NA SANTA MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SEU NASCIMENTO
Por pe. Martinho de Cochem
"Neste dia a suavidade correrá das montanhas e as colinas destilarão leite e mel".
É assim que a Igreja canta, por toda a terra, o doce mistério do nascimento de Cristo. Efetivamente no dia de Natal, aquele que é mais doce do que o mel, aquele que é a própria fonte de toda doçura, tudo suavizou, trouxe a verdadeira alegria, anunciou a paz aos homens de boa vontade, e consolou o mundo com a aurora de um futuro cheio de graças.
Que privilégio para os homens, poderem ver com os olhos corporais o mais belo dos filhos dos homens, apertá-lo nos braços, cobri-lo de santos beijos!
Certamente, felicidade deles era grande, mas a nossa é ainda maior, contemplando, com os olhos da fé, cada dia, o divino Menino, e participando, sem cessar, da alegria do seu nascimento. Sobre este assunto o santo Papa Leão I escreveu: "As palavras do Evangelho e as profecias nos inflamam de tal modo, que o nascimento do Cristo não nos parece um fato passado, porém um acontecimento presente. Também ouvimos a boa nova trazida aos pastores pelos Anjos: "Eis que vos anuncio uma grande alegria: hoje nasceu o Salvador"(Sermo 9, de Nativitate).
Temos a inefável felicidade de assistir a este bem-aventurado nascimento, se assistimos à santa Missa, onde tal é renovado e continuado.
E, se queres saber, caro leitor, como o Cristo nasce, lê essa passagem de São Jerônimo:
"Os sacerdotes formam o Cristo pelos seus lábios consagrados", quer dizer: o Cristo nasce dos lábios do sacerdote, quando este pronuncia as palavras da consagração. Por sua vez, o Papa Gregório XIII o afirma, exortando os sacerdotes a dizerem antes de subirem no altar: "Quero celebrar a santa Missa e formar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo".
A Igreja não cessa de recordar-nos este nascimento espiritual de Jesus Cristo, quando nos ordena entoar o cântico dos Anjos durante a santa Missa: "Glória a Deus no mais alto dos céus e paz sobre a terra aos homens de boa vontade". Que felicidade para nossa alma possuir uma fé viva, e nosso proceder para o Menino Jesus se assemelhar ao porte cheio de amor e de respeito de Maria, de S. José, dos Anjos e dos pastores!
Bem que Jesus Cristo nos oculte a beleza de sua Humanidade, contudo permanece visível aos olhos de Deus e do exército celeste. Em cada Missa, mostra-se num esplendor do qual a Santíssima Trindade recebe uma glória infinita e faz estremecer de júbilo a Santíssima Virgem, os Anjos e os Santos, como nos assegurou o bem-aventurado Alano de la Roche.
Quando os Anjos vêem o Menino Jesus nascer sobre o altar, ajoelham-se humildemente e o adoram, porque, quando Deus introduziu seu Unigênito na terra, disse: "Que todos os Anjos o adorem". É o que a Igreja canta no prefácio: "Os Anjos louvam a vossa Majestade, as Dominações a adoram, as Potestades a veneram tremendo; os céus, as Virtudes dos céus, e os bem-aventurados Serafins celebram a vossa glória com transporte de alegria".
Em união com estes espíritos celestes, agradeçamos a Nosso Senhor que, ao renovar o mistério de seu nascimento, deseja distribuir-nos também os frutos.
O espírito humano é impotente para conceber e explicar o grau de alegria que o céu experimenta na renovação do nascimento de Cristo. A própria ciência dos Anjos não basta, embora essas bem-aventuradas inteligências participem das delícias que proporciona ao céu o santo Sacrifício da Missa.
Quanto ao gozo da Santíssima Trindade, a fé nos ensina que tira de Si própria toda a beatitude. A Sagrada Escritura diz da sabedoria incriada, isto é, do Filho de Deus: "É o esplendor da luz eterna, o espelho sem mancha da Majestade divina, a imagem da sua bondade" (Sab. 7, 26).
Este espelho está desde toda a eternidade, diante dos olhos do Pai celeste que se contempla nele com infinita satisfação. Nele, vê-se eternamente o Senhor poderosíssimo, gloriosíssimo, sapientíssimo, riquíssimo, infinito de bondade e beleza.
Este conhecimento e esta contemplação incessante de sua própria pessoa são, para Ele, um gozo essencial, perfeito, bastando para manter o Pai celeste em uma beatitude infinita.
Este espelho puríssimo, pois, foi colocado, em nova forma, diante de seus olhos no nascimento do Salvador, onde o Cristo é revestido da mais nobre natureza humana, enriquecida das mais preciosas virtudes e ornada de todas as perfeições. O Pai eterno experimentou novas delícias, das quais fez participar toda a corte celeste. Palpitantes de júbilo estes espíritos bem-aventurados cantaram então um cântico melodioso, ao qual nada do que na terra se tinha ouvido era comparável, e derramou sobre os piedosos pastores as ondas de uma alegria inigualável e desconhecida. Ao canto do "Glória in excelsis", os Anjos voaram para Belém, prostraram-se ante o recém-nascido e adoraram-lhe a Divindade.
Todas estas cenas da noite de Natal se renovam cada dia na santa Missa, onde o Filho de Deus nasce da palavra do sacerdote. Não que um novo Cristo seja criado, nem sua pessoa multiplicada. O que se multiplica é sua presença, de modo que, onde sua Humanidade não estava dantes, acha-se agora de modo real, e fica debaixo das santas espécies, por tanto tempo quanto estas aparências subsistirem intactas. Se as espécies se corrompem, cessa a presença real.
O Filho unigênito de Deus nasce de novo dos lábios do sacerdote, e, por suas mãos, esse espelho imaculado ornado de tantas perfeições, é elevado para ser oferecido a Deus; que alegria, que delícias, que infinitas felicidades para o Pai celeste! Não podem ser menores que as da noite de Natal, porque, em Belém e sobre o altar, tem, diante dos olhos, aquele do qual disse: "Este é o meu Filho muito amado, em quem tenho posto toda a minha complacência" (Mt. 3, 17).
A única diferença é que no presépio, o Verbo estava oculto sobre a carne mortal, enquanto, na Missa, seu Corpo glorioso, ornado de suas chagas sagradas, como cinco pedras preciosas, está oculto sob as espécies sacramentais. Em Belém, nasceu corporalmente, no altar, nasce de forma mística, ainda que muito real.
Porém, Deus Padre não fica somente cheio de alegria, contemplando este espelho divino; aquele a quem contempla, seu Filho unigênito, lhe corresponde a ternura por um amor infinito, aumentando-lhe, assim a felicidade.
As delícias que a Divindade recebe da santíssima Humanidade de Cristo, excedem todas as que lhe vêm dos louvores dos Anjos, adorações dos Santos, e fidelidade dos homens, porquanto a Humanidade sagrada de Nosso Senhor, unida hipostaticamente à Divindade é a única capaz de honrar, de regozijar, de amar a Divindade conforme sua infinita grandeza. Ora, tudo isto o Salvador Jesus faz com tanta suavidade que nem os Querubins nem os Serafins o compreendem inteiramente. O céu olha cheio de assombro, de coração arrebatado, sem poder medir a extensão do divino júbilo. Como isto se reproduz em milhares de Missas, quem poderia descrever o grau de felicidade que reverte à Santíssima Trindade?
Ó Deus de glória, regozijo-me por vossa infinita felicidade, quereria mesmo aumentá-la por minha piedade, durante o santo Sacrifício. Suplico-Vos, meu Senhor Jesus Cristo, que Vos digneis, em cada Missa, de regozijar a bem-aventurada Trindade, em meu nome, e suprir, superabundantemente, o amor que tenho negligenciado de lhe manifestar, e a alegria que deveria causar-lhe.
"Um pequenino nos nasceu, e um filho nos foi dado" (Is. 9, 6). Esta profecia de Isaias que anunciava o nascimento de Jesus Cristo, deve-se aplicar também à santa Missa. Nela uma criancinha nos é nascida, e um filho nos é dado. Ó rico e piedoso dom! Este menino é o Filho de Deus. Chega de um país longínquo, do paraíso celeste; traz-nos incomparáveis riquezas, a graça, a divina misericórdia, o perdão de nossos pecados, a remissão das penas, a emenda de vida, o benefício de uma morte, o acréscimo da glória futura, bênçãos temporais, um preservativo eficaz contra o pecado.
O texto de Isaías encerra um outro assunto de consolação. O profeta diz, expressamente, que "nasceu-nos um menino, e nos foi dado um filho". Isto significa que,nascendo de novo na consagração Jesus se torna nossa propriedade com tudo o que é, tudo o que tem, tudo o que opera sobre o altar. Portanto, a honra, as ações de graças, as satisfações que oferece à Santíssima Trindade são para nós. Que maior consolação para os que ouvem a santa Missa do que este pensamento: Jesus está para mim!?
Se tivesses estado durante a noite de Natal na gruta de Belém, tomado o doce Menino Jesus em teus braços, e o tivesses oferecido a seu Pai celeste, elevando-o para Ele e suplicando-Lhe que tivesse piedade de ti por amor desse pequenino, pensas que Deus pudesse repelir-te e ficar surdo a tua voz? Não, certamente. Faze, pois, o mesmo durante a Missa, sobretudo no tempo do Advento e do Natal, encaminha-te em espírito para o altar, toma o Menino Jesus, oferece-o a Deus Padre.
Outro ponto importantíssimo é este: O Cristo não somente nasce sobre o altar de maneira mística, mas também toma uma forma tão humilde, que causa admiração ao céu e à terra. Em seu primeiro nascimento, humilhara-se infinitamente, tomando a forma de servo, entretanto, ainda era uma forma humana. Em seu nascimento místico, escolheu humilhação ainda maior, aniquilou-se debaixo das aparências do pão!
Que humilhação inaudita! Que há de mais insignificante que uma espécie sacramental, acidente sem substância? Olhai bem a suprema modéstia de Jesus! Onde lhe está a glória? Onde lhe está a Majestade soberana que faz tremer o céu? Renunciou a tudo isto! Aquele que ocupa um trono à direita do Pai eterno, repousa sobre o altar, ligado como o Cordeiro de sacrifício. Ó abismo insondável de humildade! Ó amor incomparável do mais fiel, do mais amante dos homens.
Para que este excesso de humildade? Uma das razões principais é desarmar a cólera de seu Pai celeste, e desviar dos pecadores um justo castigo.
Não há melhor meio de aplacar o inimigo do que se humilhar em sua presença e pedir-lhe perdão. O proceder de Acab fornece-nos uma prova. Quando o profeta Elias anunciou a este rei ímpio que o Senhor o puniria de morte súbita assim como a sua mulher e a seus filhos, e que seus corpos, privados de sepultura, seriam devorados pelos cães e corvos, "humilhou-se Acab ante o Senhor, rasgou as vestes, cobriu a carne com um cilício, jejuou, dormiu num saco e caminhou cabisbaixo". Então o Senhor dirigiu a palavra a Elias e disse: "Não viste Acab humilhado diante de mim? Já que se humilhou por minha causa, não farei cair sobre ele os males de que o ameacei" (III Reis, 21, 27-29).
Se Acab, "ao qual nunca houve igual em impiedade", segundo a Sagrada Escritura, por sua humilhação, levou Deus Todo-Poderoso a suspender a sentença pronunciada contra ele, o que não obterá junto a Deus a humilhação de Jesus Cristo sobre o altar? Não é mais tocante neste estado de aniquilamento em que o colocou seu amor pelos homens? Vede-o, despojado de suas vestes de gala, oculto sob a aparência da Santa Hóstia não somente curva a cabeça, está atado como holocausto e, do fundo do coração, pede para nós perdão e misericórdia! A este espetáculo, Deus diz a seus Anjos, como outrora dissera a Elias: "Vistes como Meu Filho se humilhou diante de mim?". Os Anjos respondem: "Sim, Senhor, vimo-lo, e ficamos admirados". E o Pai celeste continua: "Pois que meu Filho aniquilou-se deste modo, não me vingarei dos pecadores, nem os punirei conforme suas iniqüidades".
Meditemos estas palavras e estejamos persuadidos de que, se Deus não abrevia a vida do culpado, se não o castiga segundo a medida de suas iniqüidades, o pecador deve-o à santa Missa, onde participou da reparação de Jesus Cristo. O Salvador clementíssimo advogou-lhe a causa, humilhou-se em seu lugar e deteve o braço vingador da divina justiça.
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