1. Prólogo
A Bíblia é um
livro difícil. Difícil porque é antigo, foi escrito por orientais, que têm uma
mentalidade bem diferente da greco-romana, da qual nós descendemos. Diversos
foram os seus escritores, que viveram entre os anos 1200 a.C. a 100 d.C. Isso,
sem contar que foi escrita em línguas hoje inexistentes ou totalmente
modificadas, como o hebraico, o grego, o aramaico, fato este que dificulta
enormemente uma tradução, pois muitas vezes não se encontram palavras
adequadas.
Outra razão para
se considerar a Bíblia um livro difícil é que ela foi escrita por muitas
pessoas, ás vezes até desconhecidas e em situações concretas as mais diversas.
Por isso, para bem entendê-la é necessário colocar-se dentro das situações
vividas pelo escritor, o que é de todo impraticável. Quando muito, consegue-se
uma aproximação metodológica deste entendimento.
Além do mais, a
Bíblia é um livro inspirado e é muito importante saber entender esta
inspiração, para haurir com proveito a mensagem subjacente em suas palavras.
Dizer que a Bíblia é inspirada não quer dizer que o escritor sagrado (ou
hagiógrafo) foi um mero instrumento nas mãos de Deus, recebendo mensagens ao
modo psicográfico. É necessário entender o significado mais próprio da
'inspiração' bíblica, assunto que será abordado na continuação.
Entre os
católicos, o interesse por conhecer a Bíblia praticamente começou após o
Concílio Vaticano II, ou seja, a partir dos anos '60, enquanto os Protestantes
há muito se interessam por estudá-la. Não quero adentrar aqui na histórica polêmica
religiosa que cerca a leitura e a interpretação da Bíblia, ressuscitando
vetustas divergências. Apenas vale salientar que uma série de enganos podem
advir de uma interpretação bíblica literal, porque uma interpretação ao
"pé da letra" não revela o sentido mais adequado de todas as
palavras.
Para que não
aconteça conosco incidir neste equívoco, devemos aprender a nos colocar na
situação histórica de cada escritor em cada livro, conhecer a situação social
concreta da sociedade em que ele viveu, procurar entender o que aquilo
significou no seu tempo e só então tentar aplicar a sua mensagem ás nossas
circunstâncias atuais.
1. O que é a
Bíblia?
Definição do
Concilio Vaticano II:
"A Bíblia é o
conjunto de livros que, tendo sido escritos sob a inspiração do Espirito Santo,
têm Deus como autor, e como tais foram entregues à Igreja".
TESTAMENTO (novo
ou antigo): é a tradução da palavra hebraica "berite" que significa a
aliança de Deus com o povo por Moisés. Na tradução dos 70 a palavra
"berite" foi traduzida por "diatheke", que em grego quer
dizer aliança, contrato, testamento.
OBS: A 'tradução
dos 70' é uma das versões mais antigas da Bíblia. Segundo a tradição, este
trabalho teria sido realizado por 70 sábios da antiguidade.
2. Quais as partes
que compõem a Bíblia?
A Bíblia se divide
em duas partes principais: o Antigo Testamento e o Novo Testamento. O Antigo
refere-se ao período anterior a Jesus Cristo e o Novo se refere ao período
cristão. Cada uma destas partes se compõe de diversos 'livros', escritos em
épocas históricas diferentes. A seguir, a relação dos livros com uma breve
referência ao conteúdo deles.
LIVROS DO ANTIGO
TESTAMENTO
1.
Pentateuco
(cinco primeiros livros: Gênesis, Êxodo, Levitico, Números, Deuteronômio)
2.
Josué
(narra a entrada do povo de Deus na Palestina)
3.
Juizes
(narra a conquista da Palestina)
4.
I e II
de Samuel (relatos da época de Saul e Davi, continuação da conquista)
5.
I e II
dos Reis (relatos sobre Salomão e seus sucessores)
6.
I e II
das Crônicas (continuação dos relatos sobre os outros Reis)
7.
I e II
dos Macabeus (continuação do período dos Reis)
8.
Livro de
Rute (faz alusão ao universalismo. Noemi era pagã e se inseriu no povo de
Deus).
9.
Livro de
Tobias, Livro de Judite, Livro de Ester (pertencem ao gênero de contos. São
livros do tempo do exílio, quando se apresentavam exemplos de abnegação ao povo
oprimido, convidando-os a suportar o sofrimento).
10.
Livro de
Isaías (cap.l a 39 são do próprio escritor; cap. 40 a 55 são de discípulos;
cap.56 a 66 são de outros escritores posteriores)
11.
Livro de
Jeremias (ditado por este a Baruc, seu secretário)
12.
Livro de
Ezequiel (um dos profetas maiores)
13.
Livro de
Daniel (tem um conteúdo apocalíptico )
14.
Livro de
Jó (do gênero conto, procura demonstrar que não só os bons são felizes. Tem por
objetivo combater uma idéia comum de que só os ricos eram os abençoados por
Deus).
15.
Livros
Sapienciais (Eclesiastes ou Qohelet; Eclesiástico ou Siráside; Provérbios,
Sabedoria e Cântico dos Cânticos). São reflexões de cunho acentuadamente
humanístico, aproveitamento do saber oriental.
16.
Livro
dos Salmos (coleção de cantos litúrgicos).
17.
Profetas
Menores: Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias,
Ageu, Zacarias, Malaquias (chamados menores não com relação à sua importância,
mas ao tamanho de seus escritos).
LIVROS DO NOVO
TESTAMENTO
1.
Evangelhos
sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas - têm muitas semelhanças entre si ).
2.
Evangelho
de João (maior desenvolvimento teórico, influência filosófica de época)
3.
Atos dos
Apóstolos (narram a missão dos apóstolos após a Ressurreição de Cristo)
4.
Epístolas
de Paulo (historicamente, os primeiros escritos do NT)
5.
Epístolas
Católicas (Pedro, Tiago, Judas): dirigidas a todos os fiéis, por isso,
universais.
6.
Apocalipse
(escrito por João, na base de códigos, símbolos).
2. Inspiração
Um dos principais
conceitos a ser examinado para uma melhor compreensão da Bíblia é o de
inspiração. O que significa dizer que os livros bíblicos são inspirados, de
onde vem esta inspiração, até que ponto o que é escrito representa a mensagem
de Deus ou do hagiógrafo (escritor sagrado)? Ao longo da história, os
estudiosos procuraram esclarecer este conceito básico e, é claro, sempre houve
divergências entre eles. Apresentamos aqui algumas reflexões sobre este
importante conceito.
Na inspiração
distinguimos dois aspectos: dogmático e especulativo.
O dogmático pode
ser expresso como resposta à pergunta: por que acreditamos que a Bíblia é um
livro inspirado? Isto não se pode provar pela própria Bíblia. Busca-se então
provar pelo fundamento histórico. Os evangelhos, por exemplo, são históricos.
Há uma tradição desde os tempos dos Apóstolos que cita a Escritura como
autoridade divina ( Mt 1, 22; Mt 22, 31; Mc 7,10; Jo 10, 35; At 1,16; Lc 22,
37; Heb 3, 7; 10,15 ). Em 2Tim 3,16, aparece pela primeira vez a palavra
'theopneustos', ou seja, inspirada por Deus.
O especulativo
pode ser expresso como resposta à pergunta: em que consiste a inspiração? Este
é mais complicado e será exposto com mais detalhes.
a) Modo da
inspiração
É muito discutido
o modo como se dá a inspiração do escritor sagrado. Bañez afirmou que era um
ditado. Mas em II Mac 2, 19-23, o autor se refere a um resumo de 5 livros em um
só, cujo resumo lhe custou "suores e noites de vigília". Como é que
foi um ditado se houve o esforço dele para elaborar a síntese? Do mesmo modo
Lucas (Lc l,1) escreve: "depois de haver diligentemente investigado tudo
desde o principio, resolvi escrever... ", logo não foi simplesmente um
'ditado' da parte de Deus.
Em reação à teoria
do ditado veio outra que disse o contrário: a inspiração é a aprovação que a
Igreja dá ao livro. O fato estar colocado no cânon é a garantia da própria
inspiração. Esta tese foi defendida por poucos e não teve grande aceitação nos
meios católicos.
O Cardeal
Franzelin propôs uma nova fórmula: nem tudo é de Deus nem tudo é do homem, mas
as idéias são de Deus e as palavras são do homem. Obteve um certo sucesso, mas
ainda não explicou de todo. Sto. Tomás de Aquino propusera a teoria da
"causa instrumental": são os dois ao mesmo tempo - Deus e o Homem.
Ambos estão presentes em toda a obra, Um é o autor principal e o outro o autor
secundário. A inspiração eleva, sublima as faculdades do autor. Pode até ser
admitida esta teoria, entretanto, convém lembrar que tudo que está na Bíblia é
inspirado, embora nem tudo seja revelado.
b) Funcionamento
psicológico da inspiração
Em II Mac,
conforme mencionado acima, o autor se refere a um resumo do livro que um certo
Jazão escreveu. De 5 volumes ele reduziu a um só. Como dizer que isto é palavra
inspirada por Deus, como se explica aí a inspiração divina?
Comecemos por
analisar as operações do intelecto: apreensão, juízo e raciocínio. Elas seguem
um grau de aprofundamento e refinamento do saber. Pode-se ter uma inspiração de
Deus logo no primeiro momento (na apreensão), como se pode ter depois, no juízo
ou também nos dois. Quando a inspiração é logo na apreensão, se diz
'revelação'. Quando, como no caso do II Mac, a apreensão é do autor, a
inspiração se dá no segundo momento, ou seja, no juízo, enquanto na apreciação
que ele faz da obra está sendo iluminado pelo Espírito Santo. Na confecção
destes livros, a questão da inspiração é que o autor estava iluminado pelo
Espirito Santo para dizer o fato corretamente, sem poder errar no julgamento.
Embora ele não esteja consciente disso, a ação do Espírito Santo está sendo
exercida no seu intelecto.
Mas, pode-se
questionar: como se sabe se ele foi ou não inspirado quando nem ele mesmo pode
perceber isso? Aí passa a ser uma questão de fé. Tenta-se explicar o fato, mas
não se afirma que seja assim. 0 discernir se o livro é ou não inspirado, dado o
que acontece com o autor, é alçada da Igreja, que também é inspirada pelo
Espírito Santo. É uma questão fundamentalmente de fé.
Por isso, para a
definição do livros autênticos, reconhecidos pela Igreja Católica, os Cânones
foram aprovados em Concílios, nos quais se discutiram certas dúvidas a respeito
de alguns livros, se eram ou não inspirados. Nas discussões, procurou-se ver na
historia da Igreja, desde os cristãos primitivos até aquela época, quais os
livros que durante os séculos sempre foram lidos nas Igrejas e, baseada no
consenso, ela constituiu o cânon. Sem dúvida, a tradição antiga é mais
fidedigna, pois está mais próxima dos tempos apostólicos.
Mas, voltando ao
conceito do juízo, ele pode ser especulativo ou prático. Especulativo quando
tem por fim o verdadeiro; prático guando tem por fim o bem. No caso de Jonas,
por exemplo, o juízo do autor não foi especulativo, mas prático. Jonas teve o
sonho em que Deus o mandava pregar em Nínive. Ora, raciocinou ele, Javé é Deus
de Israel, e não deve ser falado aos pagãos. Então tomou o navio para outro
lugar, e aí entra a história da baleia... A finalidade do autor era convencer a
todos que Javé era o Deus universal, contra uma certa corrente judia que negava
fato, ou melhor, não gostava da idéia.
Para se entender
cada página da Bíblia deve-se ter em mente a finalidade, a intenção do autor ao
escrever cada parte do livro. Não se pode abrir o livro em qualquer parte e ler
tudo com o mesmo espirito. Na antiga concepção de inspiração (ditado) não se
considerava este problema. Tudo que lá estava se acreditava "ao pé da
letra". Não se podia duvidar. Mas esta é hoje uma prática mais comum em
algumas igrejas protestantes, geralmente praticada por pessoas com
conhecimentos teológicos limitados e reducionistas.
Uma conseqüência
direta da inspiração é o dom da inerrância. Se o livro é inspirado, logo o que
contém é verdade. Porém esta verdade não está ali imediatamente evidente, ela
precisa ser alcançada pela reflexão animada pela fé, ou seja, a razão e a fé
ajudando-se mutuamente
Conhecendo a Bíblia Sagrada
3. Origem e Formação da Bíblia
1. Indícios e
evidências históricas
O período
histórico da formação da Bíblia situa-se entre 1100 a. C. ou 1200 a. C. a 100
d. C. Provavelmente, a mais antiga parte escrita da Bíblia é o Cântico de
Débora, que se encontra no livro dos Juízes (Jz, 5).
Quando os hebreus
chegaram a Canaã, já havia na terra um certo desenvolvimento literário, como
por exemplo, o alfabeto fenício (do qual se derivou o hebraico), que já existia
no século XIV a. C. Os judeus chegaram lá por volta do século XIII a.C. Outro
documento desta época é o calendário de Gezér, que data mais ou menos do ano
1000 a.C. É uma indicação de datas para uso dos agricultores. É o documento
mais antigo encontrado na Palestina. Outro documento também muito antigo é o
sarcófago do Rei Airam, que contém uma inscrição e foi encontrado nos séculos
XIV ou XV a. C., em Biblos. Há ainda umas tabuletas encontradas em Ugarit (em
1929), onde estão escritos uns poemas semelhantes aos salmos, datando dos
séculos XIV ou XV a. C.
Além destes, há
outros documentos provando que já havia uma escrita na Palestina, antes dos
hebreus chegarem lá. A inscrição do túmulo de Siloé (700 a. C.), explicando
como foi feito; os "óstracon", de Samaria, onde há uma espécie de
carta diplomática, são documentos que provam a continuidade de uma atividade
literária. Em Juizes 8,14, o autor descreve um acontecimento ocorrido mais ou
menos em 1100 a.C. E em que língua foi escrito este fato pela primeira vez, na
época em que aconteceu? Provavelmente no alfabeto fenício (pré-hebraico).
2. A tradição oral
e a tradição escrita
A parte mais
antiga da Bíblia remonta justamente deste tempo (1100 a.C.), quando a escrita
ainda não estava bem definida, e é oral. Desde este tempo já se fora criando
uma tradição, que existia oralmente e era transmitida aos novos pelos mais
velhos nas reuniões que havia nos santuários. Por este tempo, só eram relatados
os acontecimentos do deserto, do Sinai, da aliança de Deus com o povo. Mas os
jovens queriam saber o que havia acontecido antes disto. Então foram sendo
compostas as histórias dos Patriarcas. Mas, e antes deles, antes de Abraão?
Passaram à história da criação do mundo. Por isso, se afirma que a parte mais
antiga da Bíblia é o Cântico de Débora, no livro dos Juizes. A partir daí,
fez-se um retrospecto didático-histórico.
Como dissemos,
estas histórias iam sendo passadas oralmente de pai a filho, nos santuários.
Acontece que nem todos iam para os mesmos santuários, o que motivou a
existência de pequenas diferenças na catequese do norte e na do sul. A tradição
do sul foi chamada de JAVISTA (J), pois Deus era tratado sempre por Javé; a do
norte se chamou ELOISTA (E), porque Deus era tratado como Eloi.
A tradição oral
existiu até os tempos de Daví, quando foi escrita a tradição javista; meio
século depois, foi escrita também a eloista. Por volta de 721 a.C., na época,
da divisão dos reinos, quando Samaria foi destruída pelos assírios, muitos
sacerdotes do norte fugiram para o sul e levaram consigo a sua tradição. A
partir de então, as duas foram compiladas num só escrito.
Falamos das duas
tradições: uma do norte e outra do sul. Mas não existiam apenas estas duas, que
são as principais. Há ainda a DEUTERONOMICA (D), encontrada casualmente em 622
a. C. por pedreiros, que trabalhavam num templo. Corresponde ao livro
Deuteronômio da Bíblia atual. Após esta, surgiu a SACERDOTAL (P), nova
compilação das catequeses antigas de Israel, datada do século VI a.C. Ao fim,
estas quatro tradições foram combinadas entre si e compiladas em 5 volumes,
dando origem ao Pentateuco da Bíblia atual. Na tradição Javista, Deus é
antropomórfico. Na Sacerdotal, Deus é poderoso, está acima do tempo, o que
significa um progresso no conceito de Deus que o povo tinha. A redação do
Pentateuco se deu pelo ano 398 a.C. e compreendia a primeira parte da Bíblia
judaica.
A partir de Josué,
a tradição continuou oral, para ser escrita somente por volta de 550 a.C. E
foram escritas do modo como o povo contava. Por isso não se pode dar a mesma
importância histórica aos fatos descritos nestes livros em relação a outros
posteriores, pois alguns fatos narrados foram baseados na tradição popular,
enquanto que outros foram baseados em documentos de arquivos (anais do Reino).
Este é um grande desafio para os estudiosos e também uma fonte de divergências.
3. Os Intérpretes
- Profetas e Sábios
Durante muito
tempo, os profetas foram os orientadores do povo de Deus. Os livros proféticos
resumem os seus ensinamentos, e na sua maioria foram escritos só mais tarde,
por seus seguidores. Somente por volta do ano 200 a.C. é que foram redigidos os
livros proféticos. Os livros Sapienciais foram o resultado de um estilo
literário que esteve em moda durante muito tempo, na época posterior ao exílio.
São umas reflexões humanistico-religiosas. Passados os profetas, surgiram os
sábios que raciocinavam sobre as coisas da natureza, tirando delas ensinamentos
para a vida. Foram acrescentados aos livros sagrados nos últimos séculos a.C.,
sendo os mais recentes livros do AT.
4. A nova tradição
da era cristã
O NT não foi
escrito com a finalidade de ser acrescentado à Bíblia. No tempo de Cristo e dos
Apóstolos, o livro sagrado era apenas o AT. O próprio Jesus Cristo se baseava
nele em suas pregações. E Ele mandou apenas pregar, e não escrever. Foi quando
uma nova tradição oral foi se formando. E após a morte de Cristo, os apóstolos
saíram pregando.
Mas veio a
necessidade de congregar outras pessoas para o anúncio, em vista do grande
número de comunidades existentes. Então, começaram a escrever. Mais tarde, com
a aceitação também de cidadãos estrangeiros nas comunidades, a mensagem
precisou ser traduzida e adaptada. Além disso, o próprio povo necessitava de
uma escrita (doutrina escrita) para se conservar una, após a morte dos
Apóstolos. Esta redação, no início, era apenas de alguns escritos esparsos, que
só depois de algum tempo foram juntos em livros. Exemplo disso está em Mc 2,
uma série de disputas de JC com os Judeus, onde se vê claramente que foi
recolhida de escritos separados. Também em João se lê: "Muitas outras
coisas Jesus fez que não foram escritas..." (Jo 21,24) Isto significa que
só foram escritas aquelas mensagens que teriam utilidade, conforme as
necessidades momentâneas.
O evangelho de
Marcos, o primeiro a ser escrito, data dos anos 60 ou 70 d.C.; os de Lucas e
Mateus, são de 70 ou 80, o que significa que somente após uns 40 anos da morte
de JC sua palavra começou a ser escrita. 0 Evangelho de João só foi escrito em
torno do ano 100 d.C. Antigamente, se acreditava ser Mateus o autor do primeiro
Evangelho. Mas a critica histórica mostra que o de Marcos foi anterior. Aliás,
a respeito deste evangelho de Mateus, não se sabe ao certo quem é o seu autor.
Foi atribuído a Mateus, apenas por uma tradição e também por uma praxe da época
de se atribuir um escrito a alguém mais conhecido e famoso, para que a obra
tivesse mais autoridade.
5. Entendendo
algumas dificuldades concretas
Durante o tempo
anterior á escrita dos Evangelhos, havia apenas a pregação dos Apóstolos,
recordando os fatos da vida de Cristo, todavia eram fatos esparsos, sem nenhuma
preocupação com seqüência ou unidade. Por isso os Evangelhos, que foram esta
pregação escrita, se contradizem em algumas datas, o que mostra a pouca
importância dada à cronologia. Os fatos eram recordados e aplicados, conforme
as necessidades. Assim, até entre os Evangelhos sinóticos, que seguiram a mesma
fonte, há diversificações. Por exemplo, no Sermão da Montanha, em Lucas fala
"bem aventurados os pobres"; e em Mateus, "bem aventurados os
pobres de espírito". A diferença consiste no seguinte: Lucas deu um
sentido social, mais importante para as comunidades gregas, para as quais
escrevia. Mas o de Mateus destinava-se às comunidades judias e queria combater
uma doutrina dos judeus que tinham uma idéia falsa de pobreza. Para eles, o
próprio fato de a pessoa ser pobre, já lhe garantia a salvação, enquanto outra
pessoa, pelo simples fato de ser rica, já estava condenada. Por causa disso ele
escreveu "pobres de espírito".
Outro ponto de
discordância é o caso da cura de um cego. Mateus diz "um cego, na saída de
Jericó"; e Lucas "dois cegos, na entrada de Jericó". 0 fato da
'entrada' e 'saída' pode ser explicado pela existência de duas cidades chamadas
Jericó. 0 fato de serem um ou mais cegos explica-se pelo seguinte: era comum
naquele tempo os cegos formarem grupos em torno de um cego-lider; e o nome
deste geralmente era o do grupo. No entanto, estes detalhes pouco importam ao
evangelho. 0 seu interesse é a apresentação da mensagem (evangélion = boa
nova).
6. A fonte comum
Os Evangelistas
sinóticos se basearam no Evangelho de Marcos e noutra fonte, convencionada por
fonte "Q", simbolizando os inúmeros escritos esparsos de que já
tratamos. Espalharam cópias destes por outras partes do mundo. Lucas, Mateus, cada
um em lugares diferentes, se inspiraram nos escritos disponíveis e inclusive no
evangelho de Marcos, que na época já havia sido escrito. O fato do primeiro
Evangelho ser atribuído anteriormente a Mateus se deve a uma afirmação de
Eusébio de que Mateus escrevera a "logia" do Senhor em aramaico. Mas
a crítica histórica provou que o Evangelho que conhecemos não traz apenas a
"logia" do Senhor e não foi escrito em aramaico, e sim em grego.
Portanto a noticia de Eusébio se refere a outro escrito, e não a este
evangelho. Nada impede, porém, que tenha sido escrito por discípulos de Mateus
e atribuído ao Mestre. Aliás, a respeito de "Evangelho", o primeiro a
usar esta palavra para indicar as memórias dos Apóstolos foi S. Justino, em 130
d.C.
7. As Cartas
As cartas de Paulo
foram enviadas para serem lidas em público. Em I Tes 5, 27 há uma alusão a
isto. Havia também o intercâmbio das cartas, como se lê em Col 4,16:
"mostrem esta carta para Laodicéia e tragam a de lá para vocês". Aos
poucos as cartas foram colecionadas, e no fim do I século já se tem notícia
delas, quando em II Ped 3,15 se lê: "...nosso irmão Paulo vos escreveu
conforme o dom que lhe foi dado... " As cartas de Paulo foram os primeiros
escritos do NT. Não se sabe quando os Evangelhos e elas foram acoplados, mas já
no fim do I século estavam reunidos num só livro.
As Epistolas
Católicas (universais) são chamadas assim por se destinarem à Igreja em geral,
e não a tal ou qual comunidade, como fizera Paulo. Elas também se originaram da
necessidade pastoral, e já no começo do II século estavam incorporadas aos
outros escritos do NT. Os Atos dos Apóstolos podem ser considerados a
continuação do terceiro Evangelho, pois também foi escrito por Lucas. E o
Apocalipse de S.João, livro profético, foi acrescentado por último.
Nos escritos do
NT, freqüentemente se encontram citações do AT. É que muitas vezes os Apóstolos
queriam tirar dúvidas sobre certas passagens, que tinham falsa interpretação.
Nas assembléias, eram lidos escritos do AT e do NT, para explicá-los. Exemplo
disto temos em I Tes 4,15; I Cor 7,10.25.40; At 15, 28; I Tim 5,18; Lc 10,7.
8. O Cânon Sagrado
No século IV, a
Igreja se reuniu em Concilio em Nicéia, e uma das tarefas era organizar o
"cânon", ou a lista de livros sagrados considerados autênticos. Neste
Concilio, os livros foram estudados e se investigou quais os que sempre foram
lidos nos cultos e sempre foram considerados legítimos. E se estabeleceu a
ordem ainda hoje conservada. O motivo pelo qual alguns livros foram postos em
dúvida era a grande quantidade de livros apócrifos, que fazia com que se
duvidasse dos verdadeiros. Havia muitos livros que os judeus não aceitavam.
Então os Ss. Padres ponderaram os prós e contras e definiram a lista que foi
aprovada.
Como ler com proveito a Bíblia?
·
Dedique
um tempo diário para estudar e meditar a Bíblia: pode ser pela manhã, logo após
acordar; ou, depois do almoço ou da janta; ou antes de dormir; ou, ainda,
qualquer outro horário que se adapte ao seu tempo livre. A quantidade de tempo
também pode ser livremente estabelecida: 10, 30, 60 minutos ou mais. Quanto
mais tempo você tiver, melhor! Porém, divida o tempo total para as duas
atividades que devem ser feitas: leitura e estudo. O ideal é dividir na
ordem de 1/3 e 2/3, respectivamente. Assim, se você resolver dedicar 15 minutos
diários, use 5 minutos para leitura e 10 minutos para o estudo.
·
Após
estabelecer o horário que melhor o satisfaça, cumpra-o rigorosamente, não
esquecendo nem adiando nenhum dia, mesmo que se sinta cansado. Lembre-se:
devemos amar a Deus sobre todas as coisas!
·
Se você
não tiver uma Bíblia, adquira uma. Compre, entretanto, em livrarias católicas
pois as versões comercializadas por livrarias evangélicas são incompletas
quanto ao Antigo Testamento (faltam 7 livros e alguns trechos de Ester e
Daniel). Existem Bíblias com uma linguagem mais simples (ex.: "Bíblia Ave
Maria") e outras mais técnicas (ex: "Bíblia de Jerusalém"); leve
aquela que esteja dentro da sua linguagem e das suas condições. Além disso,
compre um caderno e também um comentário bíblico. As editoras católicas
disponibilizam diversos comentários, dos mais simples aos mais completos.
Folheie-os com calma e encontre um que atenda seus requisitos de linguagem e
complexidade.
·
Adquirido
o material e chegada a hora do estudo, com a Bíblia nas mãos, inicie com uma
oração ao Espírito Santo, pedindo para que o ilumine. Pode ser a seguinte ou
uma outra semelhante e espontânea:
"Espírito Santo: Tu inspiraste estas palavras. Ilumina a minha mente para que eu possa compreendê-las. Vem, Espírito Santo, ilumina o meu coração e o meu entendimento. Ajuda-me a reconhecer a Verdade eterna que preciso para agradar a Deus. Amém."
"Espírito Santo: Tu inspiraste estas palavras. Ilumina a minha mente para que eu possa compreendê-las. Vem, Espírito Santo, ilumina o meu coração e o meu entendimento. Ajuda-me a reconhecer a Verdade eterna que preciso para agradar a Deus. Amém."
·
Selecione
a leitura. Há várias formas de se fazer isto... Você pode seguir a sugestão da
Igreja e ler as leituras selecionadas para o tempo litúrgico em que estiver
(algumas Bíblias trazem essa seleção de textos em apêndice no final do volume;
caso sua Bíblia não possua essa indicação, imprima as páginas das Leituras
Dominicas e Semanais que disponibilizamos neste Site) ou ler a Bíblia na forma
sequencial, a partir do primeiro livro (neste caso, particularmente sugiro que
se inicie pelo Novo Testamento - por ser mais dinâmico - para só depois se
passar para o Antigo Testamento).
·
Leia com
atenção - sem pressa e meditativamente - cada versículo. Não se incomode de
precisar voltar a ler alguma passagem não muito clara. Releia todo o texto mais
uma ou duas vezes, pois sempre acabamos percebendo algo que deixamos escapar na
leitura anterior...
·
Identifique-se
com os personagens em cada cena. Se estiver lendo os Evangelhos, coloque-se no
lugar do sofredor Lázaro, no lugar de Mateus convidando Jesus para uma
refeição... Considere tudo o que Jesus fala como diretamente dirigido a você.
Ao ler as epístolas, além da voz do Apóstolo e do Espírito Santo, reconheça a
voz da Igreja, exortando-o a aumentar e amadurecer a fé.
·
Termine
a leitura também com uma oração ao Espírito Santo, como, por exemplo: "Fala,
Senhor: teu servo está te ouvindo. Aqui estou, Senhor!", ou "Senhor:
aqui estamos, Tu e eu, juntos agora. Fala-me, pois eu te escuto!".
Faça, então, um breve silêncio.
·
Inicie o
estudo lendo com calma e atenção o comentário sobre o texto lido. Leia também
todas as notas de rodapé existentes na sua Bíblia: elas são importantes principalmente
para os pontos mais obscuros.
·
Prossiga
o estudo tomando nota das passagens que mais o tocam. Neste ponto, sugiro que
se utilize o método do pe. Jonas Abib, dividindo as citações em cinco pontos:
1.
Promessas: é tudo aquilo que Deus promete àqueles que
cumprem (ouvem e praticam) a Sua Palavra. São promessas em que podemos
seguramente confiar. Ex.: "Onde dois ou três estão reunidos em meu nome,
aí estou no meio deles" (Mt 18,20); v.tb.: Jo 1,12; Lc 11,13; Ef 6,8.
2.
Ordens: são os mandamentos que devemos obedecer durante
a nossa vida, onde demonstramos a nossa fidelidade a Deus. Ex.: "Amai-vos
uns aos outros como eu vos tenho amado" (Jo 13,34); v.tb.: Mt 5,37; Mc
16,15; Lc 6,27-28.
3.
Princípios
Eternos: são as
leis que regem o Reino de Deus e não devem ser confundidos com as ordens. São
os segredos do funcionamento do Reino. Ex.: "Para os puros, todas as
coisas são puras. Para os corruptos e descrentes, nada é puro; até sua mente e
consciência são corrompidas" (Tt 1,15); v.tb.: Lc 6,36; 18,14; 1Tm 6,7.
4.
Mensagem
de Deus para Hoje:
certamente Deus tem uma mensagem para você. Faça de maneira pessoal, com suas
próprias palavras.
5.
Como
Aplicar a Leitura na Vida: é a parte mais pessoal e mais concreta. Anote e coloque em prática tudo
o que descobrir. É a maneira decisiva para mudar o comportamento (ser e agir) e
o relacionamento com Deus.
·
Para
terminar o estudo, releia o comentário bíblico e as suas anotações. Observe,
então, a incrível unidade que existe entre eles. Se você quiser - e é altamente
recomendado!! - tente relembrar a leitura do dia anterior; se possível,
memorize o versículo principal, o núcleo da mensagem.
·
Termine
o seu "dever de casa" com uma oração espontânea agradecendo a Deus
pelas descobertas do dia e certo de ter aumentado a sua intimidade com Ele.
Lembre-se sempre: Não caia no erro de querer ler somente a Bíblia sem a ajuda
da Igreja, achando que pode interpretá-la de forma particular. Essa tese
é protestante e anti-bíblica. Foi por causa
disso que o sectarismo se instalou no mundo cristão, existindo hoje mais de
20.000 denominações - todas elas com mensagens "muito particulares" e
distintas umas das outras.
Autor: Carlos Martins Nabeto
Fonte: Agnus Dei
Como ler a
Bíblia com proveito – PARTE 02
A palavra de Deus
Em todas as épocas da história, sobretudo em épocas de crise como a
nossa, voltamos a alimentar-nos da Bíblia. Pois acreditamos que este livro tem
a vê com Deus. A fé nos diz que a Bíblia é a palavra de Deus para nós. “Não só
de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4).
Uma palavra tem a força e o valor daquele que a pronuncia. A palavra humana
pode errar e enganar, pois o homem é fraco e não oferece segurança total. Mas a
palavra de Deus não erra nem engana. Ela é prego seguro e firme que sustenta a
vida de quem nela se agarra e por ele se orienta. Por isso, “toda escritura
divinamente inspirada é útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para
educar na justiça a fim de que o homem de Deus seja perfeito e capacitado para
toda boa obra”(2Tm 3,1). Assim, “ela paciência e consolação das Escrituras,
permaneçamos firmes na esperança” (Rm 15,4). Esperamos que, um dia a verdade e
a justiça voltem a ser a marca de toda a palavra que sai da boca dos homens!
Perguntas que surgem para quem vai
ler a Bíblia
A Bíblia é a palavra de Deus. Mas em canto nenhum da Bíblia, Deus
colocou a sua assinatura. Nunca ninguém viu o Espirito Santo em ação para mover
alguém a escrever. Então, como foi que o povo descobriu que Deus é o autor da
Bíblia? Como entender esta convicção tão profunda da nossa fé de que, quando
leio Bíblia, estou lendo ou ouvindo a palavra de Deus para nós? O que significa
dizer que a Bíblia é a palavra inspirada de Deus? Foi Deus mesmo que pegou
caneta e papel para escrever? Como foi que surgiu a Bíblia? Qual a sal
mensagem? Como a gente deve ler este livro sagrado? Quais as regras da sua
interpretação? A palavra de Deus encontra-se na Bíblia? São muitas perguntas.
Vamos tentar esclarecê-las parte por parte….
Como ler a
Bíblia com proveito – PARTE FINAL
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Este terceiro ponto, muitas vezes esquecido, é muito importante. É como
a caixa de ressonância de um violão. Sem ela, as cordas das palavras bíblicas
não produzem a musica de Deus no coração do leitor. Como criar esta caixa de
ressonância da interpretação da Bíblia?
01 Jesus soube criar um ambiente de
amizade e de abertura, onde foi possível ele ler a Bíblia junto com os dois
discípulos de Emaús. Este é o primeiro passo: criar um ambiente de amizade e de
abertura entre as pessoas, não para esconder os problemas da vida atrás de um
sorriso, mas para poder discuti-lo e enfrenta-los, mesmo que for preciso
ir a Jerusalém, de noite, na escuridão.
A vivência comunitária da fé
na ressurreição
02 A Bíblia surgiu da caminhada de um povo
oprimido que, apoiado na promessa de Deus, buscava a sua libertação. A sua
interpretação dever ser feita a partir do povo crente e oprimido que hoje busca
a sua libertação. A interpretação da Bíblia não pode ser neutra,, nem pode ser
feita separada da vida e da historia do nosso povo. Ela deve ser o fermento de
Deus neste processo de “conversão” e de mudança da morte para a vida, do medo
para a coragem, do desespero para a esperança, da opressão para a liberdade,
que hoje marca a vida das nossas comunidades.
03 A Bíblia nasceu dentro de uma
comunidade de fé. É só com o olhar de fé desta mesma a comunidade que pode ser
captada e entendida plenamente a sua mensagem. Este olhar não se compra com dinheiro nem com estudo,
Adquire-se vivendo na comunidade, participando da sua caminhada e das suas
lutas. Mesmo quando leio a Bíblia sozinho, devo lembrar sempre que estou lendo
o livro da comunidade. Ninguém tem o direto de explicar a Bíblia do jeito que
convém só a ele, contrario aos interesses da comunidade. Pois a Bíblia não é
propriedade privada de ninguém. Ela foi entregue aos cuidados do povo de Deus,
para que este realize a sua missão libertadora, e revele aos olhos de todos a
presença de Javé, o Deus vivo e verdadeiro. Com outras palavras, a Bíblia dever
ser interpretada de acordo com o sentido que lhe dá a comunidade, a Igreja.
04 A Bíblia e, antes de tudo, palavra
de Deus para nós. Por isso, a sua interpretação e leitura devem ser feitas com
a convicção de fé de que Deus nos fala por meio da Bíblia. E Ele fala não para
que nós nos fechamos no estudo e na leitura da Bíblia, mas para que, pela
leitura e pelo estudo da Bíblia, possamos descobrir a palavra viva de Deus
dentro da historia da nossa comunidade e do nosso povo.
05 A interpretação da Bíblia não
depende só da inteligência e do estudo, mas também do coração e da ação do
Espirito Santo. O Espirito de Jesus deve ter a oportunidade de nos falar
quando lemos a Bíblia. Por isso, além do estudo e da troca de ideias, a leitura
da Bíblia deve ter os seus momentos de silencio e de oração, de canto e de
celebração, de troca de experiência e de vivência.
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