Os Raelianos
Fonte : Mundo Catolico
Autor: José Augusto
Seita: RAELIANOS ( Revista ISTO É Nº 1749)Doce luxuria
Os raelianos cultuam a liberdade sexual, os prazeres da carne e pregam a manipulação genética como o segredo da eternidade ( Darlene Menconi )
Pouco antes de o francês Claude Vorilhon entrar numa das salas do hotel cinco estrelas onde se hospedou em São Paulo, uma morena de traços orientais e roupa justíssima forra a poltrona de couro com dois tecidos imaculados, como se preparasse o trono para um rei. Correndo de um lado para outro, uma dezena de jovens atraentes, entre eles um massagista com porte de deus grego, ajeita os vasos de flores, as rosas vermelhas sobre a mesa de mármore e enche de água gasosa o cálice de seu líder espiritual. Segundos depois, uma voz no corredor anuncia: "Sua santidade está chegando." Vestido de branco, uma grossa medalha de prata no peito, a barba esculpida e um coque que lembra uma antena intergalática, o líder da seita dos raelianos faz sua entrada triunfal na companhia da pupila famosa, a bioquímica francesa Brigitte Boisselier, que chocou o mundo ao anunciar o nascimento não de um, mas de cinco supostos bebês clonados.
Pregador do velho lema dos anos 60 - sexo livre, paz e amor -, o profeta ergueu uma religião à base do hedonismo, filosofia em que todo o destino humano se resolve no prazer. Em 57 anos de estrada, foi piloto de Fórmula 3, jornalista de automobilismo e cantor das baladas de Jacques Brel. Rebatizou-se Raël em 1973, após um encontro com Elohim, os deuses extraterrestres que teriam criado a vida humana na Terra. Para ele, o segredo da vida está na evolução da ciência e em alimentar os cinco sentidos. Resume: "O movimento raeliano é como um corpo, tem cérebro, espiritualidade, filosofia e sexo." Sobretudo, sexo. Seus cultos são sessões de meditação sensual, que "equivalem a orgasmos ou ao efeito de drogas", diz o exímio cozinheiro que passa até quatro horas ao dia disparando tiros em joguinhos tipo mate-ou-morra, pela internet, ou pilotando simuladores de corrida num cockpit com direção e pedais montado em sua casa, no Canadá.
A incerteza do amanhã, prega, é razão suficiente para aproveitar cada instante. De preferência diante de uma mesa farta e na companhia de belas mulheres, que recebem o título de anjo "por sua feminilidade e inteligência". O líder espiritual não economiza carinhos em quem lhe atrai. É o primeiro a quebrar protocolos para cortejar uma mulher. Nem sequer titubeia em colar o nariz numa nuca feminina a pretexto de lhe sentir o perfume. No jantar de celebração pela visita ao Brasil, onde lançou o livro Sim, clonagem humana!, Raël comandou uma festa à moda dos festejos raelianos, num clima de muita sedução, boa comida e vinho (o português Quinta do Carmo, um tinto de R$ 240 a garrafa).
Beijos e afagos - Na mesa redonda do elegante restaurante Antiquarius, onde se sentavam dez seguidores, Raël provou um a um os pratos de seus devotos. Ao degustar um doce à base de ovos, sussurrou à repórter: "É quase tão bom quanto fazer amor." Depois estendeu o olhar lânguido à direita, onde estava Sophie, a bailarina de corpo escultural com quem Raël se casou há 12 anos, antes de ela completar 18, para logo depois se divorciar e ser livre para amá-la à sua maneira. "Minha mulher gosta de fazer sexo uma vez por semana. Eu gosto pelo menos três vezes, então ela me incentiva a ficar com outras mulheres", revela. "Não existe ciúme entre nós porque ninguém é dono de ninguém", interrompe outro devoto.
Sedutor por vezes ousado, Raël elogia cada detalhe da anatomia feminina como se fosse algo transcendental. Tenta de tudo para agregar mais uma alma ao seu rebanho de alegados 60 mil seguidores em 84 países. Enfim, o papa dos raelianos se oferece à repórter: "Gostaria que você me escolhesse por causa da minha inteligência, mas não tem problema se você preferir alguém mais bonito ou mesmo uma mulher para amar." Enquanto isso, Sophie, a primeira-dama, enlaça seu braço no bíceps do massagista com porte de deus grego, que por sua vez se atraca à bela coreana com quem trocou beijos a noite toda. Do outro lado, a insinuante portuguesa ora pisca à repórter, ora acaricia os dedos da dona de um sex shop canadense especializado no prazer feminino e suspira ao oferecer sua taça de vinho a Raël. "Certas pessoas têm prazer quando me fazem sentir prazer", já disse sua santidade. Os raelianos são assim mesmo. Eles se tocam, se beijam, acariciam uns aos outros, num clima ninguém-é-de-ninguém.
Bebês perfeitos - Mas a missão de Raël na Terra não se resume a gozar a vida. Entre suas atribuições está a construção de uma embaixada para o retorno dos deuses ETs e a preparação do mundo para aceitar a tecnologia. Dentro desse cardápio estão os transgênicos e, claro, os clones, que representam a extensão do poder humano de criação. Além da não menos polêmica manipulação genética para gerar bebês mais inteligentes, mais bonitos e com certas inclinações artísticas ou físicas.
Acompanhado de um séquito de homens e mulheres exuberantes e de riso fácil, Raël veio ao Brasil também para estudar a viabilidade de construir um hotel de luxo onde os abonados curtiriam a praia, congelariam suas células para curar doenças no futuro, e levariam amostras de DNA para produzir clones. Ele ainda negocia a criação de uma associação para proteger os direitos das crianças clonadas, que evitaria ameaças como a da Justiça americana, que nomeou um tutor para cuidar dos bebês. A primeira escolha é o Brasil, já que um casal de advogados brasileiros candidato à clonagem ofereceu sua assessoria jurídica. Sob o pretexto de manter a privacidade dos bebês-cobaias e de seus pais, Brigitte não pretende mostrar provas científicas de seus feitos. A partir de junho, porém, ela começa a cobrar o valor de tabela pelo trabalho, US$ 200 mil.
Por mais que Vorilhon insista, é difícil separar a seita da Clonaid, a empresa presidida por Brigitte. A seita é abastecida pela colaboração anual de US$ 60 dos devotos, embora o guru sugira o pagamento mínimo de 3% de seu salário bruto. Já a Clonaid é mantida por investidores cujos nomes são mantidos em sigilo, muitos deles interessados em imortalizar parentes falecidos.
Sem fé em Deus ou na alma, o mentor que se diz meio-irmão de Jesus Cristo defende um embargo de petróleo até que as tropas anglo-americanas deixem o Iraque. Raël chegou a escrever a Yasser Arafat sugerindo que ele fosse o Mahatma Gandhi palestino. "Ele deveria se vestir de branco, levar dez mil seguidores à rua e fazer uma greve de fome até morrer. Assim como Ghandi estava disposto a morrer pela paz, sem violência", explica. Em tempos de guerra, injustiça e medo, é comum emergirem seres que se comparam a Deus e se agrupam, numa espécie de loucura coletiva. Para o filósofo britânico Thomas Hobbes, é mais um sinal do "rugido indisciplinado de um mundo problemático".
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