14/12/2013 | domtotal.com
Como o Papa quer mudar a Igreja e o Mundo
O líder dos católicos quer uma Igreja desassossegada e virada do avesso, os pobres no centro da ação e políticas contra uma economia que "mata". A revolução de Francisco começou. António Marujo (texto publicado na VISÃO 1083, de 5 dezembro – Revista portuguesa)
A revolução está em marcha. E começou onde muitos não esperariam: o Papa Francisco publicou a exortação Evangelii Gaudium (A alegria do evangelho) que sistematiza muito do que ele tem andado a propor e a dizer mas, mesmo assim, deixou meio mundo espantado com a ousadia. No texto, o primeiro Papa latino-americano propõe uma reforma profunda da Igreja que a torne numa comunidade de desassossego - "Não podemos ficar tranquilos." Critica, com dureza, a atual "ditadura de uma economia sem rosto" e que "mata", diz que a inclusão social dos pobres e a questão da paz e do diálogo social são as duas questões determinantes do futuro da humanidade e sugere que o catolicismo tem de assumir um novo dinamismo missionário, sobretudo em relação às culturas urbanas.
Na sua perspectiva, no horizonte e no centro da atividade da Igreja ou da política, deve estar a pessoa. "Há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano", sublinha o Papa Bergoglio. Os mais pobres e vulneráveis devem ser os primeiros destinatários da ação da Igreja e dos sistemas políticos e financeiros. Objetivo da proposta: a "revolução da ternura".
Este documento culmina quase nove meses intensos, desde a eleição de Francisco, a 13 de março, depois da resignação de Bento XVI. Meses que puseram a Igreja Católica a mexer de forma inusitada. E que já tiveram consequências, mesmo fora do catolicismo: o dia de jejum e oração pela paz na Síria, convocado pelo Papa Francisco, aliado às suas críticas a uma possibilidade de intervenção militar internacional, foram um dos obstáculos principais à entrada dos Estados Unidos na guerra que assola aquele país há quase três anos; e a sua ida a Lampedusa, na primeira viagem fora de Roma, para condenar a "globalização da indiferença", obrigou a Europa a olhar para a ilha que acolhe tantos refugiados (ou recolhe os seus cadáveres) - três meses depois, Durão Barroso foi a Lampedusa, sendo recebido aos gritos de "assassinos"...
Há apenas um mês, Bergoglio já provocara um pequeno terremoto no interior do catolicismo, com a divulgação do documento preparatório do Sínodo dos Bispos sobre a família, que decorrerá em outubro de 2014. No questionário, há perguntas acerca do modo como os casais católicos vivem ou encaram a sexualidade, ou sobre como a Igreja deve lidar com os divorciados que voltaram a casar ou as uniões homossexuais. O inquérito, que não é da responsabilidade direta do Papa, mas tem a sua orientação clara por trás, foi apresentado como destinado a ser respondido pelo maior número possível de crentes - em vários países, os bispos colocaram-no mesmo na internet - mas não deixou de provocar tensão em diferentes setores, que o procuraram relativizar. Quatro semanas antes, o Papa tinha-se reunido pela primeira vez com a comissão de oito cardeais que criou para o ajudar no governo da Igreja e encetar um processo de reformas. Foi na sequência desse encontro, aliás, que o inquérito sobre a família foi apresentado.
Com a exortação apostólica da semana passada, as principais intuições e propostas do Papa Francisco ficam sistematizadas num único texto. Melhor ainda: ele diz qual é o seu sonho para a Igreja e o mundo, um pouco à semelhança do discurso de Martin Luther King. O sonho do discípulo de Jesus "não é estar cheio de inimigos, mas antes que a Palavra [de Deus] seja acolhida e manifeste a sua força libertadora e renovadora", escreve. E acrescenta: "Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo" na Igreja e de "chegar a todos". E sobre como organizar o mundo, diz, no ponto 192, que o sonho "voa ainda mais alto" e inclui o "sustento para todos", bem como "educação, acesso a cuidados de saúde e especialmente trabalho" e "salário justo" que permita "o acesso adequado aos outros bens que estão destinados ao uso comum".
Esta exortação apostólica, o segundo tipo de documento mais importante, depois das encíclicas, acaba, assim, por constituir o verdadeiro documento programático para o pontificado franciscano. A questão política e económica aparece como prioritária, na afirmação de que o sistema deve estar ao serviço de todas as pessoas e em especial dos mais frágeis.
Na sua perspectiva, no horizonte e no centro da atividade da Igreja ou da política, deve estar a pessoa. "Há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano", sublinha o Papa Bergoglio. Os mais pobres e vulneráveis devem ser os primeiros destinatários da ação da Igreja e dos sistemas políticos e financeiros. Objetivo da proposta: a "revolução da ternura".
Este documento culmina quase nove meses intensos, desde a eleição de Francisco, a 13 de março, depois da resignação de Bento XVI. Meses que puseram a Igreja Católica a mexer de forma inusitada. E que já tiveram consequências, mesmo fora do catolicismo: o dia de jejum e oração pela paz na Síria, convocado pelo Papa Francisco, aliado às suas críticas a uma possibilidade de intervenção militar internacional, foram um dos obstáculos principais à entrada dos Estados Unidos na guerra que assola aquele país há quase três anos; e a sua ida a Lampedusa, na primeira viagem fora de Roma, para condenar a "globalização da indiferença", obrigou a Europa a olhar para a ilha que acolhe tantos refugiados (ou recolhe os seus cadáveres) - três meses depois, Durão Barroso foi a Lampedusa, sendo recebido aos gritos de "assassinos"...
Há apenas um mês, Bergoglio já provocara um pequeno terremoto no interior do catolicismo, com a divulgação do documento preparatório do Sínodo dos Bispos sobre a família, que decorrerá em outubro de 2014. No questionário, há perguntas acerca do modo como os casais católicos vivem ou encaram a sexualidade, ou sobre como a Igreja deve lidar com os divorciados que voltaram a casar ou as uniões homossexuais. O inquérito, que não é da responsabilidade direta do Papa, mas tem a sua orientação clara por trás, foi apresentado como destinado a ser respondido pelo maior número possível de crentes - em vários países, os bispos colocaram-no mesmo na internet - mas não deixou de provocar tensão em diferentes setores, que o procuraram relativizar. Quatro semanas antes, o Papa tinha-se reunido pela primeira vez com a comissão de oito cardeais que criou para o ajudar no governo da Igreja e encetar um processo de reformas. Foi na sequência desse encontro, aliás, que o inquérito sobre a família foi apresentado.
Com a exortação apostólica da semana passada, as principais intuições e propostas do Papa Francisco ficam sistematizadas num único texto. Melhor ainda: ele diz qual é o seu sonho para a Igreja e o mundo, um pouco à semelhança do discurso de Martin Luther King. O sonho do discípulo de Jesus "não é estar cheio de inimigos, mas antes que a Palavra [de Deus] seja acolhida e manifeste a sua força libertadora e renovadora", escreve. E acrescenta: "Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo" na Igreja e de "chegar a todos". E sobre como organizar o mundo, diz, no ponto 192, que o sonho "voa ainda mais alto" e inclui o "sustento para todos", bem como "educação, acesso a cuidados de saúde e especialmente trabalho" e "salário justo" que permita "o acesso adequado aos outros bens que estão destinados ao uso comum".
Esta exortação apostólica, o segundo tipo de documento mais importante, depois das encíclicas, acaba, assim, por constituir o verdadeiro documento programático para o pontificado franciscano. A questão política e económica aparece como prioritária, na afirmação de que o sistema deve estar ao serviço de todas as pessoas e em especial dos mais frágeis.
SIR
Apoio:
Escola Superior Dom Helder Câmara
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