quinta-feira, 2 de agosto de 2012
JESUS E A SEXUALIDADE
Em Jesus e para Jesus a sexualidade é sagrada. É mais do que funcional. Vai além de perpetuar a espécie. É opção ligada ao outro e aos seus direitos, à entrega e à fidelidade. É um sim que não pode depender dos humores da pessoa e sim do seu amor-compromisso. Por isso ele confronta sua doutrina com a de Moisés.
Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim. (Mt 19,
E serão os dois uma só carne; e assim já não serão dois, mas uma só carne. (Mc 10,
A Bíblia fala de circuncisão do pênis com entrega do prepúcio, de circuncisão do coração com entrega da vontade. Fala também de eunucos no físico e no coração. (Dt 10,16) (Jr 4,4 ) (Rm 2.25-29). Se não entendermos os costumes dos primeiros hebreus e dos judeus que vieram séculos depois, não entenderemos os costumes de hoje. Hoje, como ontem, o sexo e a capacidade de gerar é uma escolha espiritual e, por isso mesmo, vital. Marca profundamente a vida de um homem, uma mulher e sua descendência. Fertilidade, esterilidade, virilidade, feminilidade, frigidez, desejo, desempenho são palavras corriqueiras que nem por isso deixam de ser tabus. Há cobranças que atingem o homem e cobranças que atingem a mulher. Não há sexo verdadeiro sem cobrança de fidelidade. Aquela troca de vida só faz sentido entre pessoas que vivem uma pela outra. É mais do que toque e carícia: é intercâmbio de vida. Vai muito além da superfície dos corpos.
Fidelidade e utilidade
Na esteira das cobranças cobra-se, também a virgindade, e a data de perdê-la, cobra-se o celibato até àquele dia e vivem-se os questionamentos que casamento e celibato provocam no indivíduo e na sociedade. Não poderia ser diferente: cobra-se a fidelidade do casal e cobra-se a fidelidade do celibatário. Mas num mundo de tanta exacerbação da libido é difícil manter a palavra dada. Talvez seja por isso que milhões não consigam ser fiéis nem ao matrimônio nem ao celibato. Usar ou abster-se do sexo supõe escolha, ascese, intenção, pessoa e clã. De certa forma os ricos ainda são dados em casamento… Permanece tabu um filho rico casar com a mocinha pobre ou a moça rica se apaixonar pelo motorista da família. O pacote tem destinatário…
Abstinência e uso moderado
Nem no judaísmo nem no cristianismo de dá licença para fazer sexo. Consagram-se corpos. Isso não dá a nenhum dos dois o direito de usar a outra pessoa. Há que ser um consenso permanente e, da mesma forma que não faz sentido alimentar-se de qualquer jeito, beber de qualquer jeito e em qualquer quantidade, também as relações afetivas dependem do querer e do sentir que só dá certo se existe a ascese. Outra vez Jesus
alerta para o projeto original da sexualidade. No princípio o sexo era um encontro unitivo: uma só carne…(Mt 19,5) Mas seriam uma só carne, porque os dois seriam um só casal, como ele o Pai eram um só Deus (Jo10,30 )
O ser humano nem sempre entendeu o sexo como um ato de espiritualidade. Na maioria das vezes a carne atrapalhou. Maior dificuldade tem e teve de entender a abstinência dele. Por isso encontra tanta dificuldade em viver o casamento ou celibato. E talvez não entenda nunca! Serão sempre assuntos apaixonantes. Celibato e casamento precisam de estímulos espirituais e eles nem sempre acontecem.
Na era tribal e agro-pastoril ter mulher ou mulheres, algumas concubinas e muitos filhos era mais do que uma questão de prazer: era dever e podia ser sobrevivência. Os tempos eram de pouca comida, pouca produção e colheitas incertas. Ter filhos poderia ser a única chance de chegar ao futuro. Não se brincava de sexo: ele era instrumento de vida mais do que de prazer. Aí, sim o sexo era utilitário. Mesmo assim supunha respeito. Abusos eram punidos pelo clã. Os que geram vidas cuidam um do outro e das vidas que geraram.
Uma leitura atenta dos livros Gênesis e Êxodo e Juizes mostra uma cultura de sobrevivência na qual o sexo não tinha a dimensão que hoje tem. Fazia mais parte do ethos produção e trabalho do que do ethos consumo e divertimento. Quando, hoje, um homem e sua esposa decidem interferir no seu aparelho reprodutor a escolha é a de não mais, ou nunca procriar. Seu matrimônio, se matrimônio existe, é desfrute e deleite, mais do que dever social. Ficarão juntos enquanto se quiserem e terão filhos se quiserem. Se ela engravidar em hora imprópria, há médicos, remédios e hospitais… O sexo está mais funcional do que nunca, mas não para gerar filhos e sim para gerar conforto. Ter filhos não é mais questão de sobrevivência. Entrou para o rol das conveniências. Não é o caso de todos, mas o é de milhões de casais que se proclamam modernos. Não estão mais á mercê da reprodução. Em troca, o prazer está à mercê deles, ou, melhor dizendo, eles à mercê do prazer.
Priorizou-se o secundário
Priorizou-se o sentimento, a convivência, o afeto e secundarizou-se a justiça e a procriação. O argumento é que o mundo já tem gente em quantidade suficiente. A China desde a ascensão do comunismo vem limitando o número de filhos de um casal a um por matrimônio. Em sociedades afluentes, os casais decidem por, no máximo dois, de preferência, um. E não faltam os que preferem um animalzinho de estimação. Poderiam gerar um filho, mas preferem não tê-lo. Pesados os prós e os contras, optaram pelo animal a quem tratam como filho intitulando-se papai e mamãe deles. Vemos isso nas ruas…
Rejeição implícita
Em alguns casos esconde-se a rejeição aos humanos. É chocante, mas com freqüência nos chegam notícias de milionários que deixam fortunas para seus cães. Num dos casos, um animal chamado Gunther IV herdou 372 milhões de dólares. Às vezes, o Estado interferiu, destinando o dinheiro a instituições de caridade para humanos… Numa sociedade como essa, um casal que escolhe ter mais de três filhos, o homem que escolhe não ter esposa, a mulher solteira que opta por não ter marido incomodam. Incomodam ainda mais aqueles que se abstêm do sexo por motivações religiosas.
Sexo consagrado
Quando o varão hebreu deixava cortar parte da pele do seu pênis, ele, que precisava ter filhos e gerar uma família, estava se submetendo ao autor da vida. Era submissão da sua virilidade a alguém que dá ou tira os filhos. Quando apareceram os primeiros celibatários livres que, não por medo do sexo, nem porque os patrões lhes cortavam a virilidade, mas por submissão ao dono da vida e do prazer, o mundo não aceitou, rejeitou, puniu, depois venerou e, por fim, superestimou. Nunca foi natural abster-se do sexo e optar por não ter filhos. Continua não sendo, posto que a quase totalidade dos humanos mais cedo ou mais tarde faz sexo, quer alguém no seu leito, quer os carinhos exclusivos de uma pessoal especial, e quer uma descendência.
Como entender aquele ou aquela que controla seu instinto? Alguém que não vai além de determinados afetos, dosa o prazer, não ultrapassa nem a própria concupiscência, determina que vai só até o abraço, o afago, ou o beijo? Como entender quem nem sequer chega perto do corpo de outra pessoa, quando a maioria absoluta quer se dar e quer receber?
Fronteiras do sagrado
O celibato tem fronteiras, assim como as tem o casamento. Quem as ultrapassa corre o risco de perder o amor que vem com estas escolhas, porque as duas escolhas são de submissão livre e consciente a Deus e a uma outra pessoa. Casar não é querer e ter poder sobre o outro nem ter que querer o outro. É querer e saber que há limites. O celibato também não é querer e não poder: é poder, mas não querer. Num caso, o marido ou a mulher, a partir da porta para fora, vivem a condição de eunucos por amor ao outro, e no outro, o celibatário escolhe a condição de eunuco por amor ao Deus que ele deseja levar como celibatário. O casal, todo um do outro leva Deus com o seu matrimônio sereno e forte. O celibatário todo de Deus e do seu povo o leva com o seu celibato sereno e forte.
Há quem o consiga por toda a vida. Há quem não o consegue. Há o casado que busca outros carinhos e torna a entregar-se; há o celibatário que busca alguém e pede desculpas a Deus por não conseguir viver sua promessa. Em alguns casos a igreja libera, em outros não! Entra-se no terreno das intenções e da pureza da escolha. Nem a religião nem o mundo tem respostas prontas e cabais para o mistério do casamento, do celibato ou da vida eunuca. Não fazer, não querer, não viver sem, com quem, em que idade, quanto, até que ponto, como, por quê, para quem, para quê são perguntas que o indivíduo tem que responder a contento, se quiser ser feliz, porque trata-se de entrega que ela determinará o depois de cada entrega.
Tomaram o sexo de volta
O sexo hoje, para milhões de casais não tem nada a ver com Deus. Não lhes parece um dom. Para milhões de jovens solteiros não tem nada a ver com o céu. É coisa daqui mesmo! O corpo é deles e farão o que acham que devem fazer, com quem acham que convém, na hora em que convém. Não aceitam oferecer nem submeter seus sentimentos e desejos à orientação de religião nenhuma e a deus nenhum. E se acreditam em Deus, determinam que Deus não se mete nesses assuntos… Então, pregador que se cale, até porque muitos pregadores também não se seguram!
Em outras matérias, sim, mas nesta não ouvirão o céu! O que fazem com seus prepúcios, seu aparelho genital e reprodutor é assunto pessoal, no qual não admitem interferência. Ao médico cabe ajudá-los a exercê-lo bem, mas a eles e só a eles cabe usar ou não usar, com quem melhor lhes parecer conveniente naquela hora e naqueles dias.
O amor secularizado
Faz tempo que o sexo secularizou-se. Foi tirado da esfera do sagrado e não tem mais relação com a vida. Pode ter, mas não tem que ter.
Agora, existem a pílula e inúmeros dispositivos que separam o ato sexual do ato vital. Os humanos não estão livres do instinto e da paixão, mas estão livres da procriação. Deus não manda mais no pênis e na vagina, nem no útero, nem no esperma, nem nos óvulos. Também não manda mais no coração humano. Acabou a consagração do pênis, do ventre, ou do prepúcio. Se naquele ventre se formar alguma vida, dá-se a ela o nome de zigoto, embrião ou feto, mas não de filho. E se não for conveniente encubá-la, extraem coma bênçãos do Estado. As igrejas que se calem ou sejam estrategicamente licenciadas com o apelido de utrapassadas e conservadoras. Moderno é ter o controle da vida, da própria e da que por casão começar num ventre feminino….
Separa-se para Deus não mais o prepúcio em sinal de submissão e, sim, algumas dádivas ou um cheque, mas não a pessoa. Ainda há admiração por algumas coisas que Deus ainda faz, mas mandar na vontade humana, Deus não manda mais: nem ele nem a religião. A vontade humana soberanizou-se. Mas isto já foi cantado no Salmo 2
1 Por que se amotinam os gentios, e os povos imaginam vaidades?
2 Os reis da terra se levantam e os governos consultam juntamente contra o SENHOR e contra o seu ungido, dizendo:
3 Desfaçamos seus nós, e sacudamos de nós as suas cordas.
4 Aquele que habita nos céus se rirá; o Senhor zombará deles.
5 Então lhes falará na sua ira, e no seu furor os turbará.
Dessacralização
À dessublimação sugerida por Marcuse, em resposta à supersublimação do corpo, dessacralizou o sexo. As igrejas buscam hoje superar seus próprios excessos e ressublimar o que foi dessublimado. Motivo: a dessacralização do corpo dessacralizou a vida, o sexo e, com ele, a procriação. Filho concebido não é mais visto como sagrado. Filho nascido, sim! E às vezes nem o filho nascido é amado como dom de Deus, porque é gigantesco o número de pais que rejeitam os filhos gerados: vão embora deles ou os deixam com quem os queira. Fazê-los foi bem mais fácil do que querê-los da mesma forma que fazer sexo com alguém é mais fácil do que querer este alguém; isto, quando o sexo não serve de isca e cilada para se conseguir dinheiro ou algum resultado interessante. Não são poucas as mulheres famosas que se despem e provocam a libido dos homens e vive-versa, em troca de muito dinheiro para um, novo apartamento. Expor-se provocar libidos tornou-se atividade lucrativa. Não se guarda mais o corpo para a pessoa amada. Não é mais moderno. Despir-se tornou-se conquista e virou indústria.
Perdida a sacralidade, vai se a liberdade e a integridade do afeto. Ama-se ou gosta-se de parte da pessoa e não da pessoa. Doa-se parte e não a própria pessoa ao outro humano e a Deus. Do imenso mosaico que somos, tiramos algumas pedrinhas e as empenhamos por alguns momentos. Depois as queremos de volta porque doar para sempre não é coisa moderna. O poeta Vinícius de Morais até o cantou em verso e prosa repetidos à exaustão nos meios sofisticados: Que seja terno enquanto dure! É a canonização do efêmero. Mas a sexualidade que não sai do efêmero deixa de ser sadia. É visita ao corpo alheio, mas não é encontro de almas.
***
A palavra é espiritualidade. Sem ela ninguém se entende nem a si mesmo, nem ao outro; nem entende o casamento, nem o celibato. Onde Deus não entra o homem costuma entalar…
Ressublimação
Onde entra Jesus em tudo isso? O que tem a ver sexologia com cristologia? Ele liga amor com vida, carinho com palavra dada e com fidelidade e vida de eunuco com total consagração. Para Jesus o sexo é bonito, é unitivo, é dom, é entrega e é definidor. Ou se dá a alma ou não faz sentido dar o corpo. Nenhuma relação sexual é conquista se da parte de ambos não for o carinhoso cuidado pela pessoa que Deus lhes deu como dom do céu.
Utopia? Se o mundo tem os seus Shangri-las, seus Eldorados e suas Mil e Uma Noites, por que não podem os discípulos de Jesus cultivar a utopia de uma família que só a morte pode separar ou de uma sexualidade que deságua na eternidade?
Do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. (Mt 15, 19)
Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus (Mt 5,
Que proveito tira o homem em ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca de sua alma? (Mt 16, 26)
Não são mais dois, mas uma só carne. O que Deus uniu, home algum o separe. (Mt 19, 6)
Ninguém tem maior amor do que este: dar a vida por seus amigos (Jo 15, 13)
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