Blog Alma Missionária

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sábado, 1 de junho de 2013

Apologetica
Santa Joana D’Arc

Autor: D. Estevão Bitencour
Fonte: Site Cleofas
Santa Joana D’Arc
D. Estevão Bettencourt
A figura de Joana d.arc
Os precedentes
O cenário histórico em que aparece Joana d’Arc, é o da guerra dita “dos Cem Anos” (1337´1453) entre a França e a lnglaterra. Em 1415 Henrique V da lnglaterra invadiu a França com o intuito de derrubar o rei Carlos VI. Os invasores encontraram apoio da parte da Borgonha, cujo duque Filipe o Bom reconheceu Henrique V da Inglaterra como legítimo soberano da França; ao mesmo tempo, Carlos VI, cuja saúde mental estava abalada, deserdou seu filho e nomeou o monarca inglês herdeiro e regente do país. Em 1422, morreram Henrique V e Carlos VI. o filho deste, Carlos VII fez´se coroar em Poitiers, e estabeleceu sua corte em Bourges, enquanto os ingleses caminhavam em território francês e assediavam a cidade de Orleães. Carlos VII era figura fraca, que nada fazia para deter os invasores, mas, ao contrário, permitia que homens ineptos e gozadores dirigissem o seu povo. Foi então que entrou em ação uma jovem de 17 anos, que prometia salvar a França.
lntervenção de Joana
Joana nasceu em Domrémy, de família camponesa, aos 6 de janeiro de 1412. Não aprendeu a ler e escrever, mas possuia profundo senso religioso. Aos 13 anos de idade, começou a ouvir certas vozes, que ela identificou com as de S. Miguel Arcanjo, S. Catarina de Alexandria e S. Margarida de Antioquia, virgem e mártir; exortavam´na a ir socorrer a França. A este propósito já se põe uma questão debatida: as revelações que Joana anunciava e que se repetiram até a sua morte, não terão sido mero fenômeno de alucinação? ´ Note´se que a alucinação significa um estado patológico, fonte de falsos juízos e de comportamento moral descontrolado. Ora em toda a conduta de Joana d’Arc não há vestígios de prostração física nem de aberração intelectual ou de incoerência de dizeres e atitudes; ao contrário, clarividência e firmeza notáveis se manifestaram. Torna´se, por conseguinte, difícil, se não ilógico, sustentar a tese das “alucinações”. Somente três anos mais tarde, em 1428, a jovem resolveu atender aos apelos celestes. Um tio levou´a então à presença do capitão Robert de Baudricourt, delegado do rei em Vancouleurs. Vendo´a, o oficial desprezou´a, devolvendo´a a seu pai; este ameaçou afogá´la. Joana voltou a procurar o capitão, impressionando´o por sua energia. Roberto mandou´a ter com o rei Carlos VII, acompanhada por uma escolta de seis homens, que deviam defendê´la na caminhada por estradas perigosas. A donzela pediu e obteve também um cavalo e trajes masculinos (mais adaptados à missão militar que ela empreendia). Chegando em Chinon aos 6 de março de 1429, Joana identificou o rei dissimulado entre os seus cortesãos. Logo lhe pediu soldados para ir levantar o cerco de Orleães. Todavia aquela jovem de 17 anos, vestida de trajes masculinos, não inspirava confiança. Tendo insistido, Joana foi submetida a interrogatórios e exames sobre a fé e a moral pelo espaço de três semanas; já que o laudo resultou favorável, Carlos VII reconheceu o possível valor do empreendimento de Joana. A situação para a França era tão grave que somente uma intervenção do céu poderia salvar a nação. O rei concedeu´lhe então um pequeno batalhão destinado a ir socorrer a sitiada cidade de Orleães, que estava para cair. Joana não combateria, mas estimularia os guerreiros, empunhando um estandarte branco, sobre o qual estava a figura de Cristo entre dois anjos. Finalmente, aos 8 de maio de 1429 os ingleses muito imprevistamente levantaram o cerco de Orleães, dando entrada na cidade a Joana d’Arc e sua tropa. Assim vitoriosa, a jovem quis levar Carlos VII a Reims para que recebesse a sagração régia ´ o que se deu a 17 de julho de 1429. Ao lado do monarca, a benemérita heroína Ihe disse então: “Gentil roi, maintenant est faict le plaisir de Dieu... Gentil rei, agora está feito o prazer de Deus”. Joana dava por finda a sua missão, quando o rei Ihe pediu continuasse a guerra. A donzela, dócil, muito se empenhou pela reconquista de Paris, mas aos 23 de maio de 1430, perto de Compiégne, foi presa pelos burgúndios, aliados dos ingleses. Estes a compraram pelo preço de 10.000 francos´ouro, e a levaram para Ruão, onde Joana deveria ser julgada. Aos ingleses interessava não apenas manter a donzela encarcerada, mas também destruir o seu prestígio aos olhos do público. ´ Este plano haveria de ser executado mediante pretextos religiosos que, para os homens da época, eram os mais persuasivos.
Mentalidade do século XV
Não se poderiam entender adequadamente o processo e as maquinações empreendidos contra Joana d’Arc se não se levasse em conta a mentalidade de ingleses e franceses da época:
a) Joana dera à sua missão militar um caráter religioso, dizendo que Deus queria por seu intermédio libertar a França. ´ Por conseguinte, os inimigos, para desprestigiá´la, tentariam demonstrar que Joana de modo nenhum podia ser enviada de Deus, por estar sob a influência do demônio, como herege, bruxa, impostora, etc. ´ Caso isto ficasse comprovado, também o rei Carlos VII perderia a sua autoridade; seria evidente que se aliara a uma filha de Satanás, por obra da qual havia sido sagrado. Os franceses poderiam então perder a esperança de obter a vitória final.
b) A mentalidade popular da época era levada a crer que vitória obtida em guerra era sinal de que Deus apoiava o vencedor. Ora os ingleses haviam conseguido um triunfo retumbante em Azincourt (1415), onde cinco mil guerreiros tinham prostrado toda a cavalaria francesa, lutando um soldado contra seis cavaleiros. Tão fulgurante vitória, pensava´se, só teria sido alcançada com a colaboração do céu; donde podiam muitos concluir que Joana contradizia ao curso dos acontecimentos sobre o qual Deus já proferira o seu juízo.
c) A própria conduta de Joana se prestava a deturpações... As calamidades que assolavam a França havia cerca de 75 anos, excitavam a imaginação popular, provocando o surto sucessivo de falsos taumaturgos e visionários. Como naquela hora se distinguiria Joana de uma Catarina de la Rochelle ou do pastor Guilherme de Gévaudan, comprovadas vítimas da ilusão? ´ Além disto, o espírito medieval podia facilmente escandalizar´se com a figura de uma jovem vestida de cavaleiro a cavalgar junto com uma tropa de soldados; ora tal era o caso de Joana. Ninguém concebia que uma virgem cristã se pudesse apresentar nesses termos. Compreende´se então que muitos dos contemporâneos da heroína se tenham podido iludir a seu respeito.
d) Será preciso levar em conta também a colaboração da Universidade de Paris, setor de grande autoridade, que os ingleses ganharam para a sua causa. O espírito que então animava os professores dessa instituição, não era muito sadio. Tendiam a considerar´se os luzeiros da S. Igreja; os mais moderados entre eles ficavam céticos ao ouvir falar de Joana; muitos, porém, Ihe eram energicamente contrários. A pobre camponesa, com seus poucos anos de idade, deixava´se guiar por pretensas visões mais do que pelas idéias dos professores; queira passar por mais perita do que os capitães do exército, sem pedir vênia nem autorização aos doutos lentes!
À luz destas características da mentalidade da época, analisemos agora.
O desfecho da história de Joana
Os ingleses, tendo que apelar para motivos religiosos na sua ação contra a jovem guerreira, encontraram apoio valioso na pessoa do bispo de Beauvais, Pierre Cauchon, todo devotado à causa dos invasores e, por isto, refugiado em Ruão, território possuído pelos ingleses. Não foi difícil encontrar pretexto para se iniciar um processo contra Joana: as suas apregoadas mensagens celestiais forneciam fundamento a acusações de bruxaria e heresia! Cauchon foi constituído presidente do respectivo tribunal. Para dar ao júri o aspecto e a autoridade de tribunal da Inquisição (tribunal oficial da S. Igreja!), chamaram a participar da mesa o Vice´inquisidor de Ruão, Jean Lemaitre. Cauchon convidou ainda grande número de assessores e jurados, aos quais o governo inglês fez saber que tinha meios para os coagir, caso rejeitassem participar do processo; 113 juristas aceitaram a intimação, dos quais 80 pertenciam à Universidade de Paris. O júri era de todo ilegítimo, pois Cauchon não tinha sobre Joana nem a autoridade de bispo diocesano nem a de legado pontifício. A Santa Sé não fora em absoluto informada da constituição de tal tribunal. Contudo o processo foi encaminhado. A jovem sofreu maus tratos físicos e morais; submetida a interrogatórios capciosos, que visavam a arrancar´lhe a confissão de heresia e superstição, respondeu sempre com simplicidade e nobreza; chegou a apelar para o Santo Padre: “Peço que me leveis à presença do Senhor nosso, o Papa: diante dele responderei tudo o que tiver que responder Tudo que eu disse, seja levado a Roma e entregue ao Sumo Pontífice, para o qual dirijo o meu apelo!” Em vão, porém, apelou. Finalmente, após peripécias diversas, Joana foi fraudulentamente condenada qual herege, relapsa, apóstata, idólatra. Entregue ao braço secular, sofreu a morte pelas chamas aos 30 de maio de 1431, enquanto olhava para o Crucifixo e orava. Na última manhã de sua vida, ainda dizia Joana a Cauchon: “Eu morro por causa de V.S.; se me tivésseis colocado nos cárceres da Igreja.... isto não teria acontecido.” A opinião pública viu´se profundamente abalada pelo ocorrido. Apesar de todas as acusações, a massa do povo ainda tinha Joana na conta de vítima da injustiça de seus inimigos. Conseqüentemente, pouco depois de entrar solenemente em Ruão (dezembro de 1449), o rei Carlos VII deu início a uma revisão do processo condenatório, revisão que terminou favorável a jovem. Seguiu´se em 1445 o inquérito pontifício, já que Joana fora abusivamente sentenciada em nome da Inquisição: após numerosos interrogatórios, o arcebispo de Reims, aos 7 de julho de 1456, perante numerosa assembléia de clérigos e leigos em Ruão, publicou a conclusão do “processo do processo”, reabilitando a memória da donzela. De modo oficial e solene, a Igreja restaurou a memória de Joana d’Arc, reconhecendo´lhe os méritos e a santidade em 1920. Por que tanto se fez esperar essa completa reabilitação? Os tempos que se seguiram ao ano de 1456, foram de reação contra o espírito e a vida da Idade Média: na época da Renascença o adjetivo “gótico” vinha a ser sinônimo de “bárbaro”; quebravam´se os vitrais das catedrais para substitui´los por vidraças brancas; o famoso poeta Pierre de Ronsard (†1585), imitador dos clássicos gregos e latinos, qualificava o período medieval de “séculos grosseiros”; mais tarde, Voltaire (.†1778) e ainda Anatole France († 1924) mostravam´se diretamente infensos à jovem guerreira de Domrémy. Foi preciso que a opinião pública em geral proferisse um juízo mais objetivo sobre a Idade Média para se pensar em exaltar a figura tão caracteristicamente medieval de Joana d’Arc. Em conclusão: a condenação de Joana d’Arc é fato histórico profundamente doloroso. Jamais, porém, poderá ser considerado fora do contexto do séc. XV, que bem o marca e ilumina. Trata´se de um processo inspirado por interesses políticos e nacionais e justificado perante a opinião pública do séc. XV mediante pretextos religiosos (pretextos que podiam impressionar naquela época). Lamentavelmente houve prelados e clérigos que se prestaram ao papel de juízes de Joana d’Arc. Não procederam, porém, em nome da autoridade suprema da Igreja, mas, sim, por autoridade a eles conferida pelo rei da Inglaterra. Entende´se, pois, que a S. lgreja, de maneira oficial e solene, tenha procedido à reabilitação e canonização de Joana d’Arc.



O Processo de Galileu
Autor: D. Estevão Bitencour
Fonte: Site Cleofas
O Processo de Galileu
D. Estevão Bettencourt,osb
Segue´se famoso caso de história da Igreja, que há de ser entendido dentro do respectivo contexto.
O ambiente religioso e científico dos séculos XVI/XVII
O Humanismo ou Renascimento do século XVI foi afirmando os valores do homem em termos ora mais, ora menos autônomos. No início do século XVII, os sintomas de mentalidade leiga, mesmo atéia, já eram tantos que começaram a inquietar os ânimos tradicionais. Sem dúvida, a ciência progredira muito no século XVI; já se apoiava em observações precisas, levadas a efeito segundo métodos novos, afastando´se assim das conclusões formuladas de antemão, sem muito contato com a realidade concreta, como eram as conclusões da Filosofia e da Fisica medievais. Enfim, a ciência, dotada de instrumentos de trabalho cada vez mais esmerados, tendia a se emancipar da Filosofia e de.qualquer argumento de autoridade (inclusive da fé). A “vertigem da inteligência” ia´se apoderando de alguns pensadores, que de maneira mais ou menos confessada chegavam a lançar um brado de “morte a Deus”; tal é, por exemplo, a exclamação de Campanella (1568´1639), frade que chegou a abandonar momentaneamente a sua profissão religiosa (mas que acabou tranquilamente os seus dias no convento de SaintHonoré em Paris): “Alguns cristãos descobriram a imprensa, Colombo descobriu um novo mundo, Galileu novas estrelas... Acrescentai o uso dos canhões, da bússola, dos moínhos, das armas de fogo e todas essas invenções maravilhosas. os pensadores de ontem eram crianças junto a nós! Nós somos livres!” A humanidade que assim pensava ter atingido a idade de adulto, julgava que, para o futuro, poderia dispenser a “tutela de Deus”. Ao lado dos que nos termos atrás se entusiasmavam por uma ciência quase absoluta, havia os céticos, representados principalmente por Michel de Montaigne (1533´1592), que não menos peridosamente corroíam as tradicionais concepções cristãs. Montaigne peregrinava pelos grandes santuários da Europa, mas, como dizia um seu contemporãneo, o Pe. Garasse S.J., “sufocava suavemente, como que com um cordel de seda, o senso religioso”, mediante as suas proposições ambíguas. Diante dessas novas correntes de pensamento, que atitude tomavam as autoridades eclesiásticas? Nos casos de flagrante impiedade e ateísmo, reagiam fortemente, desconfiando da nova ciência, movidas pelo desejo de preservar a verdade e os valores da cultura (daí a sua reação contra Campanella, Tanini, Teófilo de Viau ...). Quando, porém, a contestação era habilmente dissimulada por seus autores, parece que os eclesiásticos não avaliavam plenamente a gravidade do perigo; Montaigne, por exemplo, submeteu, com todos os sinais de respeito, suas obras aos censores eclesiásticos; estes em resposta delicada Ihe pediram que em consciência tratasse de retocar o que julgasse dever retocar! ... Estas reações são sintomáticas, pois revelam bem um período de transição e incertezas em que os pensadores (tanto os tradicionais como os invasores) ainda não vêem plenamente o significado de valores novos que vão surgindo no cenário da civilização os erros eram bem possiveis, tanto da parte dos inovadores como da parte dos tradicionais, antes de se chegar a justa assimilação dos elementos em causa ou a incorporação dos elementos novos na sintese antiga. Ora foi precisamente num ambiente de certa reação contra a fé, reação encabeçada por uma ciência aparente, que viveu Galileo Galilei (1564´1642). Examinemos agora.
O processo de Galileu
O sistema geocêntrico de Ptolomeu († 150 d.C.) estivera em vigor durante toda a Idade Média, quando em 1543 o cônego Nicolau Copérnico publicou o livro “De revolutionibus orbium caelestium”, em que sugeria outra concepção: a Terra e os demais planetas giram em torno do sol. A obra foi dedicada ao Papa Paulo III, que a aceitou sem contradição. Os doze Pontífices Romanos subseqüentes não se mostraram em absoluto infensos a Copérnico; verdade é que, por falta de provas seguras, ninguém atribuia grande verossimilhança à nova teoria. Quando, porém, Galileu entrou no cenário da história, esta mudou notavelmente de face. Galileu, depois de ter aderido ao sistema ptolomaico, a partir de 1610 professou as idéias de Copérnico, baseadas sobre observações de astronomia recém´realizadas. Com isto mereceu numerosos elogios, principalmente por parte de sábios jesuítas (Clavius, Griemberger e outros), que o aplaudiram como “um dos mais célebres e felizes astrônomos do seu tempo”. Em março de 1611, tendo ido a Roma (era natural de Pisa), lá foi recebido pelo Papa Paulo V em audiência particular: prelados e príncipes pediram´lhe que Ihes explicasse as maravilhas que havia descoberto. O Cardeal Del Monte em carta ao Grão´Duque de Florença atestava: “Galileu convenceu cabalmente da veracidade de suas descobertas todos os sábios de Roma. E, se estivéssemos ainda nos tempos da antiga República Romana, não há dúvida de que, em homenagem às suas obras, Ihe mandariam erguer uma estátua no Capitólio” (Favaro, Le opere di Galilei XI 119). Até essa época Galileu se mantivera exclusivamente no domínão da astronomia. Era inevitável, porém, que entrasse no da Teologia. Com efeito, havia quem, desconfiasse das teses de Galileu e o quisesse impugnar em nome de textos bíblicos, como SI 103,4; Js 10, 12´14; Ecl 1,4´6. Foi o que fez Ludovico delle Colombe. Galileu defendeu´se em carta a seu discípulo Benedetto Castelli O.S.B., fazendo considerações escriturísticas que foram posteriormente ratificadas pelos exegetas e até hoje conservam seu pleno valor na Igreja: A Sagrada Escritura não pode nem mentir nem se enganar. A veracidade das suas palavras é absoluta e Inatacável Aqueles, porém, que a explicam e interpretam, podem´se enganar de diversas maneiras, cometer´se´iam funestos e numerosos erros se se quisesse sempre seguir o sentido literal das palavras; chegaríamos a contradições grosseiras, erros, doutrinas ímpias, porque seriamos forçados a dizer que Deus tem pés, mãos, olhos, etc... Em questões de ciências naturais, a Sagrada Escritura deveria ocupar o último lugar A S. Escritura e a natureza provém ambas da Palavra de Deus; aquela foi inspirada pelo Espirito Santo, esta executa fielmente as leis estabelecidas por Deus. Mas, ao passo que a Bíblia, acomodando´se à compreensão do comum dos homens, fala em muitos casos, e com razão, conforme as aparências, e usa de termos que não são destinados ;a exprimir a verdade absoluta, a natureza se conforma rlgorosa e Invariavelmente às leis que Ihe foram dadas; não se pode, pois, em nome da S. Escritura, pôr em dúvida um resultado manifesto adquirido por maduras observações ou por provas suficientes... O Espirito Santo não quis ensinar´nos se o céu está em movimento ou se é imóvel; se tem forma de globo ou forma de disco; se ele ou a terra se move ou permanece em repouso... Já que o Espirito Santo não intencionou instruir´nos a respeito dessas coisas, porque isto não importava aos seus designãos, que são a salvação das nossas almas, como se pode, agora, pretender que é necessário sustentar nesses assuntos tal ou tal opinião, que uma é de fé e a outra é errônea ? Uma opinião que não diz respeito a salvação da alma, poderá ser herética ?” (Favaro, opere V 279´288). Por mais sábias que fossem as ponderações de Galileu, a muitos católicos pareciam naquela época inovações inspiradas pelo princípio do “livre exame da Biblia” propugnado por Lutero. Foi o que deu novo aspecto ao curso da história, motivando a intervenção do Santo oficio: uma comissão de teólogos, tendo examinado as teses do heliocentrismo de Copérnico, acabou por dar parecer contrário as mesmas aos 24 de fevereiro de 1616; em consequência, o Santo oficio comunicou a Galileu a ordem de “abandonar por inteiro a opinião que pretende que o sol é o centro do mundo e imóvel, e que a terra se move”, assim como lhe proibiu “sustentasse essa opinião como quer que fosse, a ensinasse ou defendesse por palavras ou por escritos, sob pena de ser processado pelo S. oficio” (Favaro, Galilei e Inquisizione 62). O astrônomo aceitou docilmente a intimação. Em consequência, aos 5 de março de 1616 a Congregação do indice condenou as obras que defendiam a doutrina de Copérnico, até que fossem corrigidas, sem mencionar em absoluto o nome de Galileu. o processo do S. oficio fora secreto e o sábio astrônomo voltou para Florença a fim de continuar seus estudos, plenamente prestigiado pela Santa Sé.
Terminou assim a primeira fase da história de Galileu.
Compreende´se, porém, que, continuando a estudar astronomia, o famoso autor não podia deixar de se envolver no novo sistema de Copérnico. Após alguns anos, provocado a se pronunciar sobre o assunto, passou a defender em termos cautelosos o heliocentrismo; em 1623 chegava a propugná´lo no escrito II Saggiatore; este opúsculo, ofertado ao novo Papa, Urbano VIII, amigo pessoal de Galileu (ambos eram poetas), foi aceito e lido com prazer pelo Pontífice. o Cardeal Hohenzollern, por essa ocasião, pediu mesmo a Sua Santidade que se pronunciasse em favor do heliocentrismo; Urbano VIII respondeu que esta doutrina jamais fora condenada como herética e que pessoalmente ele nunca a mandaria condenar, embora a considerasse bastante ousada (esta resposta é de importância, pois sugere que o decreto da Congregagão do índice emanado em 1616 era tido como decreto meramente disciplinar, não como decisão doutrinária). Muito estimulado pelos sucessos, Galileu pôs´se a escrever nova obra em favor do copernicismo: O célebre Diálogo dei due Massimi Sistemi. Tendo´a submetido à censura eclesiástica, esta Ihe concedeu o Imprimatur com a condição de que propusesse o heliocentrismo não como tese certa (os argumentos apresentados ainda não eram tais que fornecessem certeza), mas como hipótese. Galileu, porém, não o fez; em 1632 publicou o livro como estava, incluindo, além do mais, a aprovação dos censores de Roma e Florença! Este gesto causou grande agitação em Roma; o sábio deixava naturalmente de gozar da confiança da autoridade eclesiástica. Chamado perante o Santo ofício, Galileu respondeu insistentemente que em consciência jamais admitira como certo e definitivo o sistema de Copérnico. Já que nada mais se podia apurar, o processo foi encerrado em junho de 1633: O astrônomo teve então que abjurar publicamente o heliocentrismo e foi condenado a prisão branda, onde, com alguns amigos, continuou a se dedicar aos estudos. Morreu finalmente em Florença aos 8 de janeiro de 1642, tendo recebido em seu leito de morte a benção do Sumo Pontífice. Galileu, tido como réu, foi tratado de maneira que, a luz da praxe vigente na época, era notavelmente benigna (foi detido como prisioneiro em palácios de nobres e embaixadores).
Observações complementares



1) A oposição dos teólogos e do Sumo Pontifice é tese de Galileu não compromete a infabilidade do magistério da Igreja, que tem por âmbito tão somente temas de fé e de Moral. ora é certo que o caso Galileu versava sobre assuntos de ordem cientifica, aparentemente associados a autoridade da S. Igreja. Em tal matéria nem o Papa nem os bispos em sua colegialidade têm garantia de infalibilidade. Pergunta´se, porém: como entender tão drástica reação dos homens da Igreja contra Galileu, que objetivamente tinha razão? ´ Na ldade Média e ainda no início da ldade Moderna, a Biblia era o manual utilizado para todos os estudos (psalmos discere, aprender os salmos, significava então aprender a ler”; a alfabetização já era feita com a Bíblia na mão). Era, por conseguinte, a Biblia que os medievais iam pedir um juizo sobre as suas noções de astronomia. ora eis que no início do século XVII, depois de alguns inovadores, apareceu Galileu, que defendia uma tese de astronomia em aparente contradição com a Biblia. Naquela época Galileu só podia apresentar argumentos fracos, ainda sujeitos a discussão científica; apesar de tudo, não cedia as intimações da autoridade, que Ihe pedia que apresentasse as suas idéias como simples hipóteses. Além disto, Galileu intervinha no terreno da exegeses formulando principios para a interpretação da Escritura. ora esse proceder não podia deixar de suscitar suspeita e réplica por parte dos homens da Igreja. Quem lê depoimentos de escritores do século XVII mesmo, pode chegar a conclusão de que, se Galileu tivesse ficado no plano de uma hipótese e não se tivesse explicitamente envolvido em questões de exegese biblica não teria provocado a intervenção do S. ofício. As descobertas da ciência aos poucos deram a ver aos teólogos que a Bíblia não quer ensinar conhecimentos profanos: passaram então a distinguir e aceitar o que no século XVII parecia monstruoso, isto é, dois planos que não se contradizem mutuamente, mas não interferem um no outro: o plano das ciências naturais e o da Bíblia ou da Teologia. A fim de ilustrar quão dificil devia ser a um cristão imbuido da mentalidade dos séculos XVI/XVII admitir o heliocentrismo, seja aqui observada a atitude dos autores protestantes diante do novo sistema; a estes, assim como aos católicos, foi custoso compreender que a Biblia não ensina cosmologia, de modo que durante dois séculos resistiram ao heliocentrismo. Com efeito, Lutero julgava que as idéias de Copérnico eram idéias de louco, que tornavam confusa a astronomia. Melancton, companheiro de Lutero, declarava que tal sistema era fantasmagória e significava a rebordosa das ciências. Kepler (1581´1630), astrônomo protestante contemporâneo de Galileu, teve que deixar a sua terra, o Wurttemberg, por causa de suas idéias copérnicianas. Em 1659, o Superintendente Geral de Wittenberg, Calovius, proclamava altamente que a razão se deve calar quando a Escritura falou; verificava com prazer que os teólogos protestantes, até o último, rejeitavam a teoria de que a Terra se move. Em 1662, a Faculdade de Teologia protestante da Universidade de Estrasburgo afirmou estar o sistema de Copérnico em contradição com a Sagrada Escritura. Em 1679, a Faculdade de Teologia protestante de Upsala (Suécia) condenou Nils Celsius por ter defendido o sistema de Copérnico. Ainda no século XVIII a oposição luterana contra o sistema de Copérnico era forte: em 1744 o pastor Kohlreiff, de Ratzeburg, pregava energicamente que a teoria do heliocentrismo era abominável invenção do diabo.
O que defendia Galileu?
Fonte: Lista Catolica
Tradução: Roberto Cavalcanti
O QUE DEFENDIA GALILEU?
Rogério Sassonia

Parte da resposta a esta questão, e a mais divulgada, é o sistema copernicano. Defender o sistema copernicano significava defender que a Terra não está imóvel, nem no centro do mundo, mas que se move em torno de si mesma e que o Sol é o centro do mundo, e totalmente imóvel de movimento local. Galileu defendia, entretanto, outras idéias, que, analisadas cuidadosamente, não somente revelam marcadamente seu pensamento, como mostram-se determinantes na sua condenação pelo Tribunal do Santo Ofício em 1633.
Pietro Redondi, em seu livro Galileu Herético, mostra que o verdadeiro motivo de sua condenação foram as implicações teológicas de suas idéias a respeito da constituição da matéria.1 Redondi destaca que os trechos da Escritura concernentes ao problema do movimento do Sol não eram nem tão numerosos nem tão importantes, e de resto, nenhum concílio havia jamais estipulado o geocentrismo como verdade de fé. No mais, o Cardeal São Roberto Bellarmino, o mesmo que advertiria Galileu oficialmente no palácio do Vaticano em 1616, numa carta ao padre Foscarini, que publicara uma teoria sobre a concordância entre o heliocentrismo e a Escritura, não rejeita o heliocentrismo, mas, diz que não acreditaria numa demonstração do heliocentrismo, até que esta lhe fosse mostrada:

“Em terceiro lugar, eu digo que se houvesse uma demonstração verdadeira de que o Sol está no centro do Mundo e a Terra no terceiro Céu, e que o Sol não circula a Terra mas a Terra circula o Sol, então, teria-se de proceder com grande cuidado em explicar as Escrituras, na qual aparece o contrário. E diria antes que nós não as entendemos do que, o que é demonstrado é falso. Mas, eu não acreditarei que exista tal demonstração até que esta me seja mostrada”.2 “Uma coisa é provar que se salvam as aparências supondo que o Sol está no centro do Mundo e que a Terra está no Céu; outra coisa é demonstrar que na verdade o Sol está no centro do Mundo e a Terra no Céu. Creio que a primeira demonstração pode ser dada; mas duvido muito da segunda; e, em caso de simples dúvida, vós não deveis abandonar a Escritura tal como ela foi exposta pelos Santos Padres. . .”.3


Como salienta Paolo Rossi, “o sistema copernicano foi muitas vezes apresentado por Galileu como a única alternativa possível ao sistema ptolomaico, não faltam passagens em que os dois sistemas são apresentados como contraditórios: as ‘razões’ que mostram a insustentabilidade do segundo parecem suficientes para confirmar a validade do primeiro”.4 Continuando, Rossi afirma que “a não poucos contemporâneas de Galileu pareceu que as provas e as experiências aduzidas em favor de Copérnico comportassem o necessário abandono da astronomia ptolomaica, mas não eram suficientes para fundamentar a verdade do sistema copernicano. Nesta convicção - além da real ausência de provas 5 - eles eram auxiliados pela existência de um terceiro sistema do mundo (o de Tycho Brahe), que gozou de notável fortuna até a metade do século XVII. O seu sistema geostático (a Lua, o Sol e as estrelas fixas giram em torno da Terra; os cinco planetas giram em torno do Sol) não parecia refutável por observações empíricas; destruía na raiz a crença milenar nas esferas cristalinas e a teoria aristotélica dos cometas; confirmava as vantagens teóricas do copernicanismo ao qual era matematicamente equivalente: parecia excluir todas as ‘dificuldades’ ligadas à tese do movimento da Terra”.6

Destas dificuldades que se opunham a toda hipótese não-geocêntrica comenta também Koyré: “ora, para a física antiga, o movimento circular (de rotação) da Terra, no espaço, se afigura - e devia afigurar-se - como oposto a fatos incontestáveis e em contradição com a experiência cotidiana; em suma, como uma impossibilidade física”.7
Por sua vez, a prudente vigilância das especulações do sistema copernicano pela Igreja fazia-se necessária, dado o significado religioso e mágico que lhe era atribuído pelos filósofos herméticos, como comenta Eliade: “um resultado extremamente surpreendente da pesquisa contemporânea [...] foi a descoberta da função importante que a magia e o esoterismo hermético exercera, não só durante a Renascença italiana, mas também como fator de influência no triunfo da nova astronomia de Copérnico, ou seja, da teoria heliocêntrica do sistema solar. [...] O fato de Giordano Bruno ter recebido entusiasticamente as descobertas de Copérnico não se deveu em primeiro lugar à sua importância científica e filosófica, mas ao fato de ter ele compreendido o profundo significado religioso e mágico do heliocentrismo. Enquanto estava na Inglaterra, Bruno profetizou a volta iminente da religião oculta dos antigos egípcios, conforme expressa em Asclepios, um texto hermético famoso. Bruno se sentia superior a Copérnico, porque, enquanto o último via sua teoria exclusivamente do ponto de vista matemático, o primeiro podia interpretar o diagrama celestial de Copérnico como um hieróglifo dos mistérios divinos”.8
Galileu, por sua vez, desde suas primeiras obras, interessava-se pelas perspectivas renovadoras do atomismo em física. Sua obra Il saggiatore (O ensaiador), publicada no final de 1623, oferecia uma teoria corpuscular de todos os fenômenos perceptíveis, exceto os do som, aos quais estava reservada uma interpretação de caráter ondulatório. Mas, de resto, o mundo dos sentidos era visto como um intenso movimento de partículas de matéria. Galileu formulava a hipótese de uma teoria corpuscular da luz, como ele já havia feito e fazia ainda para a natureza do calor e a estrutura dos sólidos e dos fluidos. O termo filosófico átomos era reservado somente para a luz. O calor e as partículas dos outros elementos, ou dos corpos, eram designados de várias formas: “partículas ígneas”, “minima ígneos”, “minima sutilíssimos”, “minima quant”.
Galileu alinhava-se ao atomismo grego, defendendo uma posição que concorda com o fragmento de Demócrito “por convenção é o doce, por convenção é o frio, por convenção a cor; na realidade, só existem átomos e vazio”. Galileu distinguia entre as “qualidades secundárias”, a saber, cores, odores, sabores, sons etc., que só possuiriam uma existência assegurada pela subjetividade perceptiva, não sendo mais do que “nomes”, e as “qualidades primárias”, a saber, forma, figura, número, contato e movimento...”.9 Segundo, Galileu, a percepção da cor, do odor, do sabor, chamados acidentes da matéria, se daria mediante a aplicação de partículas mínimas “substancias” a nossos sentidos, que, segundo a diversidade dos contatos e das diferentes conformações dessas partículas mínimas, lisas ou rugosas, duras ou macias, e segundo sejam poucas, ou numerosas, nos estimulam e penetram de diversas maneiras.
No século XVII, devido à histórica contestação pela Igreja Católica da heresia nominalista, “cor, odor, e sabor” eram palavras da linguagem teológica e designavam antes de qualquer coisa o milagre eucarístico. Um exemplo da preocupação com relação a explicação dos acidentes eucarísticos pode ser visto numa carta de 1630 de Descartes ao padre Mersenne:
“Creio que vos enviarei esse discurso sobre a luz, assim que estiver pronto, e antes de enviar-vos o resto da Dioptrique: porque querendo aí explicar as cores a minha moda, e em conseqüência estando obrigado a explicar como a brancura do pão permanece no Santo Sacramento, ficarei mais à vontade se ele for examinado por meus amigos, antes que seja visto por todo mundo”.10
Traduzir na gramática da física do Saggiatore o dogma eucarístico significava contradizer o Concílio de Trento que estabeleceu a permanência milagrosa da cor, sabor, odor e dos outros acidentes sensíveis do pão e do vinho após a consagração, que transforma toda a sua substância em Corpo e Sangue de Cristo. Interpretar esses acidentes como quer o Saggiatore, isto é, com as “partículas mínimas” de substância, significava que mesmo após a consagração, seriam partículas da substância do pão eucarístico que produziriam essas sensações. Restariam assim, partículas de substância do pão na Hóstia consagrada, o que é um erro condenado pelo Concílio de Trento.
Por este motivo Galileu foi denunciado. O papa Urbano VIII, para livrar o mais importante cientista católico e seu amigo pessoal de uma condenação por uma heresia grave contra a fé, e evitar, assim, um escândalo maior, criou pessoalmente uma comissão especial para cuidar do caso, medida que até então era tomada somente em casos de excepcional gravidade, mas sobretudo de natureza teológica difícil.
Galileu fora, então, condenado pelo Santo Ofício por heresia inquisitorial, ou seja, disciplinar, não teológica, por haver sustentado e acreditado numa doutrina, após repetidas negações formais perante a autoridade eclesiástica, em outras palavras, Galileu era condenado por alta traição. Por isso, foi condenado à penitência e a prisão perpétua. Por ordem do papa, pode instalar-se na residência do embaixador florentino e, em seguida, cumprir a pena sob a forma de prisão domiciliar em sua casa de Arcetri.
A descoberta de Redondi pode surpreender a mentalidade moderna, afastada de questões teológicas, mas, o que surpreendia, naquela época, era a condenação de Galileu pela teoria do movimento da Terra, como surpreendera Descartes, que expressa sua surpresa numa carta enviada ao padre Mersenne poucos meses depois da condenação:
“foi, em outros tempos [a teoria do movimento da Terra], censurada por algum cardeal, mas me parecia ter ouvido dizer que, posteriormente, não se impedia que ela fosse ensinada publicamente, inclusive em Roma”.11
Na recente tradução para o português do Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo tolemaico e copernicano (GALILEU, 1632) Mariconda apresenta, na nota cinqüenta e sete da Primeira Jornada, argumentos visando refutar Redondi. A saber, que Galileu, na sua obra posterior Discorsi e dimostrazioni matematiche intorno a due nuove scienze (1638), continua sustentando, em particular na Primeira Jornada, uma concepção atomista da constituição da matéria, mas não contém qualquer referência ao copernicanismo ou ao movimento da Terra.12
Primeiramente, é preciso ressaltar que foi exatamente a descontinuidade da teoria atômica apresentada nos Discorsi em relação as obras galileanas anteriores que motivaram Redondi a desenvolver seu trabalho. O que pode ser verificado logo no primeiro capítulo do seu livro, que por isso foi intitulado “substituição de teoria”:
“Também a propósito da mais sutil resolução atômica da matéria luminosa, o Saggiatore mantinha a noção de atomicidade bem próxima de uma idéia materialista. Agora [nos Discorsi] não mais. Mas, como dissemos, no Saggiatore Galileu jogara com cartas abertas e as cartas nem sempre eram boas. Nos Discorsi, ao contrário, ele trocava as cartas na mesa e cortava subitamente as pontes com o que havia de materialismo e de atomismo clássico em sua obra anterior.”13
Redondi apresenta como prova da mudança da teoria apresentada nos Discorsi, a substituição conceptual do termo “’átomo”. “Galileu apresenta uma teoria matemática da matéria. Seus constituintes são “partes sem quantidade”, ou seja, desprovidas de extensão, portanto “indivisíveis”, desprovidas de dimensão e de forma. Ele os chama “átomos sem quantidade”, mas na verdade são pontos matemáticos. Estamos na abstração matemática, não estamos mais no mundo material da física.”14
Outra prova é a correspondência privada de Galileu, na qual ele “dava provas de não querer mais ouvir falar de suas antigas opções filosóficas corpusculares, pronunciando-se em profissões de declarado fenomenismo científico que pareciam não admitir réplicas, mas que deixavam boquiabertos seus interlocutores.”15 Num debate epistolar com Fortunio Liceti, professor de filosofia e medicina na Universidade de Bolonha, Galileu dissocia-se de qualquer interpretação materialista da luz que lhe pudesse outrora ter sido atribuída:

“Admira-me que o senhor afirme, por uma alusão feita pelo filósofo Lagalla, que eu haja considerado a luz como sendo uma coisa material corpórea.”16


Quanto à defesa do copernicanismo nos Discursos o atesta Timpanaro “...os Discursos [Discorsi] não são menos copernicanos do que o Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo [...] E isso porque aprofundam e consolidam aquelas leis da mecânica que Galileu havia usado para rebater e refutar as objeções de tipo precisamente mecânico (como, por exemplo, a queda vertical dos graves) apresentadas contra o copernicanismo.”17

Por tudo isto, longe de ser uma perseguição a uma teoria científica, o caso Galileu mostrou-se uma questão de ortodoxia católica. A Igreja, pelo contrário, muito bem representada pela astronomia jesuítica, dava exemplos de sua despreconceituosa atitude científica, como quando, diferentemente do que pensava Aristóteles, o padre jesuíta Orazio Grassi situou corretamente a posição dos cometas ou, quando reconhecera oficialmente as descobertas do Siderius Nuncius (1610) e das manchas solares.
Agora, esclarecida sua acusação, entende-se porque Galileu teria resmungado a lendária frase que lhe é atribuída no final do seu julgamento “E pur, si muove!”, (E todavia, move-se!).

Referências:
1. REDONDI, P. Galileu Herético. São Paulo, Companhia das Letras, 1991.
2. Carta do Cardeal São Roberto Bellarmino ao padre Foscarini, 12 de abril de 1615. Na Internet: http://galileoandeinstein.physics.virginia.edu/lectures/gal_life.htm
3. Carta do Cardeal São Roberto Bellarmino ao padre Foscarini, 12 de abril de 1615; apud DUHEM, P. Salvar os fenômenos: ensaio sobre a noção de teoria física de Platão a Galileo. Trad. Martins, R. A. Cadernos de História e Filosofia da Ciência. Campinas, Supl. 3, p. 98, 1984. Do original: Essai sur la notion de theorie physique de Platon a Galilée.
4. ROSSI, P. A ciência e a filosofia dos modernos: aspectos da Revolução Científica. São Paulo, Universidade Estadual Paulista, 1992, p. 191.
5. KOYRÉ, A. La révolution astronomique: Copernic, Kepler, Borelli. Paris, Hermann, 1961.
6. ROSSI, P. A ciência e a filosofia dos modernos: aspectos da Revolução Científica. São Paulo, Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992, p. 191-192.
7. KOYRÉ, A. Études d’histoire de la pensée scientifique. Paris, Gallimard, 1973, p. 91; apud ÉVORA, F. R. R. A revolução copernicano-galileana: astronomia e cosmologia pré-galileana. Campinas, Unicamp, p. 54-55.
8. ELIADE, M. Ocultismo, bruxaria e correntes culturais: ensaios em religiões comparadas. Belo Horizonte, Interlivros, 1979, p. 63; apud YATES, Frances A. Giordano Bruno and the hermetic tradition. Chicago, 1964.
9. GALILEI, G. Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano. Tradução, introdução e notas de Pablo Rubén Mariconda, São Paulo, Discurso Editorial, 2001.
10. Carta de Descartes ao padre Mersenne, 25 nov. 1630, A-T, I, p. 177-82, em particular p. 79; apud REDONDI, P. Galileu Herético. São Paulo, Companhia das Letras, 1991, p. 314.
11. ADAM, C.; TANNERY, P. Oeuvres de Descartes. Paris, Librairie Philosophique J. Vrin, 1969, V. 1, p. 271; apud REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: do humanismo a Kant, São Paulo, 1990, V. 2, p. 274.
12. Nota de Pablo Rubén Mariconda na introdução da obra Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano. Trad. Mariconda, P. R. São Paulo, Discurso Editorial, 2001, p. 589. Do original: Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo tolemaico e copernicano.
13. REDONDI, P. Galileu Herético. São Paulo, Companhia das Letras, 1991, p. 27.
14. Ibidem, p. 26.
15. Ibidem, p. 27.
16. Carta de Galileu a F. Liceti, 25 de agosto de 1640; apud REDONDI, P. Galileu Herético. São Paulo, Companhia das Letras, 1991, p. 373.




17. Apud REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: do humanismo a Kant, São Paulo, 1990, V. 2, p. 275.

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