O PROCESSO DE JESUS - A CAPTURA
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I PARTE (Processo Religioso)
* Foi preservado o português da época (1921)
A Captura
O Era uma noite de quinta-feira do 14 de Nisan, ou de 06 de abril de 783 da fundação de Roma (1). Quem, nessa noite, se tivesse achado na cidade de Jerusalem e precisamente nas adjacendias do Palacio do Governador romano e dos Summos Pontificies, teria, sem duvida, notado um movimento, uma agitação que contrastava altamente com a calma habitual que, a essas horas avançadas, costumava desfructar o bairro mais aristrocratico da cidade dos Prophetas.
Grupos de individuos armados de espadas e páus (2) iam e vinham em attitude impaciente, provocadora, resoluta. De subito, uma companhia de soldados, sob as ordens de um Tribuno, á qual se juntaram servos e subalternos dos grandes sacerdotes e phariseus, tambem armados, sahiu do Pretorio, tomando, apressadamente, a direcção noroéste.
A lua (3) que nesse momento brilhava num céo recamado de estrellas, e envolvia, num nimbo de prata, a antiga capital da Palestina, batia em cheio, como uma lamina de aço, sobre o aspecto sinistro de um homem que, açulado pelo demonio da cubiça, parecia ser, si não o chefe, certamente o guia daquella turba eivada de odio e sedenta de sangue. Era Judas de Keriot, o qual, seguido pelas praças e pela famulagem subornada, atravessando de leste a oeste a cidade alta, e tomando, depois, o rumo norte, passou o Cedron e parou um instante ao sopé do Monte das Oliveiras, a poucos passos dos muros que cercam o Gethsemani.
Entrou. Não lobrigando alma viva, dirigiu os passos para o lado norte onde uma especie de corredor descoberto, cavado, pela natureza, na pedra, dava acesso a uma gruta de 17 metros de comprimento, 9 de largura e 3,50 de altura (4).
O personagem que se procurava e que nesse instante, com a alma crivada de angustias, se mantinha prostrado num canto, ergueu-se ao rumor dos passos em tropel, e esperou, resignado, a sorte que o odio recalcado dos seus inimigos lhe havia preparado.
Estava para ter inicio o desenrolamento de scenas de horror, previstas, com admiravel clareza, oito seculos antes, pelo Propheta Isaias, scenas que deveriam ter, como remate, a mais clamorosa infamia que registra a historia da humanidade.
Á vista dessa matula armada e guiada por um scelerado que, até bem poucos momentos, honrára com a sua amizade, Jesus (porque era Elle) sentiu-se profundamente ferido e disse:
_ Viestes capturar-me como si eu fora um ladrão; entretanto, todos os dias eu estava comvosco no Templo e nunca me prendestes. (5) Mas, já que procuraes a mim só, deixae em paz estes meus amigos. (6)
Referia-se aos discipulos que levára comsigo.
Poucos momentos depois, Jesus era amarrado e, no meio de uma algazarra infernal, levado ao Palacio de Annaz.
Qual fôra o motivo da captura de Jesus? Apparentemente algum crime religioso ou político de que os seus inmigos queriam tornal-o responsavel. Na realidade, porém, no fundo de todo esse zelo hypocrita em defesa da Religião ou do Estado, apparecia claro e insophismavel um sentimento de odio, filho do ciume incontido pela popularidade que alcançára Christo na Palestina. A majestade de seu porte, a graça ineffavel que transluzia do seu rosto, a ternura incomparavel do seu coração, o seu desvelo desinteressado em pról dos infelizes, a boa nova que annunciava e que vinha abrir, á sociedade, descortinos vastos e desconhecidos, a guerra sem quartel que, com um desassombro mumca visto, movia á ambição e hypocrisia dos potentados, esta e um sem numero de outras bellezas moraes de que andava exornado e que não se pódem traduzir em linguagem humana, arrastavam, após si, as multidões que, em momentos de irreprimivel entusiasmo, o acclamavam, delirantemente, Propheta e Rei!
Accresce que, ultimamente, um grande acontecimento acabava de abalar todos os espíritos. Achando-se, seis dias antes (8 de Nisan), Jesus, na cidade de Bethania, e tendo ahi, morrido o seu amigo Lazaro, ressuscitára-o com um prodigio. O facto extraordinario echoara, com a rapidez do raio, de um canto a outro da Palestina, e cercára Jesus de uma aureola tão luminosa que, quando, dois dias depois, entrou em Jerusalém, fôra alvo da mais estrondosa e imponente manifestação popular.
Este delirio suscitado por Jesus, vinha encrustar outra camada de odio no coração dos seus inimigos que, em precipitado concluio, juraram perdel-o: _ Que havemos de fazer? perguntavam uns aos outros, este homem faz muitos prodigios, si o deixarmos continuar, todos crerão nelle: "Quid facimus? Quia hic homo multa signa facit? Si dimittimus eum sic, omnes credent in eum" (7).
E a prisão de Jesus, effectuada na noite do 14 de Nisan, não era outra cousa sinão a consequencia do trama urdido no diabolico comicio.
Eil-o, pois á presença de Annaz (8) amarrado como um malfeitor.
Não se comprehende e não se justifica a razão pela qual a esbirralha quis arrastar Jesus á presença de Annaz que não cobria, havia muito tempo, nenhum cargo publico. Talvez, como opina Cornelio a Lapide, tomassem essa resolução por méra deferencia a seu genroCaiphás, Grande Sacerdote naquelle anno. Seja como fôr, o que não padece duvida, é que Annaz fôra a alma de toda a conjura movida, secretamente, contra Jesus. De engenho vivo, astucia pouco commum, ambicioso em extremo, alcançára de Sulpicio Quirino, Governador da Syria e da Judéia, o título de Grande Sacerdote, cuja funcção permanecera quasi dez annos.
No dia da prisão de Jesus, havia mais de três lustros que não ocupava esse supremo cargo.
Á sua influencia, porém, e especialmente, ao seu genio intrigante e ao ouro que sabia profusamente espalhar em occasião opportuna, deve-se a nomeação, feita por Valerio Grato, do seu genro José Caiphás o Grande Sacerdote. (9)
Estando, pois, Jesus, perante Annaz, este, embora não lhe assistisse o direito, entendeu submettel-o a um interrogatorio preliminar, enquanto no Palacio de Caiphás se estavam tomando, ás pressas, as providencias para um interrogatorio mais completo e um julgamento mais formal.
(Próximo tópico: O Interrogatório)
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