Blog Alma Missionária

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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013


TERÇA-FEIRA, 5 DE FEVEREIRO DE 2013

Da Unidade da Igreja Católica - São Cipriano de Cartago [Parte 1]


Capítulo I - Vigiai, o inimigo vem disfarçado

1. "Vós sois o sal da terra" (Mt 5,3), diz o Senhor, e ainda nos recomenda que sejamos simples pela inocência e prudentes na simplicidade [Mt 10,16]. Nada pois é mais importante para nós, irmãos diletíssimos, quanto vigiar com todo o cuidado para descobrir logo e, ao mesmo tempo, compreender e evitar as ciladas do inimigo traiçoeiro. Sem isso, embora sejamos revestidos de Cristo [Rom 13,14; Gál 3,27], que é a Sabedoria de Deus Pai [1Cor 1,24], nos mostraríamos menos sábios na defesa da salvação.
2. De fato, não devemos temer só a perseguição e os vários ataques que se desencadeiam abertamente para arruinar e abater os servos de Deus. Quando o perigo é manifesto, a cautela é mais fácil. O nosso espírito está mais pronto para lutar contra um adversário abertamente declarado. É mais necessário ter medo e guardar-nos do inimigo que penetra às escondidas, e se vai insinuando oculta e tortuosamente com falsas imagens de paz. Bem lhe convém o nome de serpente! Essa foi sempre a sua astúcia, esse foi sempre o tenebroso e pérfido engano com que tenta seduzir o homem.

3. Já no começo do mundo mentiu e enganou as almas crédulas e ingênuas (dos nossos primeiros pais), acariciando-as com palavras falazes [Gên 3,1ss] . Igualmente ousou tentar a Cristo, nosso Senhor, e se aproximou dele insinuando, disfarçando, mentindo. Foi contudo desmascarado e repelido. Desta vez, foi derrotado porque foi reconhecido e descoberto [Mt 4,1ss].

Capítulo II - Acima de tudo, cumprir os mandamentos de Cristo

1. Sirvam-nos estes exemplos. Evitemos o caminho do homem velho, para não cair no laço da morte. Sigamos as pisadas de Cristo vencedor, para que, usando cautela diante do perigo, alcancemos a verdadeira imortalidade.

2. Mas, como poderíamos chegar à imortalidade, sem observar os mandamentos de Cristo? São eles os únicos meios para combater e vencer a morte. Ele nos avisa: "Se queres chegar à vida, observa os mandamentos" (Mt 19,17), e, de novo: "Se fizerdes o que vos mando, já não vos chamarei servos, mas amigos" (Jo 15,15).

3. Esses são os que ele diz serem fortes e firmes. Esses têm fundamento sólido na pedra, e gozam de inabalável resistência contra todas as tempestades e as rajadas do século. "Quem ouve as minhas palavras - diz ele - e as cumpre é semelhante ao homem sábio que construiu a sua casa sobre a pedra. Desceu a chuva, desabaram as correntes, sopraram os ventos, batendo contra aquela casa, e ela não caiu porque fora fundada na pedra" (Mt 7,25).

4. Devemos, pois, prestar atenção às suas palavras, devemos aprender e praticar o que ele ensinou e o que fez. Como poderia asseverar que acredita em Cristo aquele que não cumpre o que Cristo mandou? E como conseguirá o prêmio da fé aquele que recusa a fé no que foi mandado? Fatalmente ele irá vacilando, à ventura, e, arrastado pelo espírito do erro, será varrido como pó agitado pelo vento.

5. Nunca poderão conduzir à salvação os passos daquele que não adere à verdade da única via que salva.

Capítulo III - O demônio é o autor dos cismas

1. Devemos pois guardar-nos, irmãos caríssimos, não só dos males que aparecem claramente como tais, mas também, como já disse, daqueles que nos enganam pela sutileza da astúcia e da fraude.

2. Pois bem, vede agora a que ponto chega a astúcia e a sutileza do inimigo. Veio Cristo ao mundo. Veio a luz para os povos e resplandeceu para a salvação dos homens [Lc 2,32]. Com isto ficou descoberto e derrotado o antigo adversário. Os surdos abrem os ouvidos às graças espirituais, os cegos abrem os olhos a Deus, os enfermos ficam são ao ganhar a saúde eterna, os coxos correm à Igreja, os mudos soltam as suas línguas na oração [Mt 11,5; Lc 7,22]. Aumenta dia a dia o povo fiel, abandonam-se os velhos ídolos, tornam-se desertos os seus templos.

3. Então, o que faz o malvado? Inventa nova fraude para enganar os incautos com o próprio título do nome cristão. Introduz as heresias e os cismas para derrubar a fé, para contaminar a verdade e dilacerar a unidade. Assim, não podendo mais segurar os seus na cegueira da antiga superstição, os rodeia, os conduz ao erro por novos caminhos. Rouba à Igreja os homens e, fazendo-lhes acreditar que alcançaram a luz e se subtraíram à noite do século, envolve-os ainda mais nas trevas: não observam a lei do Evangelho de Cristo e se dizem cristãos, andam na escuridão e pensam que possuem a luz, nisto são iludidos e lisonjeados pelo adversário, que, como diz o Apóstolo, "se transfigura em anjo de luz" (2Cor 11,14).

4. Disfarça seus ministros em ministros de justiça, ensina-lhes a dar à noite o nome de dia, à perdição o nome de salvação, ensina-lhes a propalar o desespero e a perfídia sob o rótulo da esperança e da fé, a apregoar o Anticristo com o nome de Cristo. Mestres na arte de mentir, diluem com as suas sutilezas toda a verdade.

5. Isto acontece, irmãos caríssimos, porque não se bebe à fonte mesma da verdade, não se busca aquele que é a Cabeça, nem se observam os ensinamentos do Mestre celestial.

Capítulo IV - "Tu és Pedro, e sobre esta pedra..."

1. Quem presta atenção a estes ensinamentos não precisa de longo estudo, nem de muitas demonstrações. A prova da nossa fé é fácil e compendiosa.

2. Assim fala o Senhor a Pedro: "Eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas dos infernos não a vencerão. Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus e tudo o que ligares na terra será ligado também nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado também nos céus" (Mt 16,18-19).

3. Sobre um só edificou a sua Igreja. Embora, depois da sua ressurreição, tenha comunicado igual poder a todos os Apóstolos, dizendo: "Como o Pai me enviou, eu vos envio a vós. Recebei o Espírito Santo, a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados, a quem os retiverdes ser-lhe-ão retidos" (Jo 20,21-23), todavia, para tornar manifesta a unidade, dispôs com a sua autoridade que a origem da unidade procedesse de um só.

4. É verdade que os demais Apóstolos eram o mesmo que Pedro, tendo recebido igual parte de honra e de poder, mas a primeira urdidura começa pela unidade a fim de que a Igreja de Cristo aparecesse uma só.

5. O Espírito Santo, falando na pessoa do Senhor, designa esta Igreja única quando diz no Cântico dos Cânticos: "Uma só é a minha pomba, a minha perfeita, única filha da sua mãe e sem igual para a sua progenitora" (Cânt 6,9).

6. Aquele que não guarda esta unidade poderá pensar que ainda guarda a fé? Aquele que resiste e faz oposição à Igreja poderá confiar que ainda está na Igreja?

7. Paulo apóstolo inculca o mesmo ensinamento e mostra o sacramento da unidade, dizendo: "Um só corpo e um só espírito, uma é a esperança da vossa vocação, um Senhor, uma fé, um Batismo, um só Deus" (Ef 4,4-5).

8. E, depois da ressurreição, diz ao mesmo: "Apascenta as minhas ovelhas" (Jo 21,17). Sobre ele só constrói a Igreja e lhe manda que apascente as suas ovelhas. Embora comunique a todos os Apóstolos igual poder, todavia institui uma só cátedra, determinando assim a origem da unidade.

9. É verdade que os demais [Apóstolos] eram o mesmo que Pedro, mas o primado é conferido a Pedro para que fosse evidente que há uma só Igreja e uma só cátedra. Todos são pastores, mas é anunciado um só rebanho, que deve ser apascentado por todos os Apóstolos em unânime harmonia.

10. Aquele que não guarda esta unidade, proclamada também por Paulo, poderá pensar que ainda guarda a fé? Aquele que abandona a cátedra de Pedro, sobre o qual foi fundada a Igreja, poderá confiar que ainda está na Igreja?

Capítulo V - A Igreja única e universal: muitos são os raios, uma a luz...

1. Esta unidade devemos guardar e exigir com firmeza, especialmente nós, bispos, que na Igreja presidimos, para dar prova de que o episcopado também é um e indiviso. Ninguém engane os irmãos com mentiras, ninguém corrompa a pureza da fé com pérfidos desvios.

2. Uma só é a ordem episcopal e cada um de nós participa dela completamente. Mas a Igreja também é uma, embora, em seu fecundo crescimento, se vá dilatando numa multidão sempre maior.

3. Assim muitos são os raios do sol, mas uma só é a luz, muitos os ramos de uma árvore, mas um só é o tronco preso à firme raiz. E quando de uma única nascente emanam diversos riachos, embora corram separados e sejam muitos, graças ao copioso caudal que recebem, todavia permanecem unidos na fonte comum.

4. Se pudéssemos separar o raio do corpo do sol, na luz assim dividida já não haveria unidade. Quando se quebra um ramo da árvore, o ramo quebrado já não pode vicejar. Se separamos um regato da fonte, ele secará.

5. Igualmente a Igreja do Senhor, resplandecente de luz, lança seus raios no mundo inteiro, mas a sua luz, difundindo-se em toda a parte, continua sendo a mesma e, de modo nenhum, é abalada a unidade do corpo.

6. Na sua exuberante fertilidade, estende os seus ramos em toda a terra, derrama as suas águas em vivas torrentes, mas uma só é a cabeça, uma a fonte, uma a mãe, tão rica nos frutos da sua fecundidade. Do parto dela nascemos, é dela o leite que nos alimenta, dela o Espírito que nos vivifica.

Capítulo VI - Única Esposa de Cristo: não pode ter Deus por Pai, quem não tem a Igreja por mãe

1. A Esposa de Cristo não pode tornar-se adúltera, ela é incorruptível e casta [Cf Ef 5,24-31]. Conhece só uma casa, observa, com delicado pudor, a inviolabilidade de um só tálamo. É ela que nos guarda para Deus e torna partícipes do Reino os filhos que gerou.

2. Aquele que, afastando-se da Igreja, vai juntar-se a uma adúltera, fica privado dos bens prometidos à Igreja. Quem abandona a Igreja de Cristo não chegará aos prêmios de Cristo. Torna-se estranho, torna-se profano, torna-se inimigo.

3. Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Como ninguém se pôde salvar fora da arca de Noé, assim ninguém se salva fora da Igreja [nota: aqui Cipriano fala dos obstinados que, conhecendo a verdade, insistem, por ódio ou comodismo pagão, em se apartar da Igreja de Cristo].

4. O Senhor nos alerta e diz: "Quem não está comigo está contra mim, quem comigo não recolhe, dissipa" (Mt 12,30). Quem rompe a paz e a concórdia de Cristo trabalha contra Cristo. Quem faz colheita alhures, fora da Igreja, esse dissipa a Igreja de Cristo.

5. Diz ainda o Senhor: "Eu e o Pai somos um" (Jo 10,30), e do Pai, do Filho e do Espírito Santo está escrito: "Estes três são um" (1Jo 5,7). Como poderá alguém pensar que esta unidade da Igreja, decorrente da própria firmeza da unidade divina, e tão conforme com este celeste mistério, pode ser rompida e sacrificada ao arbítrio de vontades opostas? Quem não observa esta unidade não observa a lei de Deus, não observa a fé do Pai e do Filho, não possui nem a vida, nem a salvação.

Capítulo VII - A túnica inconsútil de Cristo

1. Este sacramento da unidade, este vínculo de concórdia inviolada e sem rachadura, é figurado também pela túnica do Senhor Jesus Cristo. Como lemos no Evangelho, ela não foi dividida, nem, de modo algum, rasgada, mas sorteada. Isto quer dizer que quem toma a veste de Cristo e tem a dita de se revestir do próprio Cristo [Rom 13,14; Gál 3,27], deve receber a sua túnica toda inteira e possuí-la intacta e sem divisão.

2. Diz a divina Escritura: "Quanto à túnica, visto que, desde a parte superior, era feita de uma única tecedura, sem costura alguma, disseram: não a dividamos, mas lancemos-lhe a sorte para ver a quem toca" (Jo 19,23-24). A unidade da túnica derivava da sua parte superior - em nosso caso, do céu e do Pai celeste. Aquele que a recebia e guardava não podia rasgá-la de modo nenhum, de fato ela era resistente e sólida por ser constituída de um modo inseparável.

3. Não pode possuir a veste de Cristo aquele que rasga e divide a Igreja de Cristo.

4. O contrário aconteceu à morte de Salomão, quando o seu reino e o povo deviam ser divididos. O profeta Aías, indo ao encontro do rei Jeroboão no campo, cortou o seu manto em doze partes, dizendo: "Toma para ti dez partes, porque assim diz o Senhor: eis que eu divido o reino da mão de Salomão, a ti darei dez cetros e dois ficarão para ele, por causa do meu servo Davi e de Jerusalém, a cidade eleita em que eu pus o meu nome" (1Rs 11,30-36). Para separar as doze tribos de Israel, o profeta dividiu O seu manto.

5. Mas o povo de Cristo não pode ser dividido, e por isso a sua túnica, que era um todo feito de uma só tecedura, não foi dividida por aqueles que a deviam possuir. Ficando uma só, bem firme na sua contextura, ela mostra a união e a concórdia do nosso povo, isto é, daqueles que são revestidos de Cristo. Por este sinal sagrado da sua veste, proclamou ele a unidade da Igreja.

Capítulo VIII - Figuras do Antigo Testamento: Raabe, o cordeiro pascal

1. Portanto quem será tão celerado e pérfido, tão louco pelo furor da discórdia, para pensar como possível ou até para ousar romper a unidade de Deus, a veste do Senhor, a Igreja de Cristo?

2. Ainda uma vez nos avisa ele no Evangelho dizendo: "E haverá um só rebanho e um só pastor" (Jo 10,16). E como se pode pensar que, num mesmo lugar, existam muitos pastores e muitos rebanhos?

3. O apóstolo Paulo, por sua vez, inculcando esta mesma unidade, suplica e exorta: "Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos digais as mesmas coisas e não se dêem cismas entre vós. Sede unidos no mesmo sentimento e no mesmo pensamento" (1Cor 1,10) E de novo: "Sustentando-vos mutuamente no amor, esforçando-vos por conservar a unidade do Espírito na união da paz" (Ef 4,2-3).

4. Achas tu que alguém pode afastar-se da Igreja, fundar, a seu arbítrio, outras sedes e moradias diversas e ainda perseverar na vida? Ouve o que foi dito a Raabe, na qual era prefigurada a Igreja: "Recolhe teu pai, tua mãe, teus irmãos e toda a tua família junto de ti, na tua casa, e qualquer um que ouse sair fora da porta da tua casa, será ele próprio culpado da sua perda" (Jos 2,18-19).

5. Igualmente o sacramento da Páscoa [antiga], como lemos no Êxodo, exigia que o cordeiro, morto como figura de Cristo, fosse comido numa só casa. Eis as palavras de Deus: "Seja comido numa só casa, não jogueis fora da casa carne alguma dele" (Ex 12,46). A carne de Cristo, o Santo do Senhor [Nota: "Sanctum Domini" O Santo do Senhor - era como os primeiros cristãos chamavam a Eucaristia - O Corpo e Sangue de Cristo Jesus], não pode ser jogado fora. Para os que nele creem  não há outra casa a não ser a única Igreja.

6. O Espírito Santo anuncia e significa esta casa, esta morada da união dos corações, dizendo nos salmos: "Deus faz habitar na casa aqueles que são unânimes" (Sl 67,7). Na casa de Deus, na Igreja de Cristo, os moradores são unidos e perseveram na concórdia e na simplicidade.

Capítulo IX - A pomba, exemplo de sociabilidade e concórdia

1. Por isto também o Espírito Santo desceu em forma de pomba [Mt 3,16; Mc 1,10], animal simples e alegre, sem amargura alguma de fel, incapaz de se enfurecer; não morde, não arranha com as unhas. Prefere as moradias dos homens e gosta de habitar numa mesma casa. Quando criam, as pombas cuidam dos filhotes juntamente, quando viajam, voam pertinho umas das outras. Passam o tempo em tranquilos arrulhos, manifestam a concórdia e a paz beijando-se no rosto. Enfim, em todas as coisas seguem a lei da boa harmonia.

2. Esta é a simplicidade que deve reinar na Igreja, essa a caridade que devemos realizar: o amor fraternal imite as pombas, a mansidão e a brandura sejam iguais às dos cordeiros e das ovelhas.

3. Como podem estar no coração de um cristão a ferocidade dos lobos, a raiva dos cães, o veneno mortífero das serpentes ou a crueldade sanguinária das feras?

4. Devemos alegrar-nos quando os que têm esses sentimentos se separam da Igreja. Assim as pombas e as ovelhas de Cristo não serão contagiadas pela sua maldade e pelo seu veneno. Não podem conciliar-se e juntar-se amargura e doçura, trevas e luz, chuva e céu sereno, guerra e paz, esterilidade e fecundidade, secura e manancial, tempestade e bonança.

5. Não acreditem que os bons possam deixar a Igreja: não é o trigo que o vento carrega, o furacão não arranca as árvores que têm sólidas raízes. Ao contrário são as palhas vazias que a tormenta agita, são as árvores vacilantes que a força dos turbilhões abate. Contra esses o apóstolo S. João manifesta a sua repulsa, dizendo: "Saíram do nosso meio, mas não eram dos nossos. Se tivessem sido dos nossos, sem dúvida teriam ficado conosco" (1Jo 2,19).

Capítulo X - Origem e maldade das heresias

1. A origem de onde nasceram freqüentemente e continuam nascendo as heresias é a seguinte: há mentes perversas e sem paz, que, discordando em sua perfídia, não podem suportar a unidade. O Senhor, por seu lado, respeita a liberdade do arbítrio humano, permite e tolera que isto aconteça, a fim de que o crisol da verdade purifique os nossos corações e as nossas mentes, e, na provação, resplandeça com luz inequívoca a integridade da fé.

2. O Espírito Santo nos previne, por meio do Apóstolo: "Convém que haja heresias para que entre vós se tornem manifestos os que resistem à prova" (1Cor 11,19). Assim, aqui mesmo, antes do dia do juízo, são divididas as almas dos justos e dos perversos e as palhas são separadas do trigo.

3. Esses são os que, por própria iniciativa e sem chamamento divino, se põem a encabeçar temerários grupinhos. Contra toda a lei da ordenação, se constituem superiores e, sem que ninguém lhes dê o episcopado, se atribuem a si mesmos o nome de bispos. A eles faz alusão o Espírito Santo, no Salmo, falando dos que estão sentados em cátedras de pestilência, porque são peste infecciosa da fé. Mestres na arte de corromper a verdade, eles enganam com bocas de serpente, vomitando de suas línguas pestilentas peçonhas mortíferas. Os seus discursos brotam como chaga cancerosa, o trato com eles deixa no fundo de cada coração um veneno mortal.

Capítulo XI - O Batismo cismático

1. Contra esses homens brada o Senhor, para afastar ou retirar deles o seu povo desviado: "Não escuteis os sermões dos pseudoprofetas, porque vivem iludidos pelas alucinações do seu coração. Falam, mas não as palavras do Senhor. Aos que rejeitam a palavra de Deus dizem eles: tereis a paz, vós e todos os que andam segundo as próprias vontades. Não virá mal algum, ainda sobre aqueles que seguem os erros do próprio coração. Eu não lhes falei e eles vão profetando. Se tivessem atendido ao meu conselho, ouvido as minhas palavras e as tivessem ensinado ao meu povo, eu os teria convertido dos seus perversos pensamentos" (Jer 23,16-22).

2. E de novo fala deles o Senhor: "Abandonaram a mim, que sou a fonte da água viva, e escavaram para si covas escuras, que nem podem dar água" (Jer 2,13 [Nota: Tradução literal do texto latino antigo. As versões tiradas do hebraico dizem: "cisternas fendidas, que não retêm a água"]).

3. Enquanto não pode haver senão um Batismo, eles pensam que podem batizar. Abandonaram a fonte da vida e ainda prometem a graça da água que dá a vida e a salvação. Lá os homens não são purificados, mas, ao contrário, mais poluídos. Lá os pecados não são perdoados, mas, antes, aumentados. Aquele nascimento não gera filhos para Deus, mas para o demônio.

4. Os que pretendem nascer por meio da mentira não recebem absolutamente as promessas da verdade. Gerados pela perfídia, não alcançam a graça da fé. Aqueles que, no delírio da discórdia, quebraram a paz do Senhor, não podem chegar ao prêmio da paz.

Capítulo XII - "Onde dois ou três..." (Mt 18,20)

1. Alguns se enganam a si mesmos com uma presunçosa interpretação das palavras do Senhor, que disse: "Onde quer que se encontrem dois ou três reunidos em meu nome, eu mesmo estou com eles" (Mt 18,20).

2. São falsificadores do Evangelho e intérpretes mentirosos. Apegam-se ao que é dito depois, esquecendo o que foi dito antes, lembram-se de uma parte da frase e, astutamente, deixam do lado a outra. Assim como eles se separaram da Igreja, do mesmo modo truncam o sentido de uma única sentença.

3. De fato, o que queria dizer nosso Senhor? Para inculcar aos seus discípulos a união e a paz, diz ele: "Eu vos afirmo que, se dois de vós concordarem na terra em pedir qualquer coisa, ela lhes será outorgada por meu Pai que está nos céus" (Mt 18,19). E continua: "Onde quer que se encontrem dois ou três reunidos em meu nome, eu mesmo estou com eles", mostrando que o que mais vale na oração não é o número dos que oram, mas a sua união de espírito.

4. "Se dois de vós concordarem na terra", diz ele. Antes exige a união, põe na frente a paz: o seu primeiro e mais firme preceito é que entre nós haja acordo. E como poderá estar de acordo com alguém aquele que está em desacordo com o corpo da Igreja e a totalidade dos irmãos?

5. Como poderão estar reunidos dois ou três em nome de Cristo, se é patente que estão separados de Cristo e do seu Evangelho? De fato não somos nós que nos apartamos deles, mas eles de nós. E quando, em seguida, formando entre si vários grupos, deram origem a heresias e cismas, abandonaram a cabeça e a fonte da verdade.

6. O Senhor quer falar da sua Igreja e dirige aquelas palavras àqueles que estão na Igreja, dizendo que, se dois ou três deles estiverem concordes, como ele ensinou e mandou, e se reunirem em um só espírito para rezar, embora sejam só dois ou três, impetrarão da majestade de Deus o que pedem.

7. "Onde quer que se encontrem reunidos em meu nome dois ou três, eu mesmo estou com eles", quer dizer com os simples, com os pacíficos, com os que temem a Deus e observam os seus preceitos. Com esses, ainda que não fossem mais do que dois ou três, prometeu que estaria, assim como esteve com os três jovens na fornalha ardente, e, porque permaneciam simples com Deus e unidos entre si, até no meio das chamas, os animou com uma brisa de orvalho (Dan 3,50).

8. Do mesmo modo esteve presente aos dois Apóstolos encerrados na cadeia, porque eram simples e unânimes. Ele mesmo abriu as portas do cárcere e os conduziu de novo à praça para que pregassem à multidão a palavra que tão fielmente anunciavam.

9. Por conseguinte, quando o Senhor coloca entre os seus preceitos estas palavras: "Onde quer que se encontrem dois ou três reunidos em meu nome, eu mesmo estou com eles", não quer separar os homens da Igreja, pois ele mesmo instituiu e formou a Igreja, mas ao contrário, repreendendo os pérfidos pela discórdia e encarecendo, com a sua própria voz, a paz aos fiéis, quer mostrar que ele está mais com dois ou três que oram unânimes, do que com muitos que oram na dissidência, e que obtém mais a prece concorde de poucos que a oração sediciosa de muitos.

Capítulo XIII - Não achará a Deus propício quem não está em paz com o irmão

1. Por isto, quando ensinou o modo de orar, acrescentou: "Quando estiverdes em pé para orar, perdoai, se por acaso tendes mágoa contra alguém, a fim de que o vosso Pai que está nos céus vos perdoe também os pecados" (Mc 11,25). E se alguém vier ao sacrifício, estando de mal com alguém, ele o afasta do altar e ordena que, antes, se ponha de acordo com o irmão, e só depois volte em paz para oferecer a Deus a sua dádiva [Cf Mt 5,24].

2. Deus não olhou aos presentes de Caim [Gên 4,5], porque aquele que, pelo rancor da inveja, não tinha paz com o irmão, não podia encontrar a Deus propício.

3. Que espécie de paz podem pretender os inimigos dos irmãos? Que sacrifício pensam eles oferecer, enquanto não são que rivais dos sacerdotes? Julgam que Cristo esteja presente nas suas reuniões, enquanto se reúnem fora da Igreja de Cristo?
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Continua na Parte 2...

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