Os nativos daquela ilha viviam uma situação peculiar. Habitavam a parte montanhosa de seu espaço vital e só desciam à praia uma vez por dia, para buscarem o alimento.
Conta a lenda que a base da montanha, quase situava na estreita praia, era habitada por terríveis monstros marinhos. Quando a maré estava baixa, por pouco tempo, os monstros se afastavam e rodeavam a pequena ilha com uivos ameaçadores. Entretanto na maré baixa, os peixes que alimentavam os nativos pulavam na areia, o tempo exato de nova maré cheia, que sobrevinha ameaçadoramente naquele mar misterioso. Era então que os jovens da tribo, na plenitude de seu vigor, recolhiam apressadamente a dádiva dos alimentos e os levavam para cozinhar. Tudo era feito a uma enorme velocidade. Cabia aos velhos da tribo cuidar das refeições. E estes percorriam uma distância menor para cortarem lenha e prepararem o imenso fogão. O feiticeiro da tribo observava que, por mais rápido que os jovens recolhessem os alimentos, as refeições sempre atrasavam. Os jovens ficavam irados com a lentidão dos mais velhos e, estes, profundamente aborrecidos com o afoitamento dos mais jovens. E o feiticeiro pensava: "quando o trabalho é coletivo, torna-se importante harmonizar as potencialidades de seus membros". De que adianta correr, com todo o ímpeto da força, se a refeição só será servida no ritmo do mais fraco? E, assim, para todas as coisas. No esforço coletivo, há coisas que se conseguem com determinação e outras com experiência. Quando se divide um trabalho, não há porque exigir produtividade padronizada, que só beneficia alguns. Se cada qual ajustar, com sabedoria e compaixão, sua contribuição ao ritmo dos demais, então todos viverão como que numa sinfonia harmoniosa, com todos os acordes colaborando para a realização de uma verdadeira arte. Dizem que, com o tempo, o feiticeiro da tribo domesticou os monstros do mar e esses passaram a ajudar os nativos, como se fosse bestas de carga. Os monstros mais ágeis carregavam velozmente a lenha dos mais velhos e os monstros mas lentos carregavam enormes quantidades de peixes recolhidos pelos mais jovens. E os desempenhos se inverteram. A lenha era acendida mais cedo e, quando os peixes chegavam, a brasa ardia já se havia extinguido. Os mais velhos acusavam os mais jovens de lentidão. O feiticeiro devolveu os monstros ao mar e os membros da tribo, cada qual compreendendo as possibilidades e limites dos demais, optaram por um respeito ao princípio da realidade, que só se torna acessível àqueles que são capazes de enxergar o ponto de vista dos demais. José Tarcísio Amorim |
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