Blog Alma Missionária

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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Espiritualidade e o mundo econômico – Parte II

Marcus Eduardo de Oliveira

O português Paulo Vieira de Castro, consultor de empresas e diretor do Centro de Estudos Aplicados em Marketing do Instituto Superior de Administração e Gestão (Porto) e Marcus Eduardo de Oliveira, economista brasileiro, professor de economia e especialista em Política Internacional, com mestrado em Estudos da América Latina (USP), dialogam sobre espiritualidade e o mundo que cerca a economia. Os especialistas conversam sobre a necessidade de integrar o ser humano numa visão mais abrangente, tanto no contexto da economia, quanto dos negócios, envolvendo desde a busca da felicidade à realização plena de cada um, comungando, nesse aspecto, a vida humana, a espiritualidade e o ambiente econômico.

MEO – O “Dharma Marketing”, cujo princípio essencial é o de criar a auto-liderança tem alguma relação com a economia quando se pensa especificamente nos atores econômicos que interagem na atividade produtiva?

PVC – Certo é que a competência organizacional, não depende exclusivamente de um conjunto de formalidades, de motivações externas ou materiais, existindo um grupo alargado de padrões não convencionais/inconscientes que constantemente interferem nas decisões empresariais, tornando-se, também por isso, necessário agir a um nível mais íntimo, muito especialmente quando pretendemos fundar-nos em valores tão profundos quanto os espirituais. 

Assim, também nas empresas encontramos o potencial do princípio animador ou vital do ser humano (a espiritualidade), afirmando-se, deste modo, a existência de uma identidade supra-humana, através de uma imperceptível teia organizacional, pelo que o mundo das empresas deverá  ser visto como um todo, em constante relacionamento, e conseqüentemente, em transformação.

Costumo explicar esta idéia dando como exemplo o momento em que nos deparamos com alguém. Deste encontro nasce uma terceira entidade que é a alma da relação; porque seria diferente nas relações empresariais? Por estranho que pareça, esta é a única dimensão que perdura para além do tempo e do espaço, sendo a este nível - mais subtil - que se funda o inconsciente organizacional. E, se a espiritualidade tem a ver com ação logo é produção, então porque não administrar este capital relacional? A liderança para o terceiro milênio vai nessa direção.

Para que tal seja possível será necessário assumir um novo regime de serviço e de transparência, só concebível pela abertura dos canais intuitivo-anímicos da relação: o inconsciente organizacional.

Ao imaginarmos o Dharma Marketing propomos um conceito que se inscreve dentro da linha de entendimento do marketing relacional, não esquecendo que as organizações deverão estar focadas em valores, em estratégias, dependentes de hábeis negociadores, criativos, empreendedores, que saibam trabalhar sob pressão. Mas, ser-lhes-á isso possível na ausência da consciência e si mesmo?! Partindo desta questão surge um novo conceito de marketing que se propõe chegar a mais inconsciente dimensão do psiquismo humano, antecipando o caminho para um marketing de proximidade real. 

Se a consciência da oferta e da procura se altera, porque não mudaria o marketing?! Este tem vindo a evoluir na sua orientação, indo para além do produto, da venda, do mercado, do cliente, assim, depois do marketing massificado, do marketing de segmentação, do marketing one to one, surge igualmente o marketing orientado para a perspectiva holística da relação: o inconsciente organizacional.

Habitualmente explico a mudança de focus estratégico proporcionado pelo Dharma Marketing utilizando a parábola da terceira margem do rio. Do rio que tudo arrasta, dizemos que é violento, esquecendo-nos o quão arrebatadoras são as margens que o comprimem. A violência do rio enquanto questão estratégica não está nele próprio, mas sim nas suas margens, ou seja, no constrangimento imperceptível que tudo condiciona. Ao transportamos este modelo para as relações humanas em contexto empresarial surgem novos desafios e, com estes, um renovado marketing: a quarta vaga do marketing relacional.

MEO – Talvez seja necessário, ademais, reforçarmos a idéia de que a vida humana e a espiritualidade jamais poderão ser separadas. Há que enfatizar-se, no entanto, que a espiritualidade – e não as diversas formas de religiões – têm muito a ajudar na construção de uma nova sociedade, à medida que faz também surgir um “novo homem”, despido de velhos vícios. Afinal, a espiritualidade está dentro de cada um de nós. O Reino de Deus não está no mercado e nem nas prateleiras de algum shopping center, mas sim dentro de nós.

PVC – Tem uma história - que conheço como sendo brasileira - onde um homem por ser tão apaixonado pelas estrelas inventou a luneta para vê-las melhor. Certo dia formou-se uma escola para estudar a sua luneta. Desmontaram a luneta, analisaram-na por dentro e por fora, observaram os seus encaixes mediram as suas lentes e estudaram a suas características ópticas. Sobre a luneta de ver as estrelas escreveram-se muitas teses de doutoramento, assim como muitos congressos aconteceram para investigar a luneta. Toda a gente estava encantada, tão fascinados ficaram pela luneta que nunca mais olharam para as estrelas. Do mesmo modo, os humanos especializaram-se no acessório esquecendo o essencial, o estruturante à vida. Infelizmente, há muito que deixamos de nos encantar com as estrelas. 

Pretendendo explicar esta afirmação coloco uma simples questão: porque é que a vaca está feliz no pasto? A resposta é simples; porque lhe pedem - simplesmente - para ser vaca. O ser humano distraiu-se do devir de viver a sua verdadeira natureza, a sua realidade primeira.  E aqui o problema não está na economia.  Acontece que no mundo dos conceitos, muitos são os que andam enredados numa vida que não é a deles. O despertar espiritual ajuda ao entendimento que todos os caminhos vêm do centro e voltam para o centro. 

Nós somos os únicos seres da natureza capazes de nos imaginarmos fora dela, vivendo num mundo fora do mundo onde tudo são conceitos. Para isso em muito tem contribuído o marketing, e em especial a publicidade ao passar de um registo lingüístico de denotação, para outro de conotação. Esta mesma lógica foi-se estendendo à felicidade, ao sofrimento, ao sucesso ou à falta dele. 

Por exemplo, se perguntarmos a um operário fabril, há 30 anos funcionário da mais famosa marca de roupa intima feminina: o que é que você faz? Ele vai responder soutiens, slips. Se colocarmos essa mesma pergunta ao responsável pelo marketing, a resposta será: SONHOS! Ou, dependendo do posicionamento estratégico da empresa: EROTISMO!

Então, parece que o grande pecado das empresas terá sido querer dar às pessoas o que elas tanto desejavam, colocando-se novamente a responsabilidade do lado dos consumidores. Por exemplo, muitas vezes ouvimos comentários pouco elogiosos á programação televisiva e eu pergunto, porque é que à noite só passam telenovelas? A resposta é simples: porque as pessoas só querem ver telenovelas.  Eu sei que isto é cruel, mas é real! 

Para, além disso, o Homem tornou-se um ser de convicções, animado pelo desejo de convencer. Aliás, persuadir é uma experiência específica do gênero humano. Os restantes seres da natureza informam e exprimem, nunca assumindo a postura do convencer, pelo que só o ser humano pode fantasiar a respeito de si mesmo e dos outros.  É aqui que um novo Homem terá de aprender mais com a Natureza, e menos com a Civilização. 

Para o desnorte dos consumidores muito terá contribuído o ideal neoliberal, associado à concepção de “um mundo que vai por si mesmo”. O mercado torna-se, deste modo, uma entidade não controlável, afetando irremediavelmente o comportamento do homem moderno, transformando-se a exaltação do consumo de tal modo presente no indivíduo que a Organização Mundial da Saúde se viu forçada a atribuir à Oniomania (febre das compras) a referência IM-10 da classificação internacional das doenças, sendo-lhe, ainda, atribuída a menção DSM-IV na Statistical Manual of Mental Disorder. A minha apreensão a este respeito tem sido, essencialmente, ao nível da responsabilidade e da ética nas empresas. Aqui nenhuma organização poderá ser maior que o horizonte espiritual dos seus lideres. O mesmo se aplicará aos países, mas também às famílias, logo a todos nós. 

MEO – Certo mesmo é que não dá mais para negar a natureza social da economia. Assim como não se pode ocultar – ainda que os tradicionais queiram e insistam - que há mecanismos econômicos que “geram” e perpetuam a pobreza.

PVC – A noção de interdependência econômica tem de ser ajustada a outros vínculos. Certo é que o ser humano sai altamente prejudicado pela forma redutora como tem entendido o mundo como algo que pode ser só de alguns, em especial no contexto da economia e dos negócios. Mas de que mundo falo eu?  

Marcus, imagine a sua vida representada por uma velha cabana construída em madeira. As dificuldades que vão surgindo ao longo da sua existência deixam vestígios, estes são aqui representados por fendas que a marcam, mais ou menos, violentamente. 

Agora que está lá dentro olhe o enegrecido telhado. Se eu lhe der a escolher um dos buracos e lhe pedir para descrevê-lo, como é que o referiria? Preto? Castanho? Azul? Ou limitar-se-ia a ver o contorno, isto é a parte do telhado à volta do buraco?

Sem que nos apercebamos disso, esta é uma escolha que temos de fazer todos os dias, cometendo, invariavelmente, o mesmo erro. Não é possível separar o buraco do telhado e vice-versa. Afinal, a sua vida e a dos outros são uma mesma tela; inseparáveis. 

Pela mesma ordem de razões vida humana e a espiritualidade jamais poderão ser separadas, assim como o conhecimento não poderá ser separado de quem conhece, acontecendo o mesmo na relação professor aluno, ou entre o dançarino e a dança. É isto que se passa com a nossa vida, não sendo, por isso mesmo, possível separar nenhum momento de uma existência, onde problemas e soluções são duas faces de uma mesma moeda. Este entendimento traz-nos outro horizonte sempre que tomamos decisões, pelo que para além de partirmos das questões certas, teremos de seguir o caminho menos trilhado: a via interior dos negócios. A economia terá de estar – definitivamente - ao serviço de uma visão integral do ser humano.

MEO - Pergunto-lhe se, no mundo dos negócios, é possível estabelecer laços de sociabilidade repletos de comunhão e solidariedade? E que tipo de sucesso se deve perseguir nas empresas? Afinal, os economistas, em geral, confundem sucesso e prosperidade com aquisição e acúmulo de bens materiais.

PVC – A palavra central na resposta à sua pergunta é: felicidade! Tenho para mim que a felicidade não repousa em grandes posses, mas sim em grandes anseios. Esta é, afinal, a única grande riqueza da vida humana; ser lembrado pela nossa generosidade, pela nossa gentileza. Como acontece com o bem, a felicidade é pré-existente à natureza do mundo, pelo que é algo que está desde sempre em nós, isto ao contrário da infelicidade. Esta última é uma criação exclusiva dos Homens. Isto acontece porque existe uma resistência inconsciente que nos obriga a procurar sempre fora de nós, levando-nos a seguir pensamentos dos outros, o sucesso dos outros, a felicidade dos outros.

Aquilo que não custa dinheiro será o que mais nos poderá inspirar. Veja; para si qual é o valor real de um sorriso, ou de um abraço sincero? Refiro-me, ainda, a outros recursos infinitos de sentido, patrimônio de todos os homens e mulheres, valores como a bondade, a compaixão, o desapego, etc.. 

Certo é que todos viemos ao mundo de mãos vazias, regressando de mãos vazias; sem exceção. 

Tendo como intenção gerar felicidade aos outros e a si mesmo, dar é a mais profunda das formas de purificação. Só o que você der será eternamente seu; o que não der tiram-lhe; acredite!

Mas, porque será que quando falamos em dar tendemos a pensar em dinheiro? Essa é uma resposta que facilmente encontramos em cada um de nós. 

No futuro teremos de valorizar essencialmente o dar responsável, relegando para um segundo plano a solidariedade meramente material. 

Aceitar a importância de tais dimensões da existência humana, obriga a que cada um de nós seja um cientista interior, cuja maior valência será a de experimentar a (sua) própria realidade interdependente.

Tratando-se de uma terra sem caminho, viver nesta convicção será assumir a maior responsabilidade das nossas vidas: ter como missão o confiar que é possível um mundo melhor para todos. Para que isso aconteça já hoje faça o que é necessário, amanhã o que é possível, e de repente estará a realizar o impossível. Lembre-se que os milagres não acontecem em contradição com a natureza, mas sim com o que dela conhecemos. Certo é que nas organizações, como em tudo na vida, existem unicamente duas escolhas para todos os problemas. A primeira é aceitar as condições que existem, a outra é aceitar a responsabilidade de mudá-las.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. prof.marcuseduardo@bol.com.br

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