OUVIR DIARIAMENTE A SANTA MISSA.
Depois de tudo quanto dissemos até aqui, pareceria desnecessário exortar-te a ouvir a santa Missa todos os dias. Entretanto, acrescentaremos algumas reflexões próprias, para afirmar, em ti, a esta resolução.
Não há dúvida de que nenhuma hora do dia é tão preciosa como a da santa Missa. É verdadeiramente uma hora de ouro, e, por sua influência, tudo o que fizeres no correr do dia será, por assim dizer, transformado em ouro. Sem esta bênção que se recebe do altar, não ganharíamos senão vil metal.
Objetar-nos-ás talvez: "O trabalho me é mais necessário que a audição da santa Missa, visto que, por ele, sustento minha família".
- Mas, caro leitor, não dizemos que não trabalhes, quereríamos apenas ver-te dar a Deus pequena meia hora, cada manhã. Abençoado por sua mão paterna, teu trabalho terá melhor êxito.
O desejo de nosso coração, caro leitor, é levar-te a ouvir, quotidianamente, a santa Missa. Por isso procuramos detalhar-te os numerosos e nobres motivos sobre os quais esta excelente devoção é baseada.
Escuta e considera: Foste criado por Deus, para serví-lo: a santa Missa é o culto divino por excelência; tens a obrigação de agradecer-lhe os benefícios espirituais e temporais: a santa Missa é o mais perfeito sacrifício de ação de graças; estás no mundo, para louvar a divina Majestade do Deus onipotente: a santa Missa é o mais perfeito sacrifício de louvor; tens contraído uma dívida enorme: a santa Missa é o mais rico sacrifício de satisfação; o pecado, a doença, a morte te ameaçam: a santa Missa é o mais eficaz sacrifício de impetração; o demônio te persegue, armando ciladas, esforça-se para arrastar-te ao inferno: a santa Missa é o escudo contra o qual se despedaça o poder infernal; a morte te espanta: a audição da santa Missa será para ti a maior consolação na hora da morte.
Quando não te seja possível assistir, cada dia, à santa Missa, faze, pelo menos, que uma ou outra pessoa de tua família a assista na intenção de todos os teus.
A prática de ouvir a santa Missa, uns em favor dos outros, é, extremamente, vantajosa e perfeitamente possível. Há uma diferença notável entre a audição da santa Missa e a sagrada Comunhão. Diz-se: Comungarei por ti, pelas almas do purgatório, etc., o que, porém, não tem a mesma significação que dizer: Ouvirei a santa Missa por ti.
É tão impossível receber um sacramento por outra pessoa como é impossível tomar alimento por ela. Não obstante, tua Comunhão será muito vantajosa ao próximo, porque todas as boas obras apagam parte da pena devida a teus pecados, vantagem que podes ceder a teu irmão: demais, a Comunhão, aumentando-nos a graça, torna a oração mais ardente e mais eficaz.
Observa, porém, que Jesus Cristo não instituiu a santa Missa somente pelo que a celebra, ou a assiste, mas também quer tenham os ausentes sua parte, e lhes é feita ao"Memento dos vivos": "Lembrai-vos Senhor", diz o sacerdote, "daqueles pelos quais vos oferecemos ou que vos oferecem este Sacrifício de louvor por si e por todos os seus".
Enfim, cada um pode despojar-se, em favor do próximo, dos méritos que adquire, ou dos tesouros satisfatórios que recebe no santo Sacrifício. Parece, pois, mais vantajoso ouvir a santa Missa por uma pessoa do que comungar por ela.
As palavras persuadem, os exemplos arrastam. Se nossas instantes exortações ainda não te convenceram, citar-te-emos o exemplo dos Santos que, apesar dos numerosos e importantes trabalhos, colocavam a Missa acima das ocupações.
Santo Agostinho refere de sua mãe, santa Mônica, que não deixava passar um dia sem assistir ao santo Sacrifício, tanto estimava o valor desta oblação, cuja virtude salutar apaga os vestígios de nossas faltas. Sentindo-se morrer longe da pátria, recomendava ao filho que não lhe fizesse exéquias pomposas, porém que levasse cada dia, sua lembrança ao altar.
Santa Hediviges, duquesa da Polônia, ouvia, todos os dias, várias Missas, e, quando não se achavam bastantes sacerdotes na corte, mandava chamar os outros para satisfazer a devoção.
São Luis, rei de França, assistia a duas Missas, às vezes até a quatro. As pessoas de sua comitiva o criticavam, achando que o rei devia antes ocupar-se dos negócios do governo. O Santo, porém, respondia-lhes: "Admira-me tanta inquietação. Se empregasse o duplo deste tempo no jogo, ou na caça, ninguém me criticaria". Excelente resposta que, não somente serve aos cortesãos de Luís IX, mas a nós todos.
Quando, em dia útil, nos aconteceu assistir a muitas Missas, parecem prejudicados nossos negócios?... Entretanto, passamos, sem escrúpulo, horas inteiras a falar, a jogar, a comer, a dormir, mesmo a enfeitar-nos! Que cegueira, pois!
Citamos acima o rei da Inglaterra, Henrique I, a quem o peso dos negócios do Estado nunca impedia de ouvir três Missas, cada dia. Numa entrevista com o rei de França, os dois príncipes vieram a falar em questões religiosas. "Julgo, observou o último, que a assiduidade ao sermão é preferível à da Missa" - "Por mim, retorquiu Henrique, prefiro olhar para meu Amigo divino a ouvir celebrar-lhe os louvores".
É também nossa opinião, caro leitor, sem querermos menosprezar a utilidade das instruções religiosas.
São Venceslau, duque da Boêmia, dava os mesmos exemplos. Refere-se, na sua vida, que durante a assembléia nacional dos Estados da Alemanha, em Worms, o imperador Óton convocou, um dia, todos os príncipes para uma hora matutina.
Todos aí se acham pontualmente, exceto Venceslau que fora à Missa, antes de ir à assembléia. O soberano disse em tom de impaciência: "Comecemos os trabalhos e, quando Venceslau vier, ninguém se levante para dar-lhe lugar". Entretanto, terminada a santa Missa, o duque chegou ao palácio. O imperador o viu entrar acompanhado de dois Anjos que lhe condecoravam o peito com uma cruz de ouro. Imediatamente deixou o trono, foi-lhe ao encontro e abraçou-o com ternura.
A assembléia teve um movimento de surpresa ao ver Óton ser o primeiro a contradizer as próprias ordens. Este, porém, desculpou-se, dizendo: "Vi dois Anjos que acompanhavam o duque, como teria eu ousado não lhe render esta honra?". Alguns dias depois, Venceslau era investido do poder real e coroado rei da Boêmia.
O célebre escritor Barônio relata que o imperador Lotário assistia, cada manhã, a três Missas, mesmo no acampamento. E Súrio afirma que Carlos V não faltou a santa Missa senão uma única vez, por ocasião de uma guerra na África.
O Breviário Romano nos faz admirar a ardente devoção de São Casimiro durante o Ofício solene, ao qual assistia todos os dias. Sua alma abrasava-se de tamanho amor de Deus, que parecia não estar mais sobre a terra.
O heróico confessor da fé, Tomás Mourus, que deu a vida por Jesus Cristo em 1535, tinha em alta estima a santa Missa. Por urgentes que lhe fossem os negócios de chanceler do império britânico, não deixava de assisti-la, cada manhã. Uma vez, enquanto orava ao pé do altar, durante o santo Sacrifício, um mensageiro veio, a toda a pressa, dizer-lhe que o rei o chamava: "Paciência, disse-lhe; devo, em primeiro lugar, prestar minhas homenagens a um príncipe maior, e assistir, até o fim, à audiência divina".
Meu Deus, que diremos, que desculpas apresentaremos no dia do juízo, nós que negligenciamos a santa Missa pelas ocupações, muitas vezes, insignificantes, ao passo que personagens encarregados dos negócios de reinos inteiros, achavam o tempo necessário para ouvir, cada dia, uma ou mais Missas?!
Não digas: "Deus não me condenará por ter deixado de ouvir a santa Missa em dias úteis, desde que é obrigatório somente aos domingos e dias de festa". Sem dúvida, Deus não tratará esta omissão como transgressão positiva; porém, far-te-á expiar este descuido, em seu santo serviço. O servo preguiçoso que foi lançado nas trevas extremas, não havia desperdiçado nem perdido, no fogo, o talento que o dono lhe havia confiado: tinha somente enterrado e foi condenado, por se ter descuidado de utilizá-lo. Toma cuidado que Deus não proceda assim contigo. Viu-se muitas vezes, com que rigor Deus pune a indiferença a respeito do santo Sacrifício.
Quanto aos pais que impedem os filhos de assistirem à santa Missa, em dia de domingo, ou de festa, bem poderiam incorrer no castigo de Gerôncia, mãe de Santa Genoveva. Um dia de festa que ela pretendia proibir à filha ir à Missa, Genoveva lhe disse com firmeza: "Minha mãe, não posso, em consciência, faltar à Missa, hoje: prefiro descontentar-vos a descontentar a meu Deus". Irritada com esta resposta, Gerôncia esbofeteou-a, chamando-a desobediente. O castigo de Deus, porém, não se fez esperar. Gerôncia cegou imediatamente e não recuperou a vista senão dois anos depois, devido às orações da piedosa filha.
Os pais e as mães de família têm obrigação de mandar à santa Missa não só os filhos, como também os criados; devem cuidar deles na igreja e exortá-los a terem grande respeito, para o santo Sacramento. O Apóstolo São Paulo prescreve-o claramente: "Se alguém, diz ele, não toma cuidado dos seus e, particularmente, dos de sua casa, renunciou à fé e é pior do que um infiel" (Tim. 5, 3). A palavra "cuidado" significa, segundo São João Crisóstomo, a conservação da alma assim como do corpo. Ora, se um pai de família deixasse de fornecer ao filho e às pessoas de sua casa alimento e vestuário, seria, aos olhos de Deus, pior do que um infiel. E não será mais desprezível ainda o que não se inquieta da salvação eterna dos seus?
Patrões cristãos, prestai atenção à maneira pela qual cumpris os deferes a este respeito. Deixai toda a liberdade a vossos empregados para ir à Missa, quando a proximidade da Igreja e a hora matutina lhes fornecem a facilidade? Não pareceis dizer com a vossa atitude: "Não é a Deus, mas a mim a quem deveis servir, porque não é Deus, sou eu quem vos paga; trabalhareis, pois, toda a semana para mim somente?" Na verdade, tais cristãos são piores que os pagãos, mas saberão, à hora da morte, a enormidade de seu pecado.
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