Apologética - Inquisição
O Caso Galileu
Fonte: Lista Exsurge Domini
Autor: Joaquim Blessmann
Transmissão: Jordan Perdigão em 13/Dez/2008
Autor: Joaquim Blessmann
Transmissão: Jordan Perdigão em 13/Dez/2008
Afinal, Galileu foi condenado pela Inquisição por defender que a Terra gira em torno do Sol? Copérnico foi discípulo de Galileu? Galileu morreu queimado na Idade Média? Muitas pessoas acham que conhecem a história do processo de Galileu pela Inquisição, mas conhecem apenas mitos. É preciso inserir-se no contexto em que o caso se desenvolveu para formar uma idéia clara do assunto.
1. O MITO
Três séculos e meio de uma publicidade distorcida e laicista fizeram nascer o mito de que Galileu foi um “mártir da ciência e da liberdade de pensamento e a Igreja a costumeira inimiga da liberdade e do progresso humano”, comenta Cintra1. Também transcrevemos o seguinte trecho, retirado de obra de Massara: “Não se tratou de um conflito entre ciência e religião, entre razão e fé, como uma certa literatura laica, claramente interessada, tem feito crer; mas de uma crise interna do organismo eclesiástico”2. Aliás, essa não é a única distorção histórica; há muitas. Monumental, é por exemplo, aquela que apresenta a Idade Média como uma época de obscurantismo e estagnação, o que não corresponde à realidade. Parece haver uma tendência de cada época a denegrir a que veio imediatamente antes. Pense-se, por exemplo, na Renascença. Ou, atualmente, a atitude de muitos católicos, com suas críticas por vezes contundentes à Igreja de antes do Concílio Vaticano II.
Parece que se baseiam em uma afirmação de Cristo, convenientemente deturpada: “Eu estarei convosco até a consumação dos séculos, porém só a partir do Concílio Vaticano II...”1. O MITO
Três séculos e meio de uma publicidade distorcida e laicista fizeram nascer o mito de que Galileu foi um “mártir da ciência e da liberdade de pensamento e a Igreja a costumeira inimiga da liberdade e do progresso humano”, comenta Cintra1. Também transcrevemos o seguinte trecho, retirado de obra de Massara: “Não se tratou de um conflito entre ciência e religião, entre razão e fé, como uma certa literatura laica, claramente interessada, tem feito crer; mas de uma crise interna do organismo eclesiástico”2. Aliás, essa não é a única distorção histórica; há muitas. Monumental, é por exemplo, aquela que apresenta a Idade Média como uma época de obscurantismo e estagnação, o que não corresponde à realidade. Parece haver uma tendência de cada época a denegrir a que veio imediatamente antes. Pense-se, por exemplo, na Renascença. Ou, atualmente, a atitude de muitos católicos, com suas críticas por vezes contundentes à Igreja de antes do Concílio Vaticano II.
A seguir, reproduziremos afirmações errôneas sobre o caso Galileu, que conseguimos coletar. Algumas delas serão refutadas logo após serem enunciadas. As demais, no decorrer deste trabalho.
– “Galileu foi condenado na Idade Média”. A Idade Média vai até meados do século XV. Ora, Galileu nasceu em 1564, ou seja, cerca de um século após o seu término.
– “Galileu foi condenado por dizer que a Terra era redonda”. Ora, já na antiga Grécia isto era admitido por muitos. Por exemplo, Pitágoras (século VI a.C.) e seus discípulos falavam da esfericidade da Terra, da Lua e do Sol, bem como da rotação da Terra. Na Europa, a esfericidade da Terra já tinha defensores quatro séculos antes de Galileu. Uma prova concreta tinha sido dada pela expedição de circunavegação da Terra, comandada por Fernão de Magalhães, em 1521.
– “Galileu teve Copérnico como discípulo”. Copérnico faleceu em 1543 e Galileu nasceu 21 anos depois, em 1564.
– “Galileu foi o autor da teoria heliocêntrica”. O sistema heliocêntrico deve-se a Aristarco de Samos, no século III a.C., cerca de 1.900 anos antes de Galileu publicar e defender suas concepções astronômicas.
– “Galileu foi condenado porque defendia o sistema heliocêntrico”. Não, ele foi condenado pelo modo como o defendia.
Outras afirmações errôneas, que tentaremos esclarecer neste trabalho, são as seguintes: Galileu foi torturado, cegado, aprisionado numa masmorra, queimado vivo, condenado por heresia, etc.
Se quisermos analisar corretamente, e com a máxima isenção de ânimo possível, fatos ocorridos em outra época, é necessário que nos ponhamos a pensar com a mentalidade, os costumes e, importante, com os conhecimentos e o “senso comum” daquela época. Por isto, o capítulo “O Ambiente”.
2. O AMBIENTE
2.1. A Filosofia
Eram dois os filósofos que preponderavam no pensamento da época: (a) Aristóteles e (b) São Tomás de Aquino.
a) Aristóteles partia da observação dos fatos naturais, e a partir daí raciocinava e chegava a um conjunto de princípios gerais que permitissem a compreensão do mundo material. Adota a astronomia geocêntrica, com a Terra, esférica e imóvel, no centro do universo. No mundo celeste, separado da terra pela esfera lunar, reina a perfeição. Na Terra, a imperfeição, com a geração, alteração e corrupção dos corpos, formados por quatro elementos básicos: terra, água, ar e fogo.
Antes de Galileu, na Idade Média, muitos filósofos e teólogos admitiam as idéias físicoastronômicas de Aristóteles, porém sem vinculá-las diretamente à Filosofia. Infelizmente, os aristotélicos da Renascença confundiram Filosofia e ciência.
b) Na Suma Teológica, São Tomás de Aquino deixa bem claro que a realidade física, o fenômeno observado, é uma coisa; e outra são as teorias científicas que tentam explicá-lo: “Uma teoria deve salvar as aparências sensíveis” (isto é, deve estar de acordo com o que aparece aos sentidos, com a realidade física). “Isto, entretanto, não constitui uma prova suficiente e decisiva, porque talvez pudéssemos salvar as aparências sensíveis com uma teoria diferente e mais simples”.
Em outras palavras, uma teoria científica não pretende corresponder à realidade, mas apenas explicá-la. Exemplifiquemos:
– A teoria do contínuo, na engenharia. Admite-se, na engenharia, que a matéria é contínua, sem falhas, fissuras, vazios, poros, espaços entres cristais ou moléculas. É mais do que evidente que isto não corresponde à realidade. Mas as teorias baseadas neste postulado explicam satisfatoriamente o comportamento dos materiais e facilitam enormemente os cálculos, quer se trate de uma ponte, torre, barragem ou outra estrutura qualquer, quer se trate do movimento e de forças existentes nos líquidos e gases, tais como: sustentação de um avião, bolas com “efeito” (futebol, tênis, etc.) e mesmo no movimento do sangue nas veias e artérias, etc.
– Isaac Newton: “Tudo se passa como se a matéria atraísse a matéria na razão direta das massas e na razão inversa dos quadrados das distâncias” (gravitação universal). Note-se a modéstia do verdadeiro cientista. Não afirma, categórico: “a matéria atrai a matéria ...”, mas, modestamente, sugere que “tudo se passa como se ...”
– Owen Gingerich, astrônomo de Harvard: “Os átomos, como os imaginamos, não podem ser comprovados de um modo absoluto. O máximo que podemos dizer, é que o universo age como se fosse feito de átomos”3. Novamente, um modesto “como se”, indicando que se pretende explicar a realidade, sem a pretensão de afirmar que é assim e não pode ser diferente.
- O mesmo vale para o mundo psíquico: uma teoria pode explicar o comportamento humano, mas nada assegura que ela dê a razão real deste comportamento. E aqui penso nas teorias de Freud e de outros, conflitantes entre elas; cada autor rejeita explicações diferentes da sua, a qual, no seu entender, exprime a própria realidade.
2.2. A Astronomia
2.2. A Astronomia
a) Sistema geocêntrico
É o sistema mais antigo, cuja origem é incerta. Na Antigüidade apresentaram-no, entre outros, Hiparco (190 a 120 a.C.). No século II de nossa era, o grego Cláudio Ptolomeu fez melhoramentos na hipótese de Hiparco, mostrando, por suas observações, que as órbitas dos planetas não podem ser circulares, como queriam Hiparco e Aristóteles, entre outros (o círculo era símbolo da perfeição). A Terra, imóvel, ocupa o centro do universo. Em torno dela giram, na seguinte ordem: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno. Esta concepção perdurou não só na Antigüidade, mas também por toda a Idade Média, em parte pela adesão de Aristóteles ao geocentrismo, em parte pelas objeções postas ao heliocentrismo, como veremos mais adiante.
b) Sistema heliocêntrico
Aristarco de Samos (século III a.C.) foi o primeiro a adotar e ensinar o sistema heliocêntrico. De acordo com Aristarco, o Sol está imóvel no centro do universo, e à sua volta os planetas descrevem órbitas circulares; as estrelas fixas encontram-se numa esfera cristalina. Avaliou que as distâncias entre as estrelas eram extraordinariamente superiores à distância entre Sol e Terra.
Não havia provas convincentes de que a realidade estivesse de acordo com esta teoria, mas ela justificava plenamente a regularidade do movimento dos planetas. Por outro lado, havia argumentos de peso contra ela, baseados nos conhecimentos e no “bom senso” da época, proveniente da observação de fenômenos naturais. O argumento de maior importância (creio que muitas pessoas, mesmo nos tempos atuais, não sabem como o refutar) é o seguinte:
Se a Terra gira em torno do Sol, é necessário que também gire em torno de si, para produzir o dia e a noite. Se ela gira em torno de si, deve haver um movimento relativo terra-ar e, portanto, para quem está parado na superfície da Terra, um vento com a mesma velocidade. Se estou andando a cavalo, pensavam, quanto mais rápido andar o cavalo, mais veloz o vento que sentirei, devido ao movimento relativo cavalo-ar. Se estou parado, não sobre o cavalo, mas sim na superfície da Terra, e ela está “correndo” em sua rotação, deverei sentir um vento correspondente. E qual a velocidade deste vento? Os gregos já tinham feito o cálculo. Mais precisamente, Eratóstenes, medindo a diferença de latitude entre Siena (atualmente, Assuan) e Alexandria, e medindo a distância entre estas duas cidades, determinou a circunferência da Terra, no Equador. Foi concluído que, se a Terra girasse sobre si mesma, a velocidade no Equador seria de cerca de 400 m/s (1.440 km/h). E esta seria a velocidade do vento causado pela rotação da terra, velocidade essa suficiente para destruir florestas, veículos, construções, etc. (Na realidade, a velocidade é ainda maior: 1.670 km/h.) Este vento não existe. Logo: a Terra não pode ter o movimento de rotação requerido pelo sistema heliocêntrico para formar dias e noites.
Outro argumento contra o sistema heliocêntrico exporemos a seguir: Se uma pedra for atirada verticalmente para cima, enquanto ela sobe e desce, a Terra se desloca e a pedra chocar-se-á com o terreno em um ponto afastado do ponto de lançamento. Se, após seu lançamento, a pedra levar dez segundos para chocar-se com o terreno, no Equador ela estaria a quatro quilômetros a oeste de seu ponto de lançamento! Repito o comentário feito acima: hoje em dia, quantos saberão explicar por que isto não acontece?
Por estas e outras dificuldades, a teoria heliocêntrica foi abandonada, voltando a ser apresentada muitos séculos depois por Nicolau Copérnico, nascido em Torun, Polônia, em 14.02.1473, e falecido em Frauenburg, Polônia, em 24.05.1543.Outro argumento contra o sistema heliocêntrico exporemos a seguir: Se uma pedra for atirada verticalmente para cima, enquanto ela sobe e desce, a Terra se desloca e a pedra chocar-se-á com o terreno em um ponto afastado do ponto de lançamento. Se, após seu lançamento, a pedra levar dez segundos para chocar-se com o terreno, no Equador ela estaria a quatro quilômetros a oeste de seu ponto de lançamento! Repito o comentário feito acima: hoje em dia, quantos saberão explicar por que isto não acontece?
Copérnico estudou astronomia e matemática na Universidade de Cracóvia e, por três anos, Direito Canônico em Bolonha, Itália. Também freqüentou as Universidades de Roma, Pádua e Ferrara. Em 1501 aceitou o posto de cônego da Catedral de Frauenburg, cidade onde fez suas observações astronômicas.
Reintroduziu o sistema heliocêntrico de Aristarco, com modificações, em dois trabalhos:
– em 1530: “Comentários sobre as Hipóteses da Constituição do Movimento Celeste”;
– em 1543: “Sobre a Revolução dos Corpos Celestes”.
Este último trabalho foi dedicado ao Papa Paulo III, que aceitou a dedicatória, sem problemas. E, mais ainda, o sistema proposto por Copérnico foi usado pela Igreja para reformar o calendário litúrgico, permitindo prever a data da Páscoa e, a partir dela, as demais datas do ano litúrgico. O sistema geocêntrico de Ptolomeu havia levado a erros cumulativos importantes. Os cálculos para definir as datas litúrgicas foram enormemente simplificados com o sistema heliocêntrico. Estes cálculos foram feitos pelo jesuíta e matemático Cristóvão Clavius.
Segundo Copérnico, o Sol ocupa o centro do sistema planetário. Em torno dele os planetas giram em órbitas circulares, na seguinte ordem: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno.
c) Sistema misto
c) Sistema misto
Proposto por Tycho Brahe (1571-1630), astrônomo dinamarquês. Tornou-se conhecido e admirado pelas medidas precisas que realizou, com instrumentos adequados, construídos por ele mesmo com muita perfeição. O seu sistema é considerado por alguns autores como um sistema “conciliatório”. No centro do universo, a Terra, imóvel. À sua volta giram a Lua e o Sol. Os demais planetas giram em torno do Sol, acompanhando-o em seu movimento em torno da Terra. À distância, a esfera das estrelas.
2.3. Os Eclesiásticos e a Astronomia
Embora a maioria dos eclesiásticos estivesse de acordo com a teoria geocêntrica, havia Cardeais e outros eclesiásticos adeptos do sistema de Copérnico ou defensores de Galileu. Citamos uns poucos4:
– O beneditino Benedetto Castelli diz, referindo-se ao sistema geocêntrico, defendido por Aristóteles: “Aristóteles errou nessa, como em muitas outras coisas”.
– O Cardeal Maffeo Barberini (mais tarde Urbano VIII) opôs-se a que Galileu fosse declarado herético, bem como o Cardeal Luigi Caetani.
– O mesmo Barberini, já eleito papa, declarou ao Cardeal Zoller que a Igreja não tinha condenado, nem estava por condenar, a teoria heliocêntrica como herética, mas apenas como temerária.
– O mesmo Barberini, já eleito papa, declarou ao Cardeal Zoller que a Igreja não tinha condenado, nem estava por condenar, a teoria heliocêntrica como herética, mas apenas como temerária.
– Niccolò Riccardi, Mestre do Sacro Palácio*, estava convencido de que o heliocentrismo não era matéria de fé e de que, de forma alguma, convinha comprometer nele as Escrituras.
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(*) Atualmente, diz-se Teólogo da Casa Pontifícia. É o teólogo pessoal do Papa: revisa os documentos pontifícios e é consultor de diversas comissões do Vaticano. São Domingos foi o primeiro a assumir o posto, em 1218; desde então, o cargo é sempre ocupado por um dominicano.
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(*) Atualmente, diz-se Teólogo da Casa Pontifícia. É o teólogo pessoal do Papa: revisa os documentos pontifícios e é consultor de diversas comissões do Vaticano. São Domingos foi o primeiro a assumir o posto, em 1218; desde então, o cargo é sempre ocupado por um dominicano.
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– Em 1632, na iminência do segundo processo, Castelli professou sua fé copernicana a Vincenzo Maculano, Comissário do Santo Ofício. – Relembramos que o sistema heliocêntrico foi usado para a reforma do calendário litúrgico.
2.4. A Interpretação da Bíblia
Desde os Santos Padres dos primeiros séculos do Cristianismo, já eram conhecidos outros sentidos, além do estritamente literal, ao ser interpretada a Bíblia. Henri de Lubac5 destaca que na exegese medieval se procedia à leitura da Sagrada Escritura segundo os quatro sentidos: literal, histórico, alegórico e moral.
Entretanto, no tempo de Galileu a interpretação da Bíblia era feita de modo mais rígido e, em geral, atendo-se exageradamente ao sentido literal do texto. Como causa principal desse modo de proceder, estava o protestantismo, que, desde o manifesto de Lutero, em 1517, vinha promulgando a livre interpretação da Bíblia. Para evitar os males que estavam sendo causados à fé cristã por este modo de proceder, a Igreja passou a se fixar mais no sentido literal das palavras, enquanto não houvesse motivos fortes que desaconselhassem tal proceder.
Lembramos aqui o princípio da consciência possível, da sociologia: “Todo pensamento é socialmente condicionado e limitado. Devido aos condicionamentos que limitam a visão da realidade, há um limite máximo que o conhecimento ou a compreensão de um indivíduo, um grupo, uma classe social ou toda uma época pode atingir... Outros fatores condicionantes que integram o conceito de consciência possível são a religião, o pensamento científico, as ideologias, as solidariedades étnicas e nacionais, o gosto artístico, etc., que limitam o campo da consciência para toda uma comunidades humana e até mesmo para uma época. Cada época possui paradigmas que condicionam sua cosmovisão científica e sua práxis concreta”6.
Naquela época, com o exíguo desenvolvimento das ciências naturais, as Escrituras eram usadas também para explicações científicas. Sem o conhecimento dos gêneros literários dos antigos orientais, do sentido correto de certas palavras, os teólogos interpretavam a Bíblia literalmente, o que, aliás, é um princípio da hermenêutica: “Não é lícito abandonar o sentido literal de um texto, sem que haja evidentes indícios de que é metafórico”7. Por exemplo, no caso de existirem argumentos de peso a favor de uma hipótese científica.
Além do mais, a interpretação literal de certos trechos da Bíblia (que apontavam para o geocentrismo) estava de acordo com o bom senso geral da época, que via o movimento do Sol e da Lua, bem como com os filósofos aristotélicos e com a quase totalidade dos astrônomos. Antes de Galileu, Aristarco e Copérnico já haviam lançado a hipótese do heliocentrismo, mas sem qualquer argumento convincente. E sem que alguém tivesse refutado o forte argumento contrário à rotação da Terra: “e o vento, senhores, o vento de 1.440 km/h oriundo da rotação da terra?”
Citamos aqui D. Estêvão Bettencourt:
“Para estabelecer a atual teoria planetária, milhares de sábios e estudiosos contribuíram; assim as hipóteses de Copérnico, as medidas científicas de Tycho, as observações de Galileu, as leis formuladas por Kepler... Ainda durante cerca de cem anos depois de Galileu os argumentos antigos em favor do geocentrismo continuaram a ter peso mais forte na opinião pública do que as razões aduzidas por Copérnico e Galileu em favor do heliocentrismo”.
“A fim de ilustrar quão árduo devia ser a um cristão imbuído da mentalidade dos séculos XVI/XVII admitir o heliocentrismo, seja aqui observada a atitude dos autores protestantes diante do novo sistema:
“Lutero (+1546) julgava que as idéias de Copérnico eram idéias de louco, que tornavam confusa a astronomia.
“Melancton, companheiro de Lutero, declarava que tal sistema era fantasmagoria e significava a rebordosa das ciências.
“Kepler (1571-1630), astrônomo protestante contemporâneo de Galileu, teve que deixar sua terra, o Wurttemberg, por causa de suas idéias copernicanas.
“Em 1659, o Superintendente Geral de Wittemberg, Calovius, proclamava altamente que a razão se deve calar quando a Escritura falou; verificava com prazer que os teólogos protestantes, até o último, rejeitavam a teoria de que a Terra se move.
“Em 1662, a Faculdade de Teologia protestante da Universidade de Estrasburgo afirmou estar o sistema de Copérnico em contradição com a Sagrada Escritura.
“Em 1679, a Faculdade de Teologia protestante de Upsala (Suécia) condenou Nils Celsius por ter defendido o sistema de Copérnico.
“Ainda no século XVIII, a oposição luterana contra o sistema de Copérnico era forte: em 1774 o pastor Kohlreiff, de Ratzeburg, pregava energicamente que «a teoria do heliocentrismo era abominável invenção do diabo»”8.
2.5. A Inquisição
2.5. A Inquisição
Só a leitura desta palavra já costuma causar mal-estar, por ser geralmente associada a terror, tortura, fogueira, morte. Nem tanto assim, embora não se possa dizer que a Inquisição tratava de amenidades.
Houve excessos, e graves, principalmente nos países onde o poder civil passou a comandar. Nem tudo é justificável, mesmo sem a intromissão do poder civil, que transformava a Inquisição em um órgão de interesse político, principalmente na Espanha e Portugal, a partir do século XVI. Destacou-se, por sua excessiva severidade, o inquisidor dominicano Tomás de Torquemada.
Entretanto, procuremos entender os fatos e pensar com a mentalidade época, de acordo com o princípio da consciência possível, que comentamos anteriormente. Na época feudal, profano e sagrado eram muito unidos; por assim dizer, as duas faces de uma mesma moeda. Desvios doutrinários afetavam a vida social.
“De certa forma a Inquisição foi a reação de defesa de uma sociedade para a qual a preservação da fé era tão importante como a saúde ou os direitos humanos para a sociedade atual... Embora tenha havido episódios deploráveis, a Inquisição representou um claro progresso com relação aos tribunais e julgamentos da época, como reconhecem muitos juristas atuais: era o tribunal mais justo e brando do seu tempo [o grifo é nosso]. Ela introduziu a justiça regular, evitando que a justiça leiga ou mesmo a revolta popular infligissem os piores castigos aos suspeitos de heresia. Muitas vezes foi a autoridade eclesiástica quem interveio para subtrair à fúria da multidão os que esta considerava heréticos, embora nem sempre conseguisse evitar que condenados à prisão fossem retirados e conduzidos à fogueira pela população furiosa e amotinada, que se queixava da «fraqueza e excessiva brandura» do bispo. Todos esses aspectos ajudamnos a não julgar com tanta severidade instituições de outras épocas e mentalidades, ao mesmo tempo que nos levam a considerar que o nosso tempo também não está isento de coisas piores: guerras, campos de concentração, gulags, racismos, colonialismos, explorações, etc”9.
Outras citações, que confirmam as palavras acima10:
– Revista Crítica Histórica: “Com o passar dos anos e com a multiplicação das pesquisas de arquivo, foram aparecendo cada vez mais elogios à racionalidade dos procedimentos e à brandura dos tribunais da Inquisição, que se revela não mais como uma entidade demoníaca, mas como uma instituição dotada de regras racionais e capaz de moderar o uso da tortura e desencorajar a denúncia e a delação”.
– Luigi Firpo, historiador laicista, com acesso aos tribunais do Santo Ofício: “Compareceram diante daquele tribunal mais delinqüentes comuns, pessoas culpadas de atos que o direito moderno considera crimes, do que acusados de crimes de opinião e paladinos da liberdade de pensamento. As prisões de hoje são verdadeiros infernos se comparadas com as tão difamadas celas da Inquisição. Naturalmente, a Inquisição não era um agradável clube para conversas amenas, mas fornecia garantias jurídicas inexistentes nos tribunais civis daquela época” (O grifo é nosso).
– Gustav Henningsen, historiador dinamarquês: “Ao contrário de todas as instituições da época, a Inquisição não recorria normalmente à tortura”. ... “A Inquisição introduziu um princípio de transparência, de moderação e de direito onde o poder político e o povo queriam proceder à justiça sumária e exemplar”... “A população católica não temia o Santo Ofício, como muitos historiadores quiseram demonstrar. Os inquisidores não era monstros nem torturadores, mas teólogos e juristas respeitados e estimados”.
“Nas igrejas protestantes predominava um zelo intransigente, reforçado pelo fundamentalismo bíblico que as caracterizava”... “Os protestantes criticavam a moderação do Santo Ofício.” Aliás, diga-se de passagem, a Igreja foi responsabilizada por grande parte dos crimes e fogueiras perpetuados pelos protestantes.
– Estêvão Bettencourt: “Mais de uma vez a Santa Sé interveio para moderar o zelo e punir os excessos dos inquisidores. Todo inquisidor que abusasse comprovadamente do seu ministério era deposto do cargo”11.
– Boulanger: “Foi sobretudo na Espanha que a Inquisição deixou as mais profundas e tristes recordações. Instituída no século XIII, segundo as formas canônicas, foi modificada no fim do século XV por Fernando V e Isabel. Sob seu influxo a Inquisição converteu-se, por assim dizer, numa instituição do Estado, onde entrava mais política que religião [...].
“O código penal da Idade Média era em geral muito mais rigoroso que o da Inquisição. As atrocidades (torturas e morte pelo fogo) da legislação criminal da época tinham por finalidade impedir a repetição dos crimes, incutindo o terror com exemplos espantosos àqueles povos difíceis de governar e de costumes violentos”12.
Lembremos, outrossim, que modos de agir de épocas passadas parecem, no presente, atrocidades ou vinganças, mas foram, dentro do ambiente então vigente, melhoramentos para a sociedade, abrandamentos de costumes bárbaros. Por exemplo, a conhecida “lei do talião”, que transportou para o domínio da punição uma exigência de justiça,
graduando a pena de acordo com o dano produzido (“olho por olho, dente por dente”). Antes dela, a vingança dependia da ira do vingador: a um dente arrancado poderia corresponder uma cabeça arrancada...
graduando a pena de acordo com o dano produzido (“olho por olho, dente por dente”). Antes dela, a vingança dependia da ira do vingador: a um dente arrancado poderia corresponder uma cabeça arrancada...
O Index Librorum Prohibitorum era uma lista de publicações que continham doutrinas errôneas, contrárias à fé e à moral cristãs. Por essa razão, as publicações contidas no Index não podiam ser lidas pelos católicos. Houve exageros e excessos de rigor, mas o princípio é perfeitamente válido, e aplicado ainda hoje em dia em muitos países civilizados, nos quais há censura de programas de TV, peças de teatro, publicações, filmes, etc., tendo em vista a salvaguarda de princípios éticos e de respeito a convicções religiosas. Não são, por exemplo, os filmes classificados por idade, para evitar deformações no desenvolvimento psíquico e moral das pessoas?
Porventura deixaria uma mãe veneno ao alcance de seus filhos? Poderia então a Igreja, como mãe que é dos católicos, deixar ao alcance de seus filhos publicações que fossem nocivas à sua saúde espiritual?
Está a maioria da população brasileira, atualmente, satisfeita com a deseducação promovida pela televisão? Não está desprezando e agredindo as mais caras tradições da família brasileira, os bons costumes, a moralidade, os princípios éticos? Não está minando o caráter de nossa juventude? Não se pedem medidas que proíbam programas que levam à dissolução dos valores morais, éticos e religiosos?
Acrescente-se ainda que pessoas de sólida formação espiritual tinham permissão para ler publicações no Index.
Atualmente não temos o Index, mas temos publicações sérias, como Pergunte e Responderemos, que analisam e recomendam ou desaconselham a leitura de certas publicações, as quais nada de útil apresentam e podem causar confusão e desvios de fé e Moral em pessoas com deficiências em sua formação espiritual.
3. OS PROCESSOS
3. OS PROCESSOS
3.1. O primeiro Processo (1616)
Galileu soube de um aparelho inventado pelo holandês Hans Lippershey que permitia ver objetos afastados com nitidez (telescópio). A partir dessas informações construiu um telescópio com melhores características e com ele fez muitas descobertas, tais como:
– as manchas do Sol (que não é, pois, o corpo perfeito descrito por Aristóteles);
– as crateras da Lua (que, portanto, não é a esfera lisa, perfeita, admitida por Aristóteles);
– a Via Láctea é constituída por um grande número de estrelas;
– Júpiter possui Luas (Galileu descobriu quatro), o que demonstrava que a Terra não era o centro de tudo;
– Vênus tem fases como a Lua; pelo que, muito provavelmente, deveria girar em torno do Sol.
Estas descobertas foram publicadas em 1610 e trouxeram uma grande popularidade a Galileu. Entre os que o cumprimentaram e admiravam seu trabalho, estavam Kepler e Clavius.
Por outro lado, os aristotélicos reagiram violentamente, inclusive duvidando da competência de Galileu como pesquisador: manchas solares e relevo da Lua dever-se-iam a sujeira nas Lentes do telescópio; outras descobertas não passariam de ilusões de ótica.
Em 1611, Galileu esteve em Roma e foi muito homenageado por cientistas e nobres. Foi recebido como membro da Accademia dei Lincei, a mais antiga academia científica da Itália. Os jesuítas (muitos dos quais eram professores e astrônomos) dedicaram-lhe uma festa acadêmica no Colégio Romano, com a presença de condes, duques, muitos prelados e alguns Cardeais. O próprio Papa Paulo V concedeu-lhe audiência.
Os problemas começaram com a publicação do livro Trattato contro il moto della Terra (“Tratado contra o movimento da Terra”), do físico e teólogo Ludovico delle Colombe, neste mesmo ano (1611). Ludovico elogiava Galileu, mas citava trechos da Bíblia e argumentos dos Santos Padres para demonstrar a tese geocêntrica. Eis algumas das citações: Fundaste a terra em bases sólidas, que são eternamente inabaláveis (Sal 103,5); Uma geração passa, outra vem; mas a Terra sempre subsiste. O sol se levanta, o sol se põe; apressa-se a voltar ao seu lugar (Ecl 1, 4-5).
Os problemas começaram com a publicação do livro Trattato contro il moto della Terra (“Tratado contra o movimento da Terra”), do físico e teólogo Ludovico delle Colombe, neste mesmo ano (1611). Ludovico elogiava Galileu, mas citava trechos da Bíblia e argumentos dos Santos Padres para demonstrar a tese geocêntrica. Eis algumas das citações: Fundaste a terra em bases sólidas, que são eternamente inabaláveis (Sal 103,5); Uma geração passa, outra vem; mas a Terra sempre subsiste. O sol se levanta, o sol se põe; apressa-se a voltar ao seu lugar (Ecl 1, 4-5).
O problema é que Galileu, em vez de responder com argumentos físicos, usou argumentos bíblicos, citando outro trecho que parece defender a tese contrária: Diante dele estremece a terra inteira (Sal 95,9).
O texto diz:
“Nós, Roberto Cardeal Belarmino, tendo ouvido que é caluniosamente citado que o Senhor Galileu Galilei em nossas mãos abjurou e também foi punido com saudável penitência por isto; e averiguações terem sido feitas no que diz respeito à verdade, dizemos que o dito senhor Galilei não abjurou qualquer opinião ou doutrina dele em nossas mãos nem naquela de qualquer outra pessoa em Roma, muito menos em qualquer outro lugar, no nosso conhecimento; nem ele recebeu penitência de qualquer tipo; mas somente foi dito a ele a decisão feita por Sua Santidade e publicada pela Sagrada Congregação do Índice, na qual é declarado que a doutrina atribuida a Copernicus, de que a Terra se move em torno do Sol e que o Sol está fixo no centro do Universo sem se mover de leste para oeste, é contrária às Santas Escrituras, e por conseguinte não pode ser defendida ou sustentada”.
Essa carta foi utilizada no segundo processo em 1633 (a imagem foi retirada da página do Observatório Nacional).
E assim a disputa, que deveria ser de caráter científico, passou para a exegese e a teologia. Os debates se multiplicaram. O beneditino Castelli defendia a opinião de Galileu. Este escreveu diversas cartas, dirigidas, entre outros, ao próprio Castelli, a Clavius e ao Cardeal Roberto Belarmino (canonizado em 1930), defendendo-se. Da carta a Castelli transcrevemos um trecho, pela posição correta assumida por Galileu, no que diz respeito à interpretação da Bíblia:
E assim a disputa, que deveria ser de caráter científico, passou para a exegese e a teologia. Os debates se multiplicaram. O beneditino Castelli defendia a opinião de Galileu. Este escreveu diversas cartas, dirigidas, entre outros, ao próprio Castelli, a Clavius e ao Cardeal Roberto Belarmino (canonizado em 1930), defendendo-se. Da carta a Castelli transcrevemos um trecho, pela posição correta assumida por Galileu, no que diz respeito à interpretação da Bíblia:
“A Escritura não se engana, mas sim os seus intérpretes e comentadores, de várias maneiras, entre as quais uma gravíssima e freqüentíssima, quando querem fixar-se sempre no puro sentido literal, pois assim aparecerão não só diversas contradições, mas também graves erros e heresias; seria necessário dar a Deus pés e mãos, e olhos, e também coisas corpóreas e humanas, como cólera, arrependimento, ódio, esquecimento do passado e ignorância do futuro. Donde, assim como na Escritura se encontram muitas proposições falsas quanto ao sentido nu das palavras, mas assim postas para se acomodarem ao numeroso vulgo, assim ... é necessário que os sábios comentadores apresentem o verdadeiro sentido”13.
Essa carta foi difundida por meio de cópias, e o dominicano Niccolò Lorini enviou uma delas à Sagrada Congregação do Index (Inquisição Romana). A carta foi examinada, qualificada favoravelmente e o caso encerrado.
Entretanto, Galileu insistia em debater no terreno exegético-escriturístico, abandonando as razões científicas do sistema astronômico que defendia. Queria forçar uma decisão urgente da Sagrada Congregação para que certas passagens da Escritura fossem interpretadas de modo diferente do usual havia séculos.
Foi advertido para que deixasse o lado teológico da questão e usasse apenas argumentos das ciências naturais para justificar o sistema heliocêntrico.
Paolo Antonio Foscarini, carmelita da Calábria, publica em 1615 a sua Lettera sopra l'opinione dei Pitagorici e del Copernico (“Carta sobre a opinião dos pitagóricos e de Copérnico”) em que defende a opinião de Copérnico.
O Cardeal Belarmino recomenda prudência a Galileu e a Foscarini: que não apresentassem o sistema heliocêntrico como verdade definitiva (o que não existe na ciência; nesta, nada é definitivo) e que não forçassem reinterpretações da Sagrada Escritura, enquanto não houvesse provas demonstrativas do novo sistema. Eis trechos de sua carta:
“Uma coisa é sustentar o movimento da Terra e a estabilidade do Sol como hipótese, e isso está muito bem dito e não tem perigo algum..., e é tudo quanto deveria bastar ao matemático”.
E mais adiante, na mesma carta:
“Quando fosse verdadeiramente demonstrado que o Sol está no centro do mundo e a Terra no terceiro céu, e que o Sol não circunda a Terra, mas sim a Terra circunda o Sol, então seria necessário com muitas considerações, pelo contrário, que são coisas que não podemos entender. Por mim, não acreditarei que seja possível tal demonstração, até que me seja apresentada”14.
O fato é que Galileu não dispunha de alguma prova concreta ou convincente. A prova em que insistia, do fluxo e refluxo das marés, estava errada. As marés são causadas pela força gravitacional da Lua e do Sol. Ademais, se fossem causadas pela rotação da Terra, deveria haver só uma maré por dia, e não duas.
Acenou, como prova, para os ventos alísios, mas não pôde quantificar o fenômeno. E aí estava certo, pois o desvio para o Oeste dos ventos que sopram para o Equador em ambos os hemisférios é causado pela rotação da Terra.
Em conclusão: não tinha provas científicas. Como vimos, tentou provar suas idéias por meio da Bíblia. Somente muito mais tarde, em 1851, é que o físico e astrônomo francês Jean Foucault conseguiu provar o movimento de rotação da Terra, com um pêndulo dependurado do teto do Panthéon de Paris, que oscila em um plano fixo enquanto a Terra gira.
Entrementes, o padre dominicano Tommaso Caccini fazia vários ataques aos matemáticos e aos adeptos de Galileu. O primeiro destes ataques aconteceu por ocasião de um sermão sobre o milagre de Josué (em que o Sol teria parado; cf. Js 10, 7-15). Caccini foi chamado a Roma para explicar os ataques a Galileu e aproveitou a ocasião para, junto com outros, pressionar o Santo Ofício, para que Galileu fosse condenado.
Galileu continuou, com seu estilo polêmico, a discutir. Diz a Enciclopédia Mirador Internacional (verbete Galileu) que era “de um estilo de grande vivacidade, freqüentemente irônico e mordaz, pois era um temperamento polêmico”. Eis exemplos (de outras fontes, citadas neste trabalho) de seu estilo de argumentar, nada científico: recorria aos vocábulos “idiotas, bufos, hipócritas, impostores, ignorantes, estúpidos, animais”
Em 24.01.1616, em sessão do Santo Ofício, os consultores apresentam seu parecer sobre a controvérsia. Qualificam duas proposições:
1.º) Sol fixo. É considerada falsa e absurda do ponto de vista filosófico e formalmente herética, por estar em contradição com várias passagens da Sagrada Escritura, de acordo com o sentido literal e a interpretação corrente dos Padres da Igreja.
2.º) Rotação da Terra e translação em torno do Sol. Falsa e absurda, do ponto de vista filosófico, e errônea na fé.
No dia seguinte, há uma reunião dos Cardeais, sob a presidência do Papa Paulo V, para avaliar o parecer dos consultores e pronunciar uma decisão. Foram tomadas duas medidas:
1.º) Cardeal Belarmino é encarregado de, em audiência particular, convencer Galileu a abandonar a teoria copernicana. Galileu nega-se a tal. Recebe, então, de Belarmino, diante de um comissário da Inquisição e de outras pessoas, o preceito formal de não sustentar, ensinar ou defender. Galileu promete obediência. Não houve processo formal, nem sentença, abjuração ou penitência.
2.º) Por decreto da Sagrada Congregação do Index, foram proibidos os livros de Copérnico, de Foscarini e, de forma geral, dos que defendiam o sistema heliocêntrico. Nenhuma referência nem à obra nem ao nome de Galileu.
Observe-se que a obra de Copérnico, já com 80 anos, até então tinha sido deixada pela Igreja Católica à livre discussão, e havia eclesiásticos que a defendiam. E nela baseou-se a reforma do calendário, já referida.
O que provocou, depois de tanto tempo, sua proibição, foi a atitude de Galileu, querendo impor como certa, verdadeira, uma teoria para a qual não tinha provas objetivas. Pelo contrário, insistia em uma prova falsa, a das marés. E jamais ele ou outro contemporâneo conseguiu explicar o paradoxo do vento de 1.440 km/h, na linha do Equador, que “deveria” existir em virtude da rotação da Terra. Galileu, lançado mão de razões exegéticas e insistindo em uma reinterpretação da Bíblia, acabou forçando uma decisão imatura e lamentável da Sagrada Congregação do Index.
É de destacar que, em 11.03.1616, Paulo V recebeu Galileu em audiência particular. Considera-o um verdadeiro filho da Igreja e reconhece a retidão das intenções de Galileu, dizendo-lhe que nada temesse de seus caluniadores.
3.2. O Segundo Processo (1633)
3.2. O Segundo Processo (1633)
Em novembro de 1618 apareceram três cometas na Europa. Foi o estopim para recomeçarem as discussões, com Galileu violento no falar como antes.
Entre 1624 e 1630, Galileu escreve um novo livro, Diálogo sobre os dois Sistemas Máximos de Mundo, o Ptolomaico e o Copernicano. Galileu comunicara ao Papa Urbano VIII que pretendia escrever esse livro. O Papa o apoiara, aconselhando-o, porém, a não entrar em conflito com o Santo Ofício e a tratar o sistema de Copérnico como hipótese. Uma recomendação perfeitamente correta para os dias atuais, pois agora é ponto pacífico que em ciência nada é definitivo.
Em maio de 1630, Galileu vai a Roma para obter o necessário “Imprimatur”. O encarregado de examinar seu livro, Pe. Riccardi, era amigo pessoal de Galileu. Conclui que eram necessárias algumas correções:
1.º) Mudar o título, que era Diálogo sobre as marés, porque destacava muito o único argumento (e errado) de Galileu para provar o sistema copernicano.
2.º) Alterar algumas passagens.
3.º) Alterar o prefácio, de modo a não apresentar o sistema heliocêntrico como verdade segura, mas sim como hipótese.
Diante disso, Galileu resolveu imprimir o livro em Florença. Riccardi concordou, desde que Galileu lhe trouxesse o primeiro exemplar da obra, com as devidas correções, para receber o “Imprimatur”. Galileu argumenta que a epidemia de Peste dificultava a comunicação entre as duas cidades. Mais uma vez, cede Riccardi, concordando com o exame da obra em Florença, bastando enviar a Roma o título e o Prefácio.
Em Florença, Galileu consegue que o revisor seja outro amigo seu, Giacinto Stefani, que foi induzido a pensar que a obra já tinha sido aprovada em Roma. Stefani concedeu a autorização. O título e o prefácio foram enviados para aprovação e o livro foi publicado em 1632.
Quando Riccardi recebeu um exemplar da obra completa, viu com surpresa que, antes da aprovação florentina, figurava a sua. E sem nenhuma correção no corpo do livro: o sistema copernicano era apresentado em toda a obra, exceto no Prefácio, como verdade incontroversa.
Urbano VIII, pressionado pelos inimigos de Galileu, e considerando a desobediência formal à proibição de 1616, passou o assunto à Inquisição.
A comissão encarregada de examinar a obra agrupou a censura em oito pontos, esclarecendo nas conclusões que todos eles podiam ser corrigidos (as marés como falsa prova, apresentar o sistema copernicano apenas como hipótese, etc.). Mas, acrescentava, a desobediência era um agravante bastante sério (o grifo é nosso, pois as
conclusões da comissão mostram que o problema era, basicamente, disciplinar).
conclusões da comissão mostram que o problema era, basicamente, disciplinar).
Galileu, chamado a Roma para julgamento, depois de vários adiamentos (doença, velhice, Peste, inundações, foram os motivos alegados), lá chega em 12.02.1633. Hospedou-se inicialmente no palácio do Embaixador de Florença; depois passou a residir no edifício da Inquisição, em aposentos do Fiscal da Inquisição, “cômodos e abertos” (nada de aprisionamento em masmorras, “a pão e água”, como diz uma das lendas).
Foi submetido a quatro interrogatórios:
– No primeiro negou que houvesse defendido o sistema heliocêntrico em seu livro.
– No segundo, declarou que, relendo o livro, reparara que em alguns trechos o leitor podia realmente pensar que ele defendia tal sistema.
– No terceiro, desculpou-se por desobedecer à proibição de 1616, afirmando que a advertência tinha sido verbal e que não se recordava de uma ordem para ele em particular.
– No quarto e último interrogatório (em 21.06.1633), quando lhe perguntaram solenemente se defendia o sistema copernicano, respondeu negativamente.
No dia seguinte, em Decreto do Santo Ofício, é publicada a sentença, na qual consta: “... é absolvido da suspeição de heresia, desde que abjure, maldiga e deteste ditos erros e heresias...”. Galileu ouviu de pé e com a cabeça descoberta a leitura de sua condenação (três anos de prisão; recitação semanal dos sete salmos penitenciais, por três anos). Depois, de joelhos e com uma mão sobre os Evangelhos, assinou um ato de abjuração, no qual declarava que era “justamente suspeito de heresia”.
Nesta ocasião, Galileu teria exclamado, batendo com o pé no chão: “e pur si muove” (e todavia se move). Lenda inverossímil, dadas as circunstâncias (estava de joelhos). É uma fantasia que apareceu pela primeira vez em 1757 (mais de um século depois), em obra do jornalista italiano Giuseppe Baretti (1719-1789).
Além das penas pessoais, também proibiu-se o livro de Galileu.
Além das penas pessoais, também proibiu-se o livro de Galileu.
No dia seguinte, a sentença é comutada pelo Papa. Galileu vai viver no palácio do Embaixador de Florença e depois passa para a casa do Arcebispo Piccolomini, seu discípulo e admirador, em uma espécie de prisão domiciliar. Foi-lhe permitido voltar a Florença em 10.12.1633, cinco meses e oito dias depois da condenação.
Como se vê, nada de condenação por heresia, torturas, fogueira, etc. É verdade que durante o processo, em virtude de suas evasivas, foi ameaçado de tortura, de acordo com os trâmites processuais. Por outra, a tortura nunca era infligida a pessoas idosas ou enfermas. Galileu estaria isento por ambas as condições.
“Embora reconheçamos que o segundo processo teve, como gravame, a vaidade e a insinceridade de Galileu, devemos todavia lamentar profundamente a primeira condenação de 1616 como inquietante erro judicial, e como abuso de poder diretamente catastrófico em suas conseqüências” [proibição das obras de Copérnico]15.
Em 1637, Galileu fica cego. Em 1638, publica o livro Diálogo das duas novas ciências, que são a Resistência dos Materiais e a Mecânica Racional, básicas para vários ramos da engenharia.
Em 1637, Galileu fica cego. Em 1638, publica o livro Diálogo das duas novas ciências, que são a Resistência dos Materiais e a Mecânica Racional, básicas para vários ramos da engenharia.
Morre em 08.01.1642, assistido por um sacerdote, como bom católico.
4. COMENTÁRIOS
a) Muitos dos comentários a seguir são retirados da obra de Jorge Cintra.
– O episódio de Galileu é lamentável, mas compreensível, se levarmos em consideração o ambiente, costumes e mentalidades vigentes naquela época.
– A imagem Galileu versus Igreja, ou ciência versus Igreja, foi criada por pensadores anticatólicos dos séculos XVIII e XIX, para apresentar a Igreja como inimiga da ciência, do progresso e da razão. Muitos eclesiásticos
estudavam sistematicamente astronomia e vários deles vinham defendendo o sistema heliocêntrico mesmo antes de Galileu, como o próprio Copérnico, que era cônego.
estudavam sistematicamente astronomia e vários deles vinham defendendo o sistema heliocêntrico mesmo antes de Galileu, como o próprio Copérnico, que era cônego.
– A Igreja não queria proibir que se discutisse o sistema de Copérnico, mas apenas solicitava que não fosse apresentado como incontestável, enquanto não houvesse provas decisivas. O argumento das marés, que Galileu apresentou como prova máxima, era falso.
– Aliás, como já tínhamos comentado, pela atual filosofia da ciência, nada é definitivo em ciência; mesmo as teorias mais “badaladas” podem cair. Um exemplo é a famosa teoria do evolucionismo, de Darwin. Pelos conhecimentos atuais, não há “elos perdidos”. O que aconteceu foram mutações fortes, mudanças bruscas que geraram novas espécies, cuja estabilidade está cada vez mais comprovada. Uma espécie aparece “subitamente” e se mantém praticamente inalterada, até desaparecer. Sobre evolucionismo recomendamos a obra de Evolucionismo: mito e realidade, de Jorge Cintra, uma excelente e resumida apresentação do tema16.
Outros exemplos temos na própria astronomia, com as diversas teorias sobre a formação dos planetas, sobre o universo em expansão, em contração, pulsante, etc.
– Parte do acontecido deve-se ao caráter de Galileu, polêmico, ríspido, agressivo, e ao fato de ter difundido prematuramente suas conclusões científicas, sem provas suficientes.
– Houve também um erro grave por parte de representantes da Igreja, que se intrometeram em matéria exclusivamente científica e condenaram um sistema astronômico, no processo de 1616.
b) Do filósofo cético-agnóstico Paul Feyerabend citamos: “No tempo de Galileu, a Igreja se manteve mais fiel à razão do que o próprio Galileu e levou em consideração também as conseqüências éticas e sociais da doutrina de Galileu. O processo contra Galileu era justo e racional”17.
c) Palavras do físico Nicola Cabibbo, presidente do Instituto Nacional de Física Nuclear da Itália: “Se examinarmos o processo, vemos que Galileu não foi condenado pelas suas teses científicas, mas porque tentava fazer teologia. O próprio Galileu afirmava, errando: visto que a Terra gira em torno do Sol, devemos mudar a Sagrada Escritura. Nesse caso, quando Newton descobriu a gravitação universal e Einstein a relatividade, deveríamos ter mudado de novo os textos sagrados”18.
d) Filósofo laico Emanuele Severino, falando sobre a reabilitação de Galileu pela Igreja: “recitando o «mea culpa» sobre Galileu, a Igreja atribui à ciência um valor absoluto justamente hoje, quando a ciência reconhece que não tem verdades absolutas e indiscutíveis. É estranho que não levem em conta as considerações do Cardeal Belarmino, que aconselhou Galileu a expor as suas teorias em forma de hipótese e não de verdades absolutas. A postura de Belarmino era muito mais moderna, com uma consciência crítica do saber científico superior à de Galileu”19.
e) Em 03.07.1981, o Papa João Paulo II nomeou uma comissão de teólogos, cientistas e historiadores, a fim de aprofundarem o exame do caso Galileu. Os resultados foram apresentados após onze anos, em 31.10.1992. Neste mesmo dia, 350.º aniversário da morte de Galileu, realizou-se sessão solene da Pontifícia Academia de Ciências. Do discurso que então proferiu João Paulo II extraímos os seguintes trechos:
“Galileu rejeitou a sugestão de apresentar o sistema de Copérnico como uma hipótese, até ser confirmado por provas irrefutáveis. Tratava-se de uma exigência do método experimental, do qual ele foi o iniciador genial”. (Isto é, Galileu errou em seu próprio terreno).
“O problema que os teólogos da época se puseram era o da compatibilidade do heliocentrismo e da Escritura. A ciência nova, com os seus métodos e a liberdade de investigação que eles supõem, obrigava os teólogos a interrogarem-se sobre os seus próprios critérios de interpretação da Escritura. A maioria não o soube fazer. Paradoxalmente, Galileu, fiel sincero, mostrou-se sobre este ponto mais perspicaz do que os seus adversários teólogos. Se a Escritura não pode errar, escreve ele a Benedetto Castelli (em 1613), alguns dos seus intérpretes e comentaristas o podem e de muitas maneiras. Também é conhecida a sua carta a Cristina de Lorena (em 1615), que é como que um pequeno tratado de hermenêutica bíblica”.
“A maioria dos teólogos não percebia a distinção formal entre a Escritura Sagrada e a sua interpretação, o que os levou a transpor indevidamente para o campo da doutrina da fé uma questão, de fato relevante, da investigação científica.”
“Recordemos a frase célebre atribuída a Baronio: O Espírito Santo quer nos dizer como se vai para o céu; não como vai o céu”. “Belarmino, que tinha percebido o que estava realmente em jogo no debate, considerava que, diante de eventuais provas científicas do movimento orbital da Terra ao redor do Sol, devíamos interpretar, com uma grande circunspeção, toda a passagem da Bíblia que parece afirmar que a Terra é imóvel, e «dizer que não o compreendemos, antes de afirmar que é falso o que se demonstra» (Carta ao Pe. Foscarini, 12.04.1615)”.
f) João Paulo II recordou um fato histórico pouco conhecido: Galileu já tinha sido reabilitado por Bento XIV em 1741, com a concessão do “Imprimatur” à primeira edição das obras completas de Galileu. Em 1757, as obras científicas favoráveis à teoria heliocêntrica foram retiradas do Index de livros proibidos. Em 1822, Pio VII determinou que o “Imprimatur” podia ser dado também aos estudos que apresentavam a teoria copernicana como tese.
f) João Paulo II recordou um fato histórico pouco conhecido: Galileu já tinha sido reabilitado por Bento XIV em 1741, com a concessão do “Imprimatur” à primeira edição das obras completas de Galileu. Em 1757, as obras científicas favoráveis à teoria heliocêntrica foram retiradas do Index de livros proibidos. Em 1822, Pio VII determinou que o “Imprimatur” podia ser dado também aos estudos que apresentavam a teoria copernicana como tese.
g) Destacando alguns pontos do que foi apresentado neste trabalho, diremos que a condenação de Galileu foi devida ao modo como ele defendeu o sistema heliocêntrico. Quis prová-lo com argumentos bíblicos (incidindo no erro que condenava em seus oponentes, ele, o criador da experiência científica), errou no argumento das marés e insistiu na necessidade de uma pronta reinterpretação de certos trechos da Bíblia. A condenação de 1633 deveu-se à desobediência de Galileu ao compromisso assumido em 1616. Neste processo, sim, os representantes da Igreja cometeram um grave erro, opinando em matéria de interesse exclusivo da ciência, ao declararem um sistema astronômico contrário à fé.
Houve acertos de ambos os lados no campo oposto. Galileu com seus comentários sobre a correta interpretação da Bíblia (“um pequeno tratado de hermenêutica bíblica”, no dizer de João Paulo II). Belarmino e outros eclesiásticos apregoando o que hoje é um princípio fundamental da ciência: nela, nada é definitivo (o heliocentrismo devia ser apresentado como hipótese, não como verdade incontestável). Eles tiveram uma concepção dos fundamentos do saber científico superior à de Galileu, cientista renomado e criador da experiência cientificamente conduzida.
NOTAS:
(1) Jorge Pimentel Cintra, Galileu, Quadrante, São Paulo, 1987.
(2) Franco Massara, Os grandes julgamentos da história: Galileu Galilei, Otto Pierre Editores, São Paulo, s.d, pág. 28.
(3) citado por Estêvão Bettencourt, “O caso Galileu Galilei”, Revista Pergunte e Responderemos, Ano XXIV, n.º 267, março-abril 1983, págs. 90-97.
(4) Citações tiradas de: Mário Viganó, “Algumas considerações sobre o caso Galileu”. Cultura e Fé, nº. 32, janeiro-março 1986, pág. 11-26.
(5) Exégèse médiévale, Aubier, Paris, 1962
(6) D. João Evangelista Martins Terra, SJ, O Negro e a Igreja, Loyola, 2ª. ed., São Paulo, 1988.
(7) Estêvão Bettencourt, “História do Cristianismo”. Revista Pergunte e Responderemos, Ano X, n.º 114, junho 1969, págs. 261-272.
(8) Estêvão Bettencourt, “No caso Galileu Galilei: que houve?”. Revista Pergunte e Responderemos, ANO XXI, n.º 250, outubro 1980, págs. 420-428.
(9) Jorge Pimentel Cintra, op. cit.
(10) Citações tiradas de: Antonio Socci, “Iluminados e caçadores de bruxas”. Revista 30 dias, Ano V, n.º 6, junho 1990, págs. 68-71.
(11) Estêvão Bettencourt, “O martelo das feiticeiras”. Revista Pergunte e Responderemos, Ano XXXII, n.º 354, novembro 1991, págs. 495-508.
(12) Boulanger, Manual de Apologética, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, s.d, págs. 515 e 519.
(13) Citado por Franco Massara, op. cit., pág. 111.
(14) Idem, págs. 163 e 165.
(15) Tüchle & Bouman, Nova história da Igreja. III – Reforma e Contra-Reforma, 2ª. ed., Vozes, Petrópolis, 1983.
(16) Sobre evolucionismo recomendamos a obra de Evolucionismo: mito e realidade, de Jorge Cintra (Quadrante, São Paulo, 1988), uma excelente e resumida apresentação do tema.
(17) citado por: Joseph Ratzinger, “O desafio da homologação religiosa”. Revista 30 Dias, Ano V nº. 5, maio 1990, pág. 62-67.
(18) citado por: Lucio Brunelli, “Galileu, o teólogo”. Revista 30 Dias, Ano VI, nº. 10, novembro 1992, pág. 29.
(19) citado por: Antonio Socci, “Academia ou política?”. Revista 30 Dias, Ano VII, nº. 1, janeiro 1993, págs. 32-35.
(20) L’Osservatore Romano, edição portuguesa, nº. 45 (1.098), 08.11.1992, págs. 554-555.
(2) Franco Massara, Os grandes julgamentos da história: Galileu Galilei, Otto Pierre Editores, São Paulo, s.d, pág. 28.
(3) citado por Estêvão Bettencourt, “O caso Galileu Galilei”, Revista Pergunte e Responderemos, Ano XXIV, n.º 267, março-abril 1983, págs. 90-97.
(4) Citações tiradas de: Mário Viganó, “Algumas considerações sobre o caso Galileu”. Cultura e Fé, nº. 32, janeiro-março 1986, pág. 11-26.
(5) Exégèse médiévale, Aubier, Paris, 1962
(6) D. João Evangelista Martins Terra, SJ, O Negro e a Igreja, Loyola, 2ª. ed., São Paulo, 1988.
(7) Estêvão Bettencourt, “História do Cristianismo”. Revista Pergunte e Responderemos, Ano X, n.º 114, junho 1969, págs. 261-272.
(8) Estêvão Bettencourt, “No caso Galileu Galilei: que houve?”. Revista Pergunte e Responderemos, ANO XXI, n.º 250, outubro 1980, págs. 420-428.
(9) Jorge Pimentel Cintra, op. cit.
(10) Citações tiradas de: Antonio Socci, “Iluminados e caçadores de bruxas”. Revista 30 dias, Ano V, n.º 6, junho 1990, págs. 68-71.
(11) Estêvão Bettencourt, “O martelo das feiticeiras”. Revista Pergunte e Responderemos, Ano XXXII, n.º 354, novembro 1991, págs. 495-508.
(12) Boulanger, Manual de Apologética, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, s.d, págs. 515 e 519.
(13) Citado por Franco Massara, op. cit., pág. 111.
(14) Idem, págs. 163 e 165.
(15) Tüchle & Bouman, Nova história da Igreja. III – Reforma e Contra-Reforma, 2ª. ed., Vozes, Petrópolis, 1983.
(16) Sobre evolucionismo recomendamos a obra de Evolucionismo: mito e realidade, de Jorge Cintra (Quadrante, São Paulo, 1988), uma excelente e resumida apresentação do tema.
(17) citado por: Joseph Ratzinger, “O desafio da homologação religiosa”. Revista 30 Dias, Ano V nº. 5, maio 1990, pág. 62-67.
(18) citado por: Lucio Brunelli, “Galileu, o teólogo”. Revista 30 Dias, Ano VI, nº. 10, novembro 1992, pág. 29.
(19) citado por: Antonio Socci, “Academia ou política?”. Revista 30 Dias, Ano VII, nº. 1, janeiro 1993, págs. 32-35.
(20) L’Osservatore Romano, edição portuguesa, nº. 45 (1.098), 08.11.1992, págs. 554-555.
Joaquim Blessmann
Engeheiro Civil, Mestre e Doutor em Ciências pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Professor Emérito da UFRGS. Professor Honorário da Universidade Austral, Buenos Aires. Membro Correspondente da "Academia Nacional de Ingeniería" da Argentina.
Engeheiro Civil, Mestre e Doutor em Ciências pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Professor Emérito da UFRGS. Professor Honorário da Universidade Austral, Buenos Aires. Membro Correspondente da "Academia Nacional de Ingeniería" da Argentina.
O Caso Galileu: 350 anos depois
Fonte: Lista Exsurge Domini
Autor: Mariano Artigas
Transmissão: Augusto César Vieira em 14/Dez/2008
Autor: Mariano Artigas
Transmissão: Augusto César Vieira em 14/Dez/2008
1. Como morreu Galileu?
2. Por que foi condenado?
3. Dúvidas e interpretações
Introdução
O caso Galileu é comumente utilizado para afirmar que a Igreja Católica é inimiga do progresso científico. Por tanto, chama-me a atenção que diversos católicos, inclusive sacerdotes, religiosos e outras pessoas que têm conhecimento teológico, conheçam esse caso de um modo bastante superficial e, por vezes, equivocado.
Há alguns anos, estava em Roma ministrando um curso de doutorado. Em uma aula falei sobre o caso Galileu. Ao concluir, um sacerdote que estava trabalhando em sua tese de doutorado veio falar comigo. Estava muito contrariado e me dizia: “como é possível que eu, sacerdote católico, que passei anos em um Seminário e agora trabalho em minha tese de doutorado em Roma, soube apenas hoje que a Inquisição não matou Galileu?” Tinha toda razão em se sentir desnorteado. Visto que tenho experiências semelhantes com certa freqüência, decidi escrever este artigo, no qual pretendo resumir, brevemente, os aspectos centrais do caso Galileu: o que sabemos com segurança que aconteceu ou não aconteceu, quais temas continuam sendo discutidos, qual é, definitivamente, o estado atual da questão em seus pontos principais.
As causas da ignorância e confusão existentes em torno ao caso Galileu é um tema que mereceria ser estudado. Em parte pode ser devido ao uso demasiado partidarista que muitas vezes se fez neste caso: alguns, desejando atacar a Igreja, acentuaram excessivamente o que lhes interessava ou deformaram os fatos, e outros, ao defender a Igreja, por vezes utilizaram-se de uma apologética demasiado fácil, desconhecendo a complexidade do caso. Atualmente, há muitos estudos rigorosos sobre Galileu, de modo que é possível estabelecer com objetividade o que sabemos e o que desconhecemos. A Igreja católica mostrou, por meio do seu representante maior, o Papa, um desejo claro de esclarecer o tema, e não encontrou inconveniente em reconhecer, sem paliativos, os erros que os seus representantes puderam cometer com Galileu, pedindo inclusive perdão por eles. Parece que estamos em um bom momento para propor um resumo desapaixonado do famoso caso.
1. Como morreu Galileu?
O primeiro ponto que deveria ficar claro é que a Inquisição não matou a Galileu, nem a ninguém. Morreu de morte natural. Galileu nasceu na terça-feira, 15 de fevereiro de 1564 em Pisa, e morreu na quarta-feira, 8 de janeiro de 1642, em sua casa, uma vila em Arcetri nas imediações de Florença. Portanto quando morreu tinha quase 78 anos (é possível encontrar uma diferença de um ano inclusive em documentos oficiais, porque então, em Florença, os anos começavam a contar em 25 de março, data da Encarnação do Senhor). Conta Vicenzo Viviani, um jovem discípulo de Galileu que permaneceu continuamente junto a ele nos últimos trinta meses, que sua saúde estava muito debilitada: tinha uma grave artrite desde os 30 anos e a isto se unia uma irritação constante e quase insuportável nas pálpebras e outros achaques que traz consigo uma idade tão avançada, sobretudo quando consumida em muito estudo e vigília.
Acrescenta que, apesar de tudo, seguia cheio de projetos de trabalho, até que por fim lhe assaltou uma febre que o foi consumindo lentamente e uma forte palpitação, com a qual ao longo de dois meses foi se extenuando cada vez mais, e por fim, uma quarta-feira, 8 de janeiro de 1642, às quatro horas da manhã, morreu com firmeza filosófica e cristã, aos setenta e sete anos de idade, dez meses e vinte dias. Portanto, não existiu a fogueira nem nada parecido.
Tampouco foi condenado à morte. O único processo em que foi condenado ocorreu em 1633, e ali foi condenado à prisão que em vista de suas boas disposições, foi comutada imediatamente por prisão domiciliar, de modo que nunca chegou a ingressar em um cárcere. durante o processo deveria ter estado na prisão da Inquisição, segundo as normas comuns, mas de fato nunca esteve lá: antes de começar o processo se alojou na embaixada de Toscana em Roma, situada no Palazzo Firenze, onde vivia o embaixador; durante o processo foi exigido em alguns momentos que se alojasse no edifício da Inquisição, mas então lhe habilitaram umas estâncias que estavam reservada para os eclesiásticos que trabalhavam ali, permitindo que lhe levassem comida da embaixada Toscana; e ao acabar o processo foi permitido que estivesse alojado na Vila Médici, uma das melhores vilas de Roma, com esplêndidos jardins, propriedade do Grande Duque de Toscana. Tudo isto se explica porque Galileu era oficialmente o primeiro matemático e filósofo do Grande Duque de Toscana, território importante (inclui Florença, Pisa, Livorno, Siena, etc.) e tradicionalmente bem relacionado com a Santa Sé, e as autoridades de Toscana exerceram bons ofícios para que em Roma Galileu fosse tratado o melhor possível, como de fato sucedeu.
O embaixador de Toscana, Francesco Niccolini, apreciava muitíssimo a Galileu, e colocou todos os meios para que sofresse o menos possível com o processo, e para que não fosse preso. Niccolini conseguiu que, ao fim do processo, a pena de prisão que se impôs fosse comutada por confinamento na Vila Médici. Depois de poucos dias foi permitido que se trasladasse a Siena, onde se alojou no palácio do arcebispo, monsenhor Ascanio Piccolomini; este era um grande admirador e amigo de Galileu, e o tratou esplendidamente durante os vários meses em que esteve em sua casa, de modo que ali se recuperou do trauma que sem dúvida, supôs o processo (em 1633, quando ocorreu o processo, Galileu tinha 69 anos). Depois, foi permitido que se trasladasse à casa que tinha fora de Florença, e ali permaneceu até a morte, já velho, de morte natural. Acabou sua obra mais importante, e a publicou, em 1638, depois do processo.
Definitivamente, Galileu não foi condenado à morte, mas a uma prisão que não chegou a se executar porque foi comutada: primeiro, por uma estância de vários dias na Vila Médici, em Roma; depois, por uma estância de vários meses no palácio de seu amigo arcebispo de Siena; e a continuação (fins de 1633), foi-lhe permitido residir, em uma espécie de prisão domiciliar, em sua própria casa, na Vila do Gioiello, em Arcetri, nas imediações de Florença, onde viveu e trabalhou até sua morte.
Galileu nunca foi submetido a tortura ou a maus tratos físicos. Sem dúvida, fazê-lo ir a Roma vindo de Florença para ser julgado, tendo 69 anos, supõe mau trato, e o mesmo se pode dizer da tensão psicológica que teve de suportar durante o processo e na condenação final, seguida de uma abjuração forçada. É certo. Desde o ponto de vista psicológico, com a repercussão que isto pode ter na saúde, Galileu teve que sofrer por estes motivos e, de fato, quando chegou a Siena depois do processo, se encontrava em más condições. Mas é igualmente certo que não foi nenhum objeto dos maus tratos físicos típicos da época. Algum autor afirmou que, durante o processo, ao final, em uma ocasião, foi submetido a tortura; entretanto, autores de todas as tendências estão de acordo, com praticamente unanimidade, que isto realmente não aconteceu.
Na fase conclusiva do processo, em uma ocasião, encontra-se uma ameaça de tortura por parte do tribunal, mas todos os dados disponíveis estão a favor de que se tratou de pura formalidade que, devido aos regulamentos da Inquisição, o tribunal devia mencionar, mas sem intenção de levá-la à prática e sem que, de fato, fosse realizada (consta, além disso, que em Roma não se praticava a tortura com pessoas da idade de Galileu). Depois da condenação, em Siena, Galileu se recuperou. Logo sofreu diversas doenças, mas eram as mesmas que já sofria habitualmente desde muitos anos antes e que foram se agravando com a idade. Chegou a ficar completamente cego, mas nada teve a ver com o processo.
2. Porque Galileu foi condenado?
O que mais chama a atenção não são os maus tratos físicos que como acabamos de ver, não existiram, mas o fato em si mesmo de que Galileu foi condenado, com as tensões e sofrimentos que isto implica. Desde logo, não era homicida, nem ladrão, nem malfeitor em nenhum sentido habitual da palavra. Então, porque foi condenado? Qual foi a condenação?
Costuma-se falar de dois processos contra Galileu: o primeiro em 1616, e o segundo em 1633. Às vezes só se fala do segundo. O motivo é simples: o primeiro processo realmente existiu, porque Galileu foi denunciado à Inquisição romana e o processo foi adiante, mas Galileu não chegou a ser convocado diante do tribunal: o denunciado se inteirou de que existia a denúncia e o processo através de comentários de outras pessoas, mas o tribunal nunca lhe disse nada, nem o convocou, nem o condenou. Por isso com freqüência não se considera que se tratou de um autêntico processo, ainda que de fato a causa se abriu e se desenvolveram algumas diligências processuais durante meses. Ao contrário, o de 1633 foi um processo a toda regra: Galileu foi intimado a comparecer diante do tribunal da Inquisição de Roma, teve que se apresentar e declarar diante desse tribunal, e finalmente foi condenado. Tratam-se de dois processos muito diferentes, separados por muitos anos; mas estão relacionados, porque o que aconteceu no de 1616 condicionou em grande parte o que aconteceu em 1633.
2.1. O processo de 1616
Em 1616 Galileu era acusado de postular o sistema heliocêntrico proposto na Antigüidade pelos pitagóricos e na época moderna por Copérnico: afirmava que a Terra não está quieta no centro do mundo, como geralmente se acreditava, mas que gira sobre si mesma e ao redor do Sol, da mesma forma que os outros planetas do Sistema Solar. Isto parecia ir contra textos da Bíblia onde se diz que a Terra está quieta e o Sol se move, de acordo com a experiência; além disso, a Tradição da Igreja assim havia interpretado a Bíblia durante séculos, e o Concílio de Trento havia insistido em que os católicos não deveriam admitir interpretações da Bíblia que se afastassem das interpretações unânimes dos Santos Padres.
Os acontecimentos de 1616 acabaram com dois atos extra-judiciais. Por um lado, publicou-se um decreto da Congregação do Index, datado de 5 de março de 1616, pelo qual se incluíram no índice de livros proibidos três livros: Sobre as revoluções do cônego polaco Nicolau Copérnico, publicado em 1543, onde se expunha a teoria heliocêntrica de modo científico; um comentário do agostiniano espanhol Diego de Zúñiga, publicado em Toledo em 1584 e em Roma em 1591, onde se interpretava alguma passagem da Bíblia de acordo com o copernicanismo; e um opúsculo do carmelita italiano Paolo Foscarini, publicado em 1615, onde defendia-se que o sistema de Copérnico não está contra a Sagrada Escritura. Ficava afetado pelas mesmas censuras qualquer outro livro que ensinasse as mesmas doutrinas. O motivo que se dava no decreto para essas censuras era de que a doutrina que defende que a Terra se move e o Sol está em repouso é falsa e completamente contrária à Sagrada Escritura. Por outro lado, Galileu foi admoestado pessoalmente para que abandonasse a teoria heliocêntrica e se abstivesse de defendê-la. O opúsculo de Foscarini foi proibido absolutamente.
Ao contrário, os livros de Copérnico e de Zúñiga somente foram suspendidos até que se corrigissem algumas passagens. No caso de Zúñiga, o que deveria se modificar era muito breve. No caso de Copérnico tratavam-se de diversas passagens onde deveria explicar que o heliocentrismo não era uma teoria verdadeira, mas só um artifício útil para os cálculos astronômicos. De fato, essas correções foram preparadas e aprovadas ao fim de quatro anos, em 1620.
Podemos nos perguntar por que se dava tanta importância a algo que, hoje em dia, parece simples: quando a Bíblia fala de questões científicas, com freqüência adota o modo de falar próprio da cultura, da época ou simplesmente da experiência ordinária. De fato este foi um dos argumentos que Galileu utilizou em sua Carta a Benedetto Castelli, que circulou em cópias à mão (Castelli era um beneditino, amigo e discípulo de Galileu, professor de matemática na Universidade de Pisa), e com maior extensão em sua Carta à Grande Duquesa de Toscana, Cristina de Lorena (mãe do que naqueles momentos era Grande Duque de Toscana, Cosme II), a quem havia chegado ecos das acusações bíblicas contra Galileu.
Para compreender o fundo do assunto deve-se mencionar três problemas. Em primeiro lugar, Galileu tinha se tornado célebre com seus descobrimentos astronômicos de 1609-1610. Utilizando o telescópio que ele mesmo contribuiu de modo decisivo para aperfeiçoar, descobriu que a Lua possui irregularidades como a Terra, que ao redor de Júpiter giram quatro satélites, que Vênus apresenta fases como a Lua, que na superfície do Sol existem manchas que mudam de lugar, e que existem muito mais estrelas do que as que se vêem a olho nu. Galileu se baseou nestes descobrimentos para criticar a física aristotélica e apoiar o heliocentrismo copernicano. Os professores aristotélicos, que eram muitos e poderosos, sentiam que os argumentos de Galileu contradiziam sua ciência, e às vezes passavam ridículo. Estes professores atacaram seriamente a Galileu e, quando acabavam-se as respostas, alguns recorreram aos argumentos teológicos (a pretendida contradição entre Copérnico e a Bíblia).
Em segundo lugar, a Igreja católica era naqueles momentos especialmente sensível para com aqueles que interpretavam por sua conta a Bíblia, afastando-se da Tradição, porque o enfrentamento com o protestantismo era muito forte. Galileo se defendeu de quem dizia que o heliocentrismo era contrário à Bíblia explicando por que não era, mas com isto se fazia de teólogo, o que era considerado então como algo perigoso, sobretudo quando, como neste caso, se afastava das interpretações tradicionais. Galileu argumentou bem como teólogo, sublinhando que a Bíblia não pretende nos ensinar ciëncia e se acomoda aos conhecimentos de cada momento, e inclusive mostrou que na Tradição da Igreja se encontravam precedentes que permitiam utilizar argumentos como os que ele propunha. Mas, em uma época de fortes polêmicas teológicas entre católicos e protestantes, estava muito mal visto que um profano pretendesse dar lições aos teólogos, propondo algumas novidades um tanto estranhas.
Em terceiro lugar, a cosmovisão tradicional, que colocava a Terra no centro do mundo, parecia estar de acordo com a experiência ordinária: vemos que se movem o Sol, a Lua, os planetas e as estrelas; ao invés, se a Terra se movesse, deveriam suceder coisas que não sucedem: projétéis atirados para cima cairiam atrás, não se sabe como estariam as nuvens unidas à Terra sem ficar também atrás, se deveria notar um movimento tão rápido.
Além disso, essa cosmovisão tradicional parecia muito mais coerente com a perspectiva cristã de um mundo criado para o homem, e também com a Encarnação e a Redenção da humanidade através de Jesus; de fato, entre aqueles que haviam aceitado as idéias de Copérnico contava-se Giordano Bruno, que defendeu que existem muitos mundos habitados e acabou sustentando doutrinas mais ou menos heréticas (Bruno foi queimado, como conseqüência de sua condenação pela Inquisição romana, em 1600, ainda que deve-se sublinhar, não como desculpa mas para maior claridade, que não era propriamente um cientista, ainda que utilizasse o copernicanismo como ponto de partida).
Os acontecimentos de 1616 culminaram em um decreto da Congregação do Índex, datado de 5 de março de 1616, pelo qual foram proibidos os livros mencionados, com os matizes já apontados. O decreto foi publicado em nome da Congregação, e está assinado pelo cardeal prefeito e pelo secretário da Congregação, não pelo Papa. Desde então, um ato desse tipo era feito com o mandato ou aprovação do Papa e, de algum modo, comprometia a autoridade do Papa, mas de nenhuma maneira pode ser considerado como um ato que se põe em jogo a infalibilidade do Papa: por uma parte, porque nem está assinado pelo Papa e nem mesmo a menciona; por outra, porque trata-se de um ato de governo de uma Congregação, não de um ato de magistério; e além disso, porque não pretende definir uma doutrina de modo definitivo. Isso era perfeitamente sabido então, como agora; como prova disso pode-se mencionar uma carta de Benedetto Castelli a Galileu, escrita em 2 de outubro de 1632, quando já tinha sido ordenado a Galileu que comparecesse perante a Inquisição de Roma.
Castelli falou com o Padre Comissário do Santo Ofício, Vincenzo Maculano, e defendeu a ortodoxia da posição de Copérnico e de Galileu, acrescentando que várias vezes falou de tudo isso com teólogos piedosos e muito inteligentes, e não viram nenhuma dificuldade; acrescenta que o próprio Maculano lhe disse que concordava e que, em sua opinião, a questão não deveria se resolver recorrendo à Sagrada Escritura. É fácil advertir que estas opiniões, tratadas no próprio Comissário do Santo Ofício, não teriam sentido se o decreto do índex de 1616 pudesse ser interpretado como tendo um alcance de magistério infalível ou definitivo.
Nas deliberações da Santa Sede, prévias ao decreto, foram pedidas as opiniões de onze consultores do Santo Ofício, que relataram, em 24 de fevereiro de 1616, que dizer que o Sol está parado no centro do universo é absurdo em filosofia e além disso formalmente herético, porque contradiz muitos lugares da Escritura tal como expõe os Santos Padres e os teólogos, e dizer que a Terra se move é também um absurdo em filosofia e ao menos errôneo na fé. Com freqüência é tomada esta opinião dos teólogos consultores como se fosse ditame da autoridade da Igreja, mas não é: foi somente a opinião dessas pessoas. O único ato público da autoridade da Igreja foi o decreto da Congregação do Índex, e nesse decreto não é dito que a doutrina heliocêntrica seja herética: é dito que é falsa e que se opõe à Sagrada Escritura.
O matiz é importante, e qualquer entendido em teologia o sabia então e o sabe agora. Ninguém considerou, então, nem deveria considerar agora, que o heliocentrismo foi condenado como heresia, porque não é certo. Isto explica que Galileu e outras pessoas igualmente católicas continuaram aceitando o heliocentrismo; Galileu sabia (e estava certo) que ele havia mostrado, em suas cartas a Castelli e a Cristina Lorena, que o heliocentrismo podia ser compatível com a Sagrada Escritura, utilizando princípios que não eram novos, mas que tinham apoio na tradição da Igreja.
A decisão da autoridade da Igreja em 1616 foi equivocada, ainda que não tenha qualificado o heliocentrismo como heresia. Galileu e seus amigos eclesiásticos se propuseram a conseguir que este decreto fosse revogado. Poderiam ter conseguido: trata-se de um decreto disciplinar que ainda que fosse acompanhado por um valor doutrinal, não condenava o heliocentrismo como heresia, nem era um ato de magistério infalível.
A decisão da autoridade da Igreja em 1616 foi equivocada, ainda que não tenha qualificado o heliocentrismo como heresia. Galileu e seus amigos eclesiásticos se propuseram a conseguir que este decreto fosse revogado. Poderiam ter conseguido: trata-se de um decreto disciplinar que ainda que fosse acompanhado por um valor doutrinal, não condenava o heliocentrismo como heresia, nem era um ato de magistério infalível.
Outro aspecto importante a levar em conta é que, ainda que as críticas de Galileu à posição tradicional estavam fundamentadas, nem ele nem ninguém possuíam naqueles momentos argumentos para demonstrar que a Terra se move ao redor do Sol. Esta afirmação parecia mais absurda, tal como a qualificação dos teólogos do Santo Ofício. Em uma famosa carta, o cardeal Roberto Belarmino, um dos teólogos mais influentes então, pedia tanto a Foscarini como a Galileu que utilizassem o heliocentrismo somente como um hipótese astronômica, sem pretender que fosse verdadeira nem entrar em argumentos teológicos, em cujo caso não haveria nenhum problema. Mas Galileu para defender-se de acusações pessoais e para tentar que a Igreja não interviesse no assunto, se lançou a uma defesa forte do copernicanismo, mudando-se para Roma e tentando influenciar nas personalidades eclesiásticas; isto teve talvez um efeito contrário, provocando que a autoridade da Igreja interviesse para frear a propaganda de Galileu que, ao menos em suas críticas, era bastante convincente.
Além do decreto da Congregação do Índex, as autoridades eclesiásticas tomaram outra decisão que afetava pessoalmente a Galileu e que influiu decisivamente em seu processo, 17 anos mais tarde. Em concreto, por ordem do Papa (Paulo V), o cardeal Belarmino citou Galileu (que se encontrava então em Roma, dedicado à propaganda do copernicanismo) e, na residência do cardeal, em 26 de fevereiro de 1616, o admoestou a abandonar a teoria copernicana. O Papa tinha mandado Belarmino a que fizesse essa admoestação, acrescentando que, se Galileu não quisesse abandonar a teoria, o Comissário do Santo Ofício, diante do notário e testemunhas, o ordenasse para que não ensinasse, defendesse nem tratasse essa doutrina, e que se isto fosse negado, o prendesse.
Consta que Belarmino fez a admoestação. Mas entre os documentos que foram conservados existe um que deu espaço a discussões sobre a força e o alcance desse preceito: disse que, em continuação à admoestação de Belarmino, o Padre Comissário do Santo Ofício (o dominicano Michelangelo Seghizzi) transmitiu o preceito mencionado; mas esse documento está sem assinar. Foram dadas interpretações de todo tipo; a mais extrema é que tratasse de um documento falsificado deliberadamente em 1616 ou em 1633 para acabar com Galileu; mas isto parece muito pouco provável. Com os documentos que possuímos, é muito difícil saber exatamente como se desenvolveu o encontro com Belarmino e Galileu, mas está claro que Galileu entendeu perfeitamente, que em diante, não poderia argumentar a favor do copernicanismo, e, com efeito, assim o fez durante anos. Precisamente o processo a que foi submetido 17 anos depois, em 1633, foi motivado porque, aparentemente, Galileu desobedeceu a esse preceito.
2.2. O processo de 1633
Se o decreto da Congregação do Índex em 1616 foi um equívoco, também o foi proibir Galileu de tratar ou defender o copernicanismo. Galileu o sabia. Entretanto, obedeceu. Sempre foi e quis ser um bom católico. Mas sabia que a proibição de 1616 era baseada em um equívoco e queria solucioná-lo. Inclusive advertia do perigo de escândalo que poderia ocasionar essa proibição no futuro, se chegasse a demonstrar com certeza que a Terra gira ao redor do Sol. Seus amigos concordavam com ele.
Em 1623 coincidiram umas circunstâncias que pareciam favorecer uma revisão das decisões de 1616, ou pelo menos tornar possível que se expusesse ainda que fosse com cuidado, os argumentos a favor do copernicanismo. O fator principal foi a eleição como Papa do cardeal Maffeo Barberini, que adotou o nome de Urbano VIII. Era, há muitos anos, um admirador de Galileu, a quem inclusive havia dedicado uma poesia latina em que louvava seus descobrimentos astronômicos. Além disso, desde o primeiro momento teve em postos muita confiança em vários amigos e partidários de Galileu. Em 1624 Galileu foi a Roma e o Papa o recebeu seis vezes, com grande cordialidade.
Mas Galileu comprovou ao sondar sobre o assunto do copernicanismo, que se bem Urbano VIII não o considerava herético (já vimos que nunca foi declarado como tal), o considerava como uma posição doutrinalmente temerária e, além disso, estava convencido de que nunca poderia se demonstrar: dizia que os mesmos efeitos observáveis que se explicam com essa teoria, poderiam ser devidos à outras causas diferentes, pois caso contrário, estaríamos limitando a onipotência de Deus. Tratava-se de um argumento que, aparentemente, tinha muita força, e parecia que quem pretendesse demonstrar que o copernicanismo estava pondo limites à onipotência de Deus.
Apesar de tudo, o humor do novo Papa e a posição estratégica de seus amigos levou Galileu a embarcar em um velho projeto pendente: escrever uma grande obra discutindo o copernicanismo e, desde então, argumentando a seu favor. Simplesmente, a apresentaria como um diálogo entre um partidário do geocentrismo e outro do heliocentrismo, sem deixar resolvida a questão. E acrescentaria o argumento do Papa. Mas o leitor inteligente logo se daria conta de que ele tinha razão.
Além disso, Galileu pensava que dispunha de um argumento novo que demonstrava o movimento da Terra: o argumento das marés. Segundo Galileu, as marés só poderiam ser explicadas supondo o movimento da Terra (e não aceita, como se soasse a astrologia, que se devesse à influência da Lua). Inclusive queria intitular sua obra desse modo, como um tratado sobre as marés, mas o Papa soube que pretendia utilizar este título e, como soava demasiadamente realista (de fato o era), aconselhou colocar outro título que não parecesse uma prova do movimento da Terra (desde então, como sabemos, o argumento das marés estava errado). Galileu mudou o título do livro, que passou a chamar Diálogo em torno dos grandes sistemas do mundo, o ptolomaico e o copernicano. Um título muito acertado devido, em parte, à interferência de um Papa que não queria que se tratasse o movimento da Terra como algo real: mas sem dúvida, essa era a intenção principal de Galileu em sua obra. Galileu estava disposto a conceder tudo o que fosse necessário, com tal de publicar uma obra onde se recorressem os argumentos contra a posição tradicional e a favor do copernicanismo.
Galileu acabou de redigir o Diálogo em 1630, e o levou a Roma para obter a permissão eclesiástica para imprimi-lo. A permissão deveria ser concedida pelo Mestre do Sagrado Palácio, o dominicano Niccolò Riccardi, que não sabia astronomia mas era admirador de Galileu e sempre tinha se mostrado desejoso de ajudá-lo. Agora Riccardi se encontrou em um compromisso. Deu a entender que não haveria problemas, ainda que devesse ajustar uma série de detalhes. Galileu voltou a Florença, a peste causou sérias limitações ao tráfego e correio entre Florença e Roma, e aí começou uma cadeia de equívocos que alargaram a concessão da permissão e deixou Galileu irritado.
Ao fim de um ano, Galileu solicitou e obteve a intervenção do Grande Duque de Toscana e de seu embaixador em Roma para obter a permissão. Riccardi, que também era toscano e era parente da esposa do embaixador, foi submetido a uma pressão muito forte. Finalmente concedeu a permissão para que se imprimisse o livro em Florença, mas com uma série de condições que se fazia saber Galileu e o Inquisidor de Florença. Riccardi sabia o que o Papa pensava: que só se poderia tratar o copernicanismo como uma hipótese matemática, não como uma representação da realidade; as condições e advertências que deu se encaminhavam a garantir, que não estava nada claro na obra de Galileu.
Galileu introduziu a mudança, mas, seguramente, nem todas as que tinha introduzido Riccardi e tivesse desejado o Papa. No livro, Simplício, o personagem que defende a posição tradicional de Aristóteles e Ptolomeu, sempre sai perdendo. Simplício foi um dos mais famosos comentadores antigos de Aristóteles, mas na obra de Galileu dava a impressão de que seus argumentos e sua atitude correspondiam muito bem a seu nome. Por outro lado, o argumento favorito do Papa aparecia no final da obra: depois de ter exposto todos os argumentos físicos e filosóficos, Simplício, precisamente Simplício, utilizava esse argumento, e ainda que Salviati, o defensor de Copérnico (e Galileu) o aprovasse, o final é muito breve e forçado. Para maior confusão, uma introdução aprovada por Riccardi, em que se explicava que essa obra não pretendia estabelecer o copernicanismo como teoria verdadeira, apareceu impressa em um tipo diferente do resto da obra, dando a impressão de uma adição postiça.
O diálogo terminou de ser impresso em Florença em 21 de fevereiro de 1632. Galileu enviou em seguida exemplares por todas as partes, também a seus amigos em outros países da Europa. Ainda havia problemas de comunicação com Roma por causa da peste, de modo que os primeiros exemplares não chagaram a Roma até a metade de maio. Um deles foi entregue ao cardeal Francesco Barberini, sobrinho e mão direita do Papa, a quem Galileu havia ajudado há alguns anos, a conseguir o doutorado, e quem considerava, igualmente ao Papa, como um grande amigo.
Em 1632, a maior preocupação do Papa era precisamente o movimento do Sol e da Terra. Estava em pleno desenrolar a Guerra dos Trinta Anos, que começou em 1618 e não terminou até 1648, que enfrentava toda a Europa em duas metades, os católicos e os protestantes. Naquele momento havia problemas muito complexos, porque a França católica se encontrava mais para o lado dos protestantes da Suécia e Alemanha, enfrentada com outras potências católicas, Espanha e o Império.
Urbano VIII tinha sido cardeal legado em Paris e tendia a alinhar-se com os franceses, temendo, além disso, uma excessiva prepotência dos espanhóis, e tentando não perder a França. Tratava-se de equilíbrios muito difíceis. Os problemas eram graves. Em 8 de março de 1632, em uma reunião de cardeais com o Papa, o cardeal Gaspar Borgia, protetor da Espanha e embaixador do Rei Católico, acusou abertamente ao Papa de não defender como era preciso a causa Católica. Criou-se uma situação extraordinariamente violenta. Nessas condições, Urbano III via-se especialmente obrigado a evitar qualquer coisa que pudesse ser interpretada como não defender a fé católica de modo suficientemente claro.
Precisamente nestas circunstâncias, a metade de maio, começou a chegar a Roma os primeiros exemplares do Diálogo. Em um primeiro momento não aconteceu nada. Mas em dois meses, à metade de julho, se soube que o Papa estava muito enfadado com o livro, que tentava frear sua difusão, e que iria criar uma comissão para estudá-lo e julgá-lo.
A documentação que possuímos não permite saber o que provocou o enfado e a decisão do Papa. Galileu sempre atribuiu a isto a atuação de seus inimigos (que não eram poucos nem pouco influentes), que teriam informado ao Papa de modo tendencioso, predispondo-o contra. Por exemplo, além de denunciar que o livro defendia o copernicanismo, sendo contra o decreto de 1616, teriam colocado em relevo que um dos três personagens, Simplício, que sempre costumava perder, é quem expõe o argumento preferido do Papa sobre a onipotência de Deus e os limites de nossas explicações. Isto poderia parecer uma provocação deliberada, e parece que foi assim interpretado: vários anos depois, Galileu ainda enviava uma mensagem ao Papa, da sua vila de Arcetri, fazendo-se saber que jamais havia passado por sua mente tal coisa. Além disso, como foi assinalado, as circunstâncias pessoais de Urbano VIII naquele momento eram difíceis, e não podia tolerar que se publicasse um livro, que aparecida com a permissão eclesiástica de Roma e de Florença, em que se defendia uma teoria condenada pela Congregação do Índex em 1616 como falsa e contrária a Sagrada Escritura.
O Papa estabeleceu uma comissão para examinar as acusações contra Galileu e julgou que o assunto devia ser enviado ao Santo Ofício (ou Inquisição romana), de onde foi ordenado a Galileu, que vivia em Florença, que se apresentasse em Roma ante esse tribunal durante o mês de outubro de 1632. Depois de tentativas de prorrogação que duraram vários meses, em 30 de dezembro de 1632, o Papa com a Inquisição deu a conhecer que, se Galileu não se apresentasse em Roma, enviaria alguém que se certificasse de sua saúde e se visse que poderia ir a Roma, o levaria preso. O Papa aconselhou seriamente ao Grande Duque que se abstivesse de intervir, porque o assunto era sério. As autoridades toscanas decidiram aconselhar a Galileu que fosse a Roma. O Embaixador Noccolini, que conhecia bem ao Papa e falava com ele com freqüência, advertia que discutir com o Papa e contrariá-lo era o melhor caminho para arruinar a Galileu. Quando o Papa falava com Niccolini do problema causado por Galileu, em várias ocasiões encheu-se de cólera. Todos advertiram Galileu que era melhor ir a Roma e se mostrasse em todo o momento disposto a obedecer no que dissessem, porque se tomasse outra atitude as conseqüências seriam prejudiciais para ele.
Galileu chegou a Roma no domingo dia 13 de fevereiro de 1633, em um liteira facilitada pelo Grande Duque, depois de esperar na fronteira dos Estados Pontifícios por causa da peste que seguia em Florença. O embaixador de Toscana, Francesco Niccolini, se portou maravilhosamente com Galileu, intervindo continuamente em seu favor ante as autoridades de Roma, de acordo com as instruções do Grande Duque, Conseguiram que Galileu não estivesse no cárcere do Santo Ofício, como exigia a norma. Desde sua chegada à Roma até 12 de abril (dois meses), Galileu viveu no Palácio de Florença, onde se encontrava a embaixada de Toscana e a casa do embaixador. As autoridades o recomendaram que evitasse a vida social, de modo que não saía de casa, mas gozava de um tratamento excepcional por parte do embaixador e de sua esposa. Niccolini pedia ao Papa que o assunto fosse o mais breve possível, mas se alongava porque a Inquisição ainda estava deliberando sobre o modo de atuar. Como se descobriu nos arquivos do Santo Ofício o escrito de 1616 em que proibia Galileu de tratar de qualquer modo o copernicanismo, o processo se centrou completamente em uma única acusação: a desobediência desse preceito em 1616.
Galileu foi chamado a depor no Santo Ofício na terça-feira 12 de abril de 1633. Sua defesa pode nos parecer muito estranha: negou que, no Diálogo, defendesse o copernicanismo. Galileu sabia que o Santo Ofício pediu a opinião de três teólogos a respeito e que, em 17 de abril, os três informes concluíam sem lugar a dúvidas (como de fato assim o era) que Galileu, em seu livro, defendia o copernicanismo; neste caso, os teólogos tinham razão. Isto complicava a situação, pois um acusado que não reconhecia um erro comprovado devia ser tratado muito severamente pelo tribunal. Por outro lado, Galileu se defendeu mostrando uma carta que, a seu pedido, o cardeal Balarmino tinha escrito depois dos acontecimentos de 1616, para que pudesse se defender frente àqueles que o caluniavam; nesse escrito, Belarmino dava fé de que Galileu não teve que abjurar de nada e que simplesmente tinha sido notificada a proibição da Congregação do Índex. Mas isso podia ser interpretado também contra Galileu se fosse mostrado, como era o caso, que em seu livro argumentava a favor da doutrina condenada em 1616. O tribunal centrou-se em matizes da proibição feita a Galileu em 1616, que Galileu dizia não se lembrar, porque tinha conservado o documento de Balarmino e aí não se incluíam esses matizes. Desafortunadamente, Balarmino havia morrido e não podia esclarecer a situação.
Estes dias Galileu seguia no Santo Ofício, ainda que tampouco tivesse estado na prisão. Por deferência com o Grande Duque de Toscana e frente à insistência o embaixador, Galileu foi instalado nas habitações do fiscal da Inquisição, traziam-lhe comidas da embaixada de Toscana, e podia passear. Esteve ali desde a terça-feira 12 de abril até o sábado 30 de abril: 17 dias completos.
Para desbloquear a situação, o Padre Comissário propôs aos Cardeais do Santo Ofício algo insólito: visitar Galileu em suas estalagens e tentar convencê-lo a reconhecer seu erro. Conseguiu depois de uma longa conversa com Galileu em 27 de abril. No dia seguinte, sem comunicar a ninguém mais, escreveu o que tinha feito e o resultado ao cardeal sobrinho do Papa, que se encontrava nestes dias em Castelgandolfo com o Papa; através dessa carta se vê claramente que esta atuação estava aprovada pelo Papa: desse modo, o tribunal poderia salvar sua honra condenando a Galileu, e logo poderia usar clemência com Galileu deixando-o recluso em sua casa, tal como ( disse o Padre Comissário) sugeriu Vossa Excelência (o cardeal Francesco Barberini).
Com efeito, no sábado 30 de abril Galileu reconheceu perante o tribunal que, ao voltar a ler agora seu livro, que tinha acabado há muito tempo, se dava conta de que, devido não a má fé, mas a vanglória e ao desejo de se mostrar mais engenhoso que o resto dos mortais, tinha exposto os argumentos a favor do copernicanismo com uma força que ele mesmo não acreditava que tivesse. A partir daí, as coisas se desenrolaram como o Comissário tinha previsto. Esse mesmo dia foi permitido a Galileu voltar ao Palácio de Florença, à casa do embaixador. Na terça-feira 10 de maio foi chamado ao Santo Ofício para que apresentasse sua defesa; apresentou o original da carta do cardeal Belarmino, e reiterou que tinha atuado com reta intenção. Continuava fechado no palazzo Firenze; o embaixador conseguiu que lhe permitisse a passear na Vila Médici, e inclusive em Castelgangolfo, porque lhe causava mal não fazer nenhum tipo de exercício. Entretanto, a peste continuava açoitando Florença, em alguma carta o diziam que, no meio de sua desgraça, era uma sorte que não estivesse então em Florença.
Na quinta-feira 16 de junho, a Congregação do Santo Ofício tinha, a cada semana, sua reunião com o Papa. Nesta ocasião celebrou-se no palácio do Quirinal. Estavam presentes 6 dos 10 Cardeais da Inquisição, além do Comissário e do Assessor (nos interrogatórios e, em geral, em todas as sessões que foram mencionadas até agora, não estavam presentes os Cardeais: estavam os oficiais do Santo Ofício que transmitiam as atas à Congregação dos Cardeais, e estes, com o Papa, tomavam as decisões). Esse dia o Papa decidiu que Galileu fosse examinado sobre sua intenção com ameaça de tortura (neste caso tratava-se de uma ameaça puramente formal, já que se sabia de antemão que não se realizaria). Depois, Galileu devia abjurar da suspeita de heresia perante a Congregação em pleno. Seria condenado à prisão ao arbítrio da Congregação, seria proibido que no futuro tratasse de qualquer modo o tema do movimento da Terra, seria proibido o Diálogo. Também seria enviada uma cópia da sentença aos núncios inquisidores, sobretudo ao de Florença, para que a lesse publicamente em uma reunião na qual procuraria que se encontrassem os professores de matemática e filosofia. O Papa comunicou esta decisão ao embaixador Niccolini em 19 de junho. Niccolini pediu clemência, e o Papa, manifestando algo que, como se apontou, estava já decidido de antemão, lhe respondeu que, depois da sentença, voltaria a ver o embaixador para ver como se poderia arrumar para que Galileu não estivesse na prisão. De acordo com o Papa, Niccolini comunicou a Galileu que a causa seria terminada em seguida e o livro proibido sem dizer-lhe nada sobre o que tocava a sua pessoa, para não causar-lhe mais aflição.
Desde a terça-feira 21 de junho até sexta-feira 24 de junho, Galileu esteve de novo no Santo Ofício. Na quarta-feira dia 22, Galileu foi levado ao convento de Santa Maria sopra Minerva; foi lida a sentença (assinada por 7 dos 10 Cardeais do Santo Ofício) e abjurou de sua opinião sobre o movimento da Terra diante da Congregação. Foi, para Galileu, o mais desagradável de todo o processo, porque afetava diretamente a sua pessoa e se desenvolveu um público de modo humilhante. Na quinta-feira o Papa, com a Congregação do Santo Ofício reunida no Quirinal, concedeu a Galileu a prisão fosse comutada por arresto na Vila Médici, aonde se trasladou na sexta-feira dia 24. Na quinta-feira dia 30 foi permitido a Galileu abandonar Roma e trasladar-se a Siena, na Toscana, ao palácio do arcebispo. Galileu deixou Roma na quarta-feira 6 de julho e chegou a Siena no sábado 9 de julho. Tinha acabado o pesadelo romano.
A sentença da Inquisição começa com os nomes dos 10 cardeais da Inquisição, e acaba com as assinaturas de 7 deles. O Papa, junto com a Congregação, decidiu que Galileu fosse condenado e que abjurasse de sua opinião, mas no texto da sentença não aparece em nenhum momento citado o Papa; portanto, esse documento não pode ser considerado como um ato de magistério pontifício, e menos ainda como um ato de magistério infalível nem definitivo. No texto da abjuração se lê - maldigo e detesto os mencionados erros e heresias - ; mas não se trata de uma doutrina definida como heresia pelo magistério da Igreja: no texto da abjuração se diz, como assim é, que essa doutrina foi declarada contrária à Sagrada Escritura, e, como sabemos, esta declaração se fez mediante um decreto da Congregação do Índex, que não constituiu um ato de magistério infalível nem definitivo.
O Arcebispo de Siena, Ascanio Piccolomini, era um antigo discípulo, admirador e grande amigo de Galileu. Tinha se oferecido várias vezes para se alojar em sua casa, tendo em conta, além disso, que estava relativamente perto de Florença e que em Florença ainda existiam vestígios da peste. Em Siena, Galileu foi tratado esplendidamente e se recuperou da tensão dos meses precedentes. A pedido do Grande Duque de Toscana, o Papa, junto com o Santo Ofício, concedeu em 1 de dezembro de 1633 que Galileu pudesse voltar a sua casa nas imediações de Florença, na Vila do Gioiello, contanto que permanecesse como em prisão domiciliar, sem sair daí nem ter uma vida social. Consta que em 17 de dezembro Galileu já estava em sua casa, e ali continuou até sua morte em 1642.
Em Arcetri Galileu continuou trabalhando. Ali acabou seus Discursos e demonstrações em torno de novas ciências, obra que publicou em 1638 na Holanda. Trata-se de sua obra mais importante, onde expõe os fundamentos da nova ciência da mecânica, que se desenvolverá neste século até alcançar 50 anos mais tarde, com os Princípios matemáticos da filosofia natural de Newton, obra publicada em 1687, a formulação que marca o nascimento definitivo da ciência experimental moderna.
3. PERGUNTAS E INTERPRETAÇÕES
Até aqui tentei expor os dados básicos do processo de Galileu. A partir deste momento me ocuparei da valorização desses dados. Dada a perspectiva que adotei, somente aludirei brevemente a alguns aspectos que considero especialmente interessantes.
Em primeiro lugar, podemos dizer que sabemos o fundamental sobre processo de Galileu? É possível que existam dados importantes desconhecidos? A resposta é que os documentos que se conservam permitem reconstruir quase todos os aspectos do processo com grande segurança. Possuímos os interrogatórios e declarações de Galileu em sua totalidade, assim como as decisões do Papa e da Congregação do Santo Ofício. Neste terreno, não é plausível que apareçam novos documentos que afetem substancialmente o que já sabemos. Seguramente existem buracos, um deles, bastante importante, se refere aos acontecimentos do verão de 1632, desde que o Diálogo chegou a Roma até que o Papa convocasse a congregação de teólogos para decidir o que fazer. Quem e como informou ao Papa? Galileu sempre considerou seu processo como conseqüência das informações tendenciosas de seus inimigos. É possível que existam documentos sobre esses acontecimentos, cujo conhecimento permitiria compreender melhor porque se desenrolaram do modo que o fizeram. Poderíamos saber, talvez, até que ponto as coisas poderiam ter acontecido de outra maneira. De todos os modos, isso não mudaria os fatos já conhecidos, entre os quais se conta que Galileu levou adiante, durante anos, seu programa copernicano, ainda que exteriormente parecesse ter renunciado a ele, e que Urbano VIII ficou muito afetado quando notou que seu admirado amigo estava, na realidade, fazendo um jogo diferente do que ele pensava.
Isto não significa que Galileu mentisse deliberadamente. Mas não há dúvida de que considerou o copernicanismo como uma teoria verdadeira, também depois do processo. Em sua carta a Cristina de Lorena explicou amplamente como se poderia solucionar a aparente contradição entre o copernicanismo e a Bíblia; tinha razão e o sabia: por este motivo podia admitir, com consciência tranqüila, o copernicanismo, inclusive depois das condenações de 1616 e 1633. O mesmo acontecia com seus amigos e com outras pessoas suficientemente informadas. O que nos leva a perguntar por que as autoridades eclesiásticas condenaram uma teoria que, se bem não estava completamente demonstrada naquele momento, podia demonstrar-se e, de fato, recebeu novas confirmações nos anos seguintes.
Para responder a essa pergunta devemos considerar que a ciência experimental moderna, tal como a conhecemos agora, estava nascendo e se encontrava ainda em um estado embrionário. Precisamente foi Galileu um de seus pais fundadores. Mas o Galileu que viam as autoridades era muito diferente do que vemos agora, à luz do desenvolvimento da física durante quase quatro séculos. Galileu havia realizado descobrimentos astronômicos importantes e tinha sido reconhecido. Mas não podia provar o movimento da Terra. A ciência moderna praticamente não existia: as contribuições mais importantes de Galileu a essa ciência foram publicadas, nos Discursos, depois do processo.
Os eclesiásticos (Belarmino, Urbano VIII e muitos outros), assim como a maioria dos professores universitários, pensavam que o movimento da Terra era um absurdo, porque contradiz muitas experiências certas e, se existisse, deveria ter conseqüências que de fato não se observavam. Não era fácil levar a sério o copernicanismo. Os teólogos que valorizaram em 1616 o repouso do Sol e o movimento da Terra disseram, em primeiro lugar, que ambos eram absurdos de filosofia e, além disso, pareciam contrários à Bíblia. Belarmino, e outros eclesiásticos, notaram que caso se chegasse a demonstrar o movimento da Terra, uma série de passagens bíblicas deveriam ser interpretadas de modo não literal; sabiam que isso poderia ser feito, mas pensavam que o movimento da Terra nunca seria demonstrado e que era absurdo. Isto não justifica toda sua atuação, mas permite situá-la em seu contexto histórico real e torná-la compreensível.
O processo de Galileu não deve ser entendido como um enfrentamento entre ciência e religião. Galileu sempre se considerou católico e tentou mostrar que o copernicanismo não se opunha à doutrina católica. Por sua vez, os eclesiásticos não se opunham ao progresso da ciência; durante sua viagem a Roma em 1611, foi tributada a Galileu uma grande homenagem pública em um ato celebrado no Colégio Romano dos jesuítas, por suas descobertas astronômicas. O problema é que não consideravam que o movimento da Terra fosse uma verdade científica, e inclusive alguns (entre eles, o Papa Urbano VIII) estavam convencidos de que nunca poderia ser demonstrado.
Os inimigos de Galileu desempenharam, provavelmente, um papel importante para desencadear o processo. O temperamento muito vivo de Galileu não contribuía para apaziguar as numerosas disputas que originou seu trabalho desde 1610. Além disso, ele mesmo procurou inimizades de modo desnecessário, de tal modo que, quando o Diálogo foi publicado em 1632, é fácil imaginar que seus inimigos em Roma puderam apresentar ao Papa as coisas de tal maneira que, tendo em conta as difíceis circunstâncias pelas que atravessava Urbano VIII, este se considerou ofendido por Galileu e viu ser necessário intervir com força. O temperamento de Urbano VIII também desempenhou um papel: tinha um caráter forte e pensou que Galileu tinha traído sua amizade sincera; repetiu várias vezes ao embaixador Niccolini que Galileu havia caçoado dele. Consta que, ao falar deste tema com Niccolini, Urbano VIII se encolerizava. Galileu certamente não pretendeu, de modo algum, caçoar do Papa, mas é provável que os inimigos de Galileu, no verão de 1632, convenceram ao Papa do contrário, e que isto influíra seriamente no desenvolvimento dos acontecimentos.
Não se deve pensar somente em inimigos pessoais de Galileu.
O movimento da Terra podia facilmente ser visto como causa de dificuldades importantes para o cristianismo. Se a Terra se transformasse em um planeta a mais, e se existissem muitas mais estrelas das que se vêem a olho nu, não poderia isto ser interpretado na linha de Giordano Bruno, que afirmou que existem muitos mundos como o nosso, com suas estrelas e planetas habitados? Nesse caso, que significado teria a Encarnação e a Redenção de Jesus Cristo? O que aconteceria com a salvação de possíveis seres inteligentes que poderiam viver em outros lugares do universo? São perguntas que, na atualidade, se propõem ainda com mais força do que então, frente à possibilidade, remota mas real, de se chegar a saber que existe vida em outros lugares do universo.
Em realidade, não é difícil perceber que a revelação cristã se refere diretamente ao que acontece conosco e, portanto, não há dificuldade em princípio para integrar dentro dela outros seres inteligentes. Além disso, a Igreja ensina que os frutos da Redenção se aplicam também a pessoas que viveram antes da Encarnação, ou que vivem depois dela e não conhecem, sem culpa sua, a verdade do cristianismo. Mas se compreende que estes problemas puderam influir naquele momento. A associação do copernicanismo com Bruno não podia favorecer a Galileu. Pode-se recordar que duas pessoas chaves na condenação do copernicanismo em 1616 foram o Papa Paulo V e o cardeal Belarmino; ambos eram Cardeais da Inquisição quando, em 1600, o processo de Bruno chegou a seu fim, e pode se supor que, ao pensar em copernicanismo, o veriam, por assim dizer, associados aos erros teológicos de Bruno.
O movimento da Terra parecia afetar ao cristianismo desde outro ponto de vista. O Diálogo de Galileu continha críticas muito fortes contra a filosofia de Aristóteles, que se vinha usando, ao menos desde o século XIII, como auxílio para a teologia. Nesta filosofia se admitia, por exemplo, que no mundo existe finalidade, e que as qualidades sensíveis existem objetivamente e são base do conhecimento humano. Estas idéias pareciam se arruinar com a nova filosofia matemática e mecanicista de Galileu. A nova ciência nascia em polêmica com a filosofia natural antiga, e não parecia poder preencher o buraco que esta deixava. Ainda que as críticas de Galileu ao aristotelismo se reduzissem a aspectos concretos da física que, certamente, deviam ser abandonados, parecia que a nova ciência pretendia jogar fora, como se costuma dizer, a criança junto com a banheira.
Este problema segue sendo atual. Inclusive pode-se dizer que o progresso científico dos últimos séculos o tornou cada vez mais agudo. São muitas as vozes que pedem um sério esforço para integrar o progresso científico dentro de uma visão mais ampla que inclua as dimensões metafísicas e éticas da vida humana. Neste sentido, os que viam na nova ciência uma fonte de dificuldades não estavam completamente errados. Obviamente, o problema não é a ciência em si mesma, cuja legitimidade seria absurdo duvidar. O progresso científico é ambivalente e o fato de que possa ser mal utilizado mal não significa que deva castigar a ciência simplesmente ressaltando que, no fundo do caso Galileu, encontram-se alguns problemas que são reais, continuam sendo atuais, e ainda esperam uma solução. Qual o alcance do conhecimento científico é um desses problemas.
Consta que houve uma tentativa de denunciar Galileu perante a Santa Sé por sua filosofia atomista, exposta brevemente em sua obra, de 1623, Il Saggiatore, argumentando que Galileu negava a objetividade das qualidades sensíveis (cores, odores, sabores) e que isto contradiz a doutrina do Concílio Trento sobre a Eucaristia, segundo a qual, depois da consagração, encontram-se as espécies sacramentais (acidentes do pão, como por exemplo as qualidades sensíveis) sem seu sujeito natural. Chegou-se a dizer que o motivo mais profundo da acusação contra Galileu em 1632 era este, e que o Papa conseguiu que o processo se centrasse em torno ao movimento da Terra, porque em outro caso as conseqüências teriam sido muito piores.
A denúncia mencionada existiu, mas parece exagerada demais centrar aí os problemas de Galileu. Esta questão põe de manifesto, entretanto, que a nova física vinha acompanhada por uma filosofia mecanicista que, em parte, chocava com a filosofia e a teologia geralmente admitidas, e é certo que este problema continuou vivo durante muito tempo e inclusive continua vivo, em parte, na atualidade.
O caso de Galileu não afetou seriamente o progresso da ciência. A semente que Galileu plantou deu fruto imediatamente, também na Itália. Ao cabo de poucas décadas, Newton levou a física moderna até seu nascimento definitivo, e o trabalho de Galileu ficou bem assentado.
O caso de Galileu não afetou seriamente o progresso da ciência. A semente que Galileu plantou deu fruto imediatamente, também na Itália. Ao cabo de poucas décadas, Newton levou a física moderna até seu nascimento definitivo, e o trabalho de Galileu ficou bem assentado.
Por fim, é interessante assinalar que não existiu nenhum outro caso semelhante ao de Galileu. O caso de Galileu não é um caso entro outros do mesmo tipo. O caso mais semelhante é o do evolucionismo, mas a teoria da evolução, dentro de seu âmbito científico, nunca foi condenada por nenhum organismo da Igreja. Quando se tenta colocar no mesmo nível que o caso de Galileu assuntos como o aborto, a eutanásia, a bioética, etc., deve-se ressaltar que, se bem esses problemas incluem componentes relacionados com a ciência, não são problemas propriamente científicos, mas, no máximo, de aplicação dos conhecimentos científicos. Mas isto exigiria uma reflexão específica que vai além dos objetivos a que me propus.
REFERÊNCIAS : Os dados deste artigo estão retirados, em sua maioria, da Edição Nacional das obras de Galileu, preparada por Antonio Favaro: Le Opere di Galileo Galilei, 20 volumes, reimpressão, G. Barbèra Editore, Firenze 1968. Os documentos do processo se encontram no tomo XIX, pp. 272-421, e também foram editados por Sérgio Pagano: I documenti del processo di Galileo Galilei, Pontifícia Academia Scientiarum, Cidade do Vaticano 1984.
É comum escutarmos pessoas famosas, mesmo professores, comentarem sobre o caso Galileu sem o mínimo de conhecimento.
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Por Mariano Artigas, professor de Filosofia da Ciência na Universidade de Navarra (Espanha), co-autor do livro “ Galileo en Roma. Crónica de 500 días” e autor do livro “Filosofia da Natureza”.
Mariano Artigas
Publicado en Scripta Theologica , 32 (2000), pp. 877-896.
Atualizado em Janeiro de 2006
Fonte da tradução para o português: http://www.acidigital.com/controversia/galileu.htm
Por Mariano Artigas, professor de Filosofia da Ciência na Universidade de Navarra (Espanha), co-autor do livro “ Galileo en Roma. Crónica de 500 días” e autor do livro “Filosofia da Natureza”.
Mariano Artigas
Publicado en Scripta Theologica , 32 (2000), pp. 877-896.
Atualizado em Janeiro de 2006
Fonte da tradução para o português: http://www.acidigital.com/controversia/galileu.htm
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