Eucaristia e caridade
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)
A Igreja Católica, em todo o mundo, celebrou a Solenidade de Corpus Christi ontem, dia 30. Neste dia, a Eucaristia, centro e ápice da fé cristã, é testemunhada publicamente, com procissões pelas ruas, programações especiais nas paróquias e nos bairros. A celebração de Corpus Christi é oportunidade para que todos os fiéis fortaleçam a compreensão deste Sacramento como experiência e compromisso social. Assim, não se trata simplesmente de um culto. A Celebração Eucarística é a vivência do mistério pascal, a origem da Igreja.
A Igreja nasce e vive da Eucaristia. Nela, a escuta da Palavra de Deus é essencial, abrindo mentes e corações para a vivência do memorial do sacrifício de Jesus Cristo que se oferece na cruz, morre e ressuscita, para a salvação da humanidade. Ao celebrar a Eucaristia, os olhos da alma se fixam no Tríduo Pascal, ápice na vivência da Semana Santa, a partir de tudo que se realizou na Quinta-feira Santa e nas horas sucessivas. Quando Jesus institui a Eucaristia, na Ceia Pascal derradeira, antecipa sacramentalmente os acontecimentos vividos logo em seguida, a começar pela agonia de nosso Salvador no Getsêmani. Jesus sai do Cenáculo, vai ao Horto das Oliveiras, vive a sua agonia, em oração e começa sua entrega a Deus seu Pai, sofrendo a sua dolorosa paixão. Crucificado, morto e sepultado, ressuscita no terceiro dia. É a vitória definitiva da vida sobre a morte.
A celebração de Corpus Christi é, pois, a Igreja - o Povo de Deus - publicamente aclamando e dizendo “anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus”. Com essas palavras nossa Igreja testemunha e sublinha o traço marcante de sua identidade: ser uma Igreja Eucarística. E cada cristão católico é convocado permanentemente, pela Eucaristia, como compromisso de fé, a assumir prioritariamente a prática da caridade. Algo além de um gesto pontual qualquer, ou rápida ação de misericórdia. Ao testemunhar publicamente sua fé eucarística, a Igreja se compromete a praticar uma caridade com força de transformação e com incidência profética sobre a vida da sociedade.
Isso significa que a Eucaristia celebrada e professada exige um empenho em prol da justiça. Em questão se coloca a justa ordem da sociedade e do Estado. Deste modo, o culto eucarístico, sua celebração e adoração, se desdobra em compromisso social cidadão, iluminado pela fé. Ao celebrar o Corpus Christi no interior das igrejas e, especialmente, nas praças e ruas onde está o povo, assume-se também o compromisso de acompanhar o Estado para que ele se conduza segundo a justiça. Ignorar seus funcionamentos ou não interferir pela força da cidadania, permitindo que o Estado se torne lugar da corrupção ou da indiferença para com os mais pobres, é conivência. Aborrece a Deus que se oferece pelo bem da humanidade. Segue-se na contramão da vida plena para todos.
A Igreja é lugar para a expressão social da fé cristã, na sua dinâmica comunitária, com força de diálogo e de recíproca relação com as instâncias da sociedade civil. Os cristãos devem contribuir para que se alcance sempre a justiça, medida intrínseca da política, que não pode ser entendida como mera questão técnica nos ordenamentos públicos. A justiça é um compromisso de natureza ética na vivência da fé e da cidadania.
A razão trata propriamente da questão da justiça. A fé tem, neste âmbito, uma determinante contribuição. Ela purifica a razão que não raramente se resume em poder, dominação e desvios na contramão de uma almejada sociedade justa e solidária. Política e fé, neste âmbito, devem se tocar.
A celebração de Corpus Christi é importante oportunidade para cada cristão assumir com vigor o compromisso no seguimento da Palavra de Deus e para a Igreja renovar o seu empenho na promoção da justiça, abrindo mentes e vontades às exigências do bem.
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