MEU AQUI COM DEPOIS
Esta parte do meu eu que se chama corpo não existe sem mim e não existirá sem mim. Quando meu eu morrer para este mundo meu corpo parará de respirar e o sangue não mais circulará por ele. Mas eu sobreviverei ao meu corpo. Então, eu não sou meu corpo. Agora, porém, mesmo sendo meu eu mais do que meu corpo, sobrevivo nele.
O fato de considerar meu corpo parte menos nobre do que meu eu, não é vilipêndio. Meu corpo é nobre. É meu sacrário. Mas não é sacrário vazio. Evidentemente faço parte dos que afirmam que os humanos são corpo e alma, mais alma do que corpo. Se cortarem minhas pernas não serei pessoa pela metade. Continuarei pessoa inteira. É que sou pessoa para além do meu corpo. Um sacrário vale pelo que cremos estar nele! Não fosse isso seria apenas uma caixinha de segredos.
Especialistas me questionam quando digo que sobreviverei ao meu corpo. Dizem que pratico dualidade. E estão certos, certíssimos. Pratico mesmo! Não sei o que eles pensam de si mesmos, mas eu sou esta contradição ambulante que não é apenas corpo, nem é apenas alma, e que um dia será alma sem corpo. Meu corpo não pensa. Eu sim. Por isso, desde que minha carne apareceu diabética, meu espírito, que supõe intelecto e vontade, decidiu que a carne não receberá os alimentos que a enfraqueceriam. No meu corpo manda minha pessoa que é mais do que ele e cujas decisões transcendem a ele. Não é isso que fazem os que se entregam a regimes? Um dia serei apenas espírito, porque minha carne que fez parte do meu eu estará apodrecida num túmulo.
Antigamente quando o sacerdote da minha igreja nos saudava desejando que o Senhor estivesse conosco, respondíamos desejando que ele também estivesse com o espírito do sacerdote. Hoje dizemos que ele está no meio de nós. A dualidade desapareceu apenas na frase, porque não há católico que não saiba, com Paulo de Tarso, que há uma divisão dentro de nós: a carne querendo uma coisa e o espírito querendo outra. Sou esta contradição, e, se não fosse, seria anjo. Anjo existe sem corpo! Não é o que a maioria das religiões afirma? Mas, um dia, serei como os anjos. Meu o corpo terá perdido a grande batalha do ser. A carne com seus impulsos e desejos terá achado seu lugar de repouso, mas eu prosseguirei. Minha carne é mortal, mas eu não; sou eviterno. Nunca mais acabarei, mesmo que meu corpo acabe.
Quando, pois, eu disser que meu espírito manda no meu corpo, pode apostar que é isso mesmo que quero dizer. Não dou o mesmo valor aos meus arrotos, à fome e à sede do meu corpo e à fome e sede da minha alma. Meu corpo é menos nobre. Me chame agostiniano, filie-me aos filósofos que quiserem, digam que não tenho cultura, que não conheço nem psicologia, nem antropologia; acusem-me de inculto dualista. Rotulem-me à vontade. Mas não dou e não darei ao meu corpo o mesmo status que dou à minha vontade e ao meu intelecto. E sei que meu amigo que amputou as duas pernas não ficou pessoa pela metade.
Como é o prédio no qual você mora? Vale pelo alicerce? Pelo acabamento? Pelo frontispício? Pelo seu todo? E nesse edifício, embora ele valha pelo seu todo, o que o caracteriza? O que o faz igual, mas diferente de todos os prédios do seu bairro? O que o faz diferente do prédio gêmeo e idêntico ao seu que o mesmo engenheiro construiu na rua mais em baixo? Se prédios não têm essência, o ser humano tem. O que você descartaria em você, sem com isso deixar de ser você? Quando descerem seu corpo ao túmulo você terá deixado de existir e de ser você? Ou você ainda existirá sem seu corpo? Que fé você segue? Que filósofo? Tudo acabará num “pfffffft” ou num “ai, não” ? Você acha que se reencarnará num outro corpo e numa outra era? Ou, com Paulo, acha que se vive apenas uma vez? Escolheu que mestre para explicar sua vida, suas dores e sua morte? Por não suportar as incongruências da fé que um dia seguiu você decidiu crer do seu jeito? E sei jeito lhe diz que você acabará de vez ou sobreviverá? Existe alguém maior do que você ou é tudo uma piada de mau gosto?
Sou dos tolos e sem cultura que acham que depois do “pffffffffft” ou do “ai, não” o ser humano continuará a existir como pessoa. Superei meu materialismo, mas creio não ter caído num espiritualismo triunfalista ou deslumbrado. Só sei que sou mais do que meu corpo e que ouso falar como se eu fosse mais do que este “toc toc toc” que, para bater 60 vezes por minuto, precisou de 100 miligramas por dia para controlar hipertensão. Minha alma é bem mais compassada e sofre menos sobressaltos do que minha carne.
Um dia, meu corpo não mais me hospedará. Pior para ele, porque eu prosseguirei sem ele. Se não acreditasse nisso, teria que ficar longe do púlpito e o do altar. Provavelmente estaria dando outro tipo de aulas em alguma escola e ensinando mecanismos de relações e de reações, tendências, profilaxias ou ataraxias. E todos me achariam culto. Mas como falo em alma e em vida terrena em função de um depois eterno há quem me olhe por sobre os óculos a perguntar de que século eu vim. Nasci no mesmo século em que pontificaram João XXIII, Paulo VI, João Paulo II, Madre Tereza de Calcutá, Jim Jones, Luther King, Mahatma Ghandi, e carrascos ou políticos voluntariosos como Hitler, Roosevelt, Truman, Stalin, Idi Amin, Pol Pot. Nasci no século em que foram jogadas duas bombas atômicas no Japão por governantes que liam a Bíblia e oravam a Jesus no Natal. Nasci no século dos kolkoses, dos gulags, de Treblinka e Dachau e vi o crescimento vertiginoso das esquerdas comunistas. Vi as milhões de mortes que elas e as direitas do mundo causaram em nome da liberdade, da democracia, da nova fraternidade e dos povos amantes da paz. Cresci sabendo desses genocídios e fiz a minha escolha. Acho que todos eles tiveram ou terão que enfrentar o seu depois. Não se mata tanta gente impunemente! Não foi fraqueza:: foi orgulho desmedido e loucura. Não acho que ficou tudo por isso mesmo.
Então resolvi crer que tanto os algozes como suas vítimas têm mais do que um corpo para prestar contas. Há uma eternidade à nossa espera. Eu vivo em função deste agora e deste depois. Meu coração de carne que agora faz toc toc toc mas que significa mais do que sístole e diástole porque é apenas uma bomba a dar vida para a pessoa que sou me diz a cada segundo sem enfarte que estou vivo para dar sentido ao meu hoje e ao meu amanhã e para ajudar s pessoas a acharem o seu sentido. Sem este sentido não se vive. Os ateus acharam um sentido no seu aqui sem depois. Eu achei no meu aqui com depois!
O fato de considerar meu corpo parte menos nobre do que meu eu, não é vilipêndio. Meu corpo é nobre. É meu sacrário. Mas não é sacrário vazio. Evidentemente faço parte dos que afirmam que os humanos são corpo e alma, mais alma do que corpo. Se cortarem minhas pernas não serei pessoa pela metade. Continuarei pessoa inteira. É que sou pessoa para além do meu corpo. Um sacrário vale pelo que cremos estar nele! Não fosse isso seria apenas uma caixinha de segredos.
Especialistas me questionam quando digo que sobreviverei ao meu corpo. Dizem que pratico dualidade. E estão certos, certíssimos. Pratico mesmo! Não sei o que eles pensam de si mesmos, mas eu sou esta contradição ambulante que não é apenas corpo, nem é apenas alma, e que um dia será alma sem corpo. Meu corpo não pensa. Eu sim. Por isso, desde que minha carne apareceu diabética, meu espírito, que supõe intelecto e vontade, decidiu que a carne não receberá os alimentos que a enfraqueceriam. No meu corpo manda minha pessoa que é mais do que ele e cujas decisões transcendem a ele. Não é isso que fazem os que se entregam a regimes? Um dia serei apenas espírito, porque minha carne que fez parte do meu eu estará apodrecida num túmulo.
Antigamente quando o sacerdote da minha igreja nos saudava desejando que o Senhor estivesse conosco, respondíamos desejando que ele também estivesse com o espírito do sacerdote. Hoje dizemos que ele está no meio de nós. A dualidade desapareceu apenas na frase, porque não há católico que não saiba, com Paulo de Tarso, que há uma divisão dentro de nós: a carne querendo uma coisa e o espírito querendo outra. Sou esta contradição, e, se não fosse, seria anjo. Anjo existe sem corpo! Não é o que a maioria das religiões afirma? Mas, um dia, serei como os anjos. Meu o corpo terá perdido a grande batalha do ser. A carne com seus impulsos e desejos terá achado seu lugar de repouso, mas eu prosseguirei. Minha carne é mortal, mas eu não; sou eviterno. Nunca mais acabarei, mesmo que meu corpo acabe.
Quando, pois, eu disser que meu espírito manda no meu corpo, pode apostar que é isso mesmo que quero dizer. Não dou o mesmo valor aos meus arrotos, à fome e à sede do meu corpo e à fome e sede da minha alma. Meu corpo é menos nobre. Me chame agostiniano, filie-me aos filósofos que quiserem, digam que não tenho cultura, que não conheço nem psicologia, nem antropologia; acusem-me de inculto dualista. Rotulem-me à vontade. Mas não dou e não darei ao meu corpo o mesmo status que dou à minha vontade e ao meu intelecto. E sei que meu amigo que amputou as duas pernas não ficou pessoa pela metade.
Como é o prédio no qual você mora? Vale pelo alicerce? Pelo acabamento? Pelo frontispício? Pelo seu todo? E nesse edifício, embora ele valha pelo seu todo, o que o caracteriza? O que o faz igual, mas diferente de todos os prédios do seu bairro? O que o faz diferente do prédio gêmeo e idêntico ao seu que o mesmo engenheiro construiu na rua mais em baixo? Se prédios não têm essência, o ser humano tem. O que você descartaria em você, sem com isso deixar de ser você? Quando descerem seu corpo ao túmulo você terá deixado de existir e de ser você? Ou você ainda existirá sem seu corpo? Que fé você segue? Que filósofo? Tudo acabará num “pfffffft” ou num “ai, não” ? Você acha que se reencarnará num outro corpo e numa outra era? Ou, com Paulo, acha que se vive apenas uma vez? Escolheu que mestre para explicar sua vida, suas dores e sua morte? Por não suportar as incongruências da fé que um dia seguiu você decidiu crer do seu jeito? E sei jeito lhe diz que você acabará de vez ou sobreviverá? Existe alguém maior do que você ou é tudo uma piada de mau gosto?
Sou dos tolos e sem cultura que acham que depois do “pffffffffft” ou do “ai, não” o ser humano continuará a existir como pessoa. Superei meu materialismo, mas creio não ter caído num espiritualismo triunfalista ou deslumbrado. Só sei que sou mais do que meu corpo e que ouso falar como se eu fosse mais do que este “toc toc toc” que, para bater 60 vezes por minuto, precisou de 100 miligramas por dia para controlar hipertensão. Minha alma é bem mais compassada e sofre menos sobressaltos do que minha carne.
Um dia, meu corpo não mais me hospedará. Pior para ele, porque eu prosseguirei sem ele. Se não acreditasse nisso, teria que ficar longe do púlpito e o do altar. Provavelmente estaria dando outro tipo de aulas em alguma escola e ensinando mecanismos de relações e de reações, tendências, profilaxias ou ataraxias. E todos me achariam culto. Mas como falo em alma e em vida terrena em função de um depois eterno há quem me olhe por sobre os óculos a perguntar de que século eu vim. Nasci no mesmo século em que pontificaram João XXIII, Paulo VI, João Paulo II, Madre Tereza de Calcutá, Jim Jones, Luther King, Mahatma Ghandi, e carrascos ou políticos voluntariosos como Hitler, Roosevelt, Truman, Stalin, Idi Amin, Pol Pot. Nasci no século em que foram jogadas duas bombas atômicas no Japão por governantes que liam a Bíblia e oravam a Jesus no Natal. Nasci no século dos kolkoses, dos gulags, de Treblinka e Dachau e vi o crescimento vertiginoso das esquerdas comunistas. Vi as milhões de mortes que elas e as direitas do mundo causaram em nome da liberdade, da democracia, da nova fraternidade e dos povos amantes da paz. Cresci sabendo desses genocídios e fiz a minha escolha. Acho que todos eles tiveram ou terão que enfrentar o seu depois. Não se mata tanta gente impunemente! Não foi fraqueza:: foi orgulho desmedido e loucura. Não acho que ficou tudo por isso mesmo.
Então resolvi crer que tanto os algozes como suas vítimas têm mais do que um corpo para prestar contas. Há uma eternidade à nossa espera. Eu vivo em função deste agora e deste depois. Meu coração de carne que agora faz toc toc toc mas que significa mais do que sístole e diástole porque é apenas uma bomba a dar vida para a pessoa que sou me diz a cada segundo sem enfarte que estou vivo para dar sentido ao meu hoje e ao meu amanhã e para ajudar s pessoas a acharem o seu sentido. Sem este sentido não se vive. Os ateus acharam um sentido no seu aqui sem depois. Eu achei no meu aqui com depois!
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