Idade Média, quer dizer, na primeira e imediata recepção do sexto concilio ecumênico.
ANÁLISE PROFUNDO.
Se analizarmos com detalhe a primeira carta de Honorio e os fragmentos de sua segunda carta, se verifica que, na realidade, seu ponto de vista era diferente do sustentado pelo patriarca Sergio. Este último, firmemente monoenergista, atenuou o significado de sua doutrina na carta que havia dirigido a Honorio, na qual, certamente por negligência, não captou a gravidade do error teológico exposto por Sergio. Lamentavelmente, desconfiou de Sofronio, considerado como um inoportuno e acreditou ter posto fim as discussões dos bispos orientais adotando a fórmula equivoca e ambigua.
Em todo caso, fez-o em uma carta que não reúne os requisitos teológicos -hoje em dia bem delimitados, atras do Concilio Vaticano I- da definição infalivel: Não se pode dizer de forma alguma que o Papa Honorio ensinasse uma heresia ex cátedra.
Jesus Cristo, dotado de duas vontades, assumiu a natureza humana carente do pecado e que, por ele, a vontade humana de Jesus, não debilitada pelo pecado original, agia em plena e conforme unidade moral com sua vontade divina. Esta é a doutrina correta que Honorio pretendia sustentar. O problema é que esta doutrina, em si correta, foi exposta por esse Papa com a terminologia monotelita que havia proporcionado a epístola de Sergio, dando a entender, negligentemente, que se mesclava ou aniquilava na pessoa divina de Cristo a integridade de sua vontad humana. A. V.
A CONTROVÉRSIA CRISTOLÓGICA
A controvérsia cristológica provocou, entre outras coisas, a convocação de numerosos concilios, dos quais três tiveram o titulo de ecumênicos: o de Éfeso (431), o de Calcedonia (451) e o segundo de Constantinopla (553).
Resumidamente, cabe afirmar que no concilio efesino, convocado pelo imperador Teodosio II (408- 450), ao se condenar o nestorianismo, se ressaltou a única pessoa divina de Jesus, ja que Nestorio havia sustentado que as duas naturezas de Cristo correspondiam a dois sujeitos ou pessoas, divina e humana, rompendo assim a unidade pessoal do Filho de Deus feito homem. No concilio calcedonense, convocado pelo imperador Marciano (450-457) a instancias de sua esposa, ao se condenar o monofisismo, se colocou mais em evidência a dupla natureza de Cristo e sua unidade pessoal sem mescla nem perda de qualidades de ambas as naturezas, já que o monofisismo afirmava que a consequência da união das duas naturezas de Jesus Cristo, a natureza humana era dissipada e portanto, aniquilada na imensa grandeza da divindade do Filho de Deus.
E no segundo concilio constantinopolitano, impulsionado pelo imperador Justiniano (527-565), se condenaram "os três capítulos", quer dizer, tres bispos do século V, naquele tempo ja falecidos mais ou menos próximos a posições nestorianas, Teodoro de Mopsuestia, Teodoreto de Ciro e Ibas de Edesa, cuja rejeição oficial por parte do concilio poderia ser do agrado dos monofisitas.
E mesmo com a condenação do monofisismo no concilio de Calcedonia, esta doutrina continuou vigente por longo tempo entre muitos bispos e monastérios de Siria, Egito e Armênia.
Os seguidores desta doutrina recusavam a validade do concilio de Calcedonia e, por isso, consideravam que, pela aprobação desse concilio, o Papa, o patriarca de Constantinopla, assim como o imperador haviam incorrido em heresia. Justiniano tentou mediante a condenação dos três capítulos apaziguar os ânimos dos monofisitas; mas, além de não conseguir suprimir o monofisismo no oriente cristão, desencadeou por sua vez uma oposição feroz por parte de numerosos bispos ocidentais, que viam no segundo concilio de Constantinopla uma atitude demasiadamente severa sobre Teodoreto e Ibas, defensores da ortodoxia durante o concilio de Calcedonia. A polêmica entre calcedonianos e monofisitas continuava mas sem se resolver. A.V.

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