Blog Alma Missionária

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sábado, 14 de julho de 2012



Muito se ouve falar sobre a Santa Inquisição dos tempos medievais. No entanto, a maioria daqueles que condenam a Igreja pelas práticas deste período não levam em conta o contexto histórico em que aconteceram. Que tal aprender um pouco mais sobre este assunto tão polêmico?

Galileu Galilei no Tribunal da Inquisição
 Nos primeiros séculos de sua história, a Igreja antiga aplicava penas espirituais, principalmente a excomunhão, e não pensava em usar a força bruta. A partir do momento em que o Império Romano se tornou cristão,  os césares quiseram continuar exercendo o mesmo direito que possuíam quando os romanos eram pagãos, ou seja, qualquer heresia ou ofensa à religião oficial do império era considerada como crime contra a Majestade Divina.
 As penas aplicadas, do século IV em diante, eram geralmente a proibição de fazer testamento, a confiscação dos bens e o exílio.
Agostinho, de início, rejeitava qualquer pena temporal para os hereges. Vendo, porém, os danos causados pelos donatistas, propugnava os açoites e o exílio, não a tortura nem a pena de morte. Já que o Estado pune o adultério, argumentava, deve punir também a heresia, pois não é pecado mais leve a alma não conservar fidelidade a Deus do que a mulher trair o marido. Afirmava, porém, que os infiéis não devem ser obrigados a abraçar a fé, mas os hereges devem ser punidos e obrigados ao menos a ouvir a verdade.
  
As origens da lnquisição

 No antigo Direito Romano, o juiz não empreendia a procura dos criminosos, só procedia ao julgamento depois que Ihe fosse apresentada a denúncia. Até a Alta ldade Média, o mesmo se deu na Igreja: a autoridade eclesiástica não procedia contra os delitos se estes não Ihe fossem previamente apresentados. No decorrer dos tempos, porém, esta praxe mostrou-se insuficiente.
Além disto, no século XI apareceu na Europa uma nova forma de delito religioso, isto é, uma heresia fanática e revolucionária, como não houvera até então: o catarismo (do grego katharós, puro) ou o movimento dos albigenses (de Albi, cidade da França meridional, onde os hereges tinham seu foco principal). Considerando a matéria por si, os cátaros rejeitavam não somente a face visível da lgreja, mas também instituições básicas da vida civil — o matrimônio, a autoridade governamental, o serviço militar — e enalteciam o suicídio. Desta maneira, constituíam grave ameaça não somente para a fé cristã, mas também para a vida pública.
Em bandos fanáticos, às vezes apoiados por nobres senhores, os cátaros provocavam tumultos, ataques às igrejas e etc. por todo o decorrer do séc. XI até 1150 aproximadamente, na França, na Alemanha, nos Países-Baixos...
O povo, com a sua espontaneidade, e a autoridade civil se encarregavam de reprimi-los com violência: não raro o rei da França, por iniciativa própria e a contragosto dos bispos, condenou à morte pregadores albigenses, visto que procuravam destruir os fundamentos da ordem constituída.
Foi o que se deu, por exemplo, em Orleãs (1017) onde o Rei Roberto, informado de um surto de heresia na cidade, compareceu pessoalmente, procedeu ao exame dos hereges e os mandou lançar ao fogo: a causa da civilização e da ordem pública se identificava com a fé! Enquanto isso, a autoridade eclesiástica limitava-se a impor penas espirituais (excomunhão, interdito, etc.) aos albigenses, pois até então nenhuma das muitas heresias conhecidas havia sido combatida por violência física. Santo Agostinho e antigos bispos, São Bernardo, São Norberto e outros mestres medievais eram contrários ao uso da força. "Sejam os hereges conquistados não pelas armas, mas pelos argumentos", admoestava São Bernardo (In Cantserm. 64).
  Muito significativo, por exemplo, é o episódio seguinte: o Papa Alexandre III, em 1162, escreveu ao Arcebispo de Reims e ao Conde de Flândria, em cujo território os cátaros provocavam desordens: "Mais vale absolver culpados do que, por excessiva severidade, atacar a vida de inocentes... A mansidão mais convém aos homens da Igreja do que a dureza... Não queiras ser justo demais (noli nimium esse iustus)."
 Entretanto, a autoridade civil continuava a agir contra os sectários. Chama a atenção, por exemplo, a conduta do Imperador Frederico II, um dos mais perigosos adversários que o Papado teve no século XIII.
Em 1220, este monarca exigiu que todos os oficiais de seu governo prometessem expulsar de suas terras os hereges reconhecidos pela Igreja, declarou a heresia crime de lesa-majestade, sujeito à pena de morte, e mandou dar busca aos hereges.
Em 1224 publicou o decreto mais severo do que qualquer das leis citadas pelos reis ou Papas anteriores: as autoridades civis da Lombardia deveriam não somente enviar ao fogo quem tivesse sido comprovado herege pelo bispo, mas ainda cortar a língua aos fanáticos a quem, por razões particulares, se houvesse conservado a vida. É possível que Frederico II visasse a interesses próprios na campanha contra a heresia, pois os bens confiscados redundariam em proveito da coroa.
 
Em síntese, pode-se dizer o seguinte:

- A Igreja, nos seus onze primeiros séculos, não aplicava penas temporais aos hereges, mas recorria às espirituais (excomunhão, interdito, suspensão...). Somente no século XII passou a submeter os hereges a punições corporais. E por quê?
- As heresias que surgiram no século XI (as dos cátaros e valdenses), deixavam de ser problemas apenas religiosos de desvios de doutrina, ao se tornarem movimentos sociais anarquistas, que contrariavam a ordem vigente e convulsionavam as massas com incursões e saques. Assim tornavam-se um perigo público.
- O Cristianismo era patrimônio da sociedade, à semelhança da família hoje. Aparecia como o vínculo necessário entre os cidadãos ou o grande bem dos povos. Por conseguinte, as heresias, especialmente as turbulentas, eram tidas como crimes sociais de excepcional gravidade.
- Não é, pois, de estranhar que as duas autoridades – a civil e a eclesiástica –  tenham finalmente entrado em acordo para aplicar aos hereges as penas reservadas pela legislação da época aos grandes delitos.
- A lgreja foi levada a isto, deixando sua antiga posição, pela insistência que sobre ela exerceram não somente monarcas hostis, como Henrique II da Inglaterra e Frederico Barba-Roxa, da Alemanha, mas também reis piedosos e fiéis ao Papa, como Luís VII, da França.
- De resto, a Inquisição foi praticada pela autoridade civil mesmo antes de estar regulamentada por disposições eclesiásticas. Muitas vezes o poder civil se sobrepôs ao eclesiástico na procura de seus adversários políticos.
 - Por fim, na cidade de Genebra na Suíça, o grande reformador protestante Calvino, instituiu um tribunal religioso que condenou à morte, um bom número de adversários. Entre eles, o famoso médico espanhol Miguel de Servert, em 1553.
 
Ao analisarmos o que foi a Inquisição, torna-se imperativo o fazê-lo levando em conta os costumes e o modo de pensar da época. Não se pode julgá-la segundo a mentalidade do mundo presente sem levarmos em conta o contexto histórico em que ocorreu. 
Por outro lado, é interessante observarmos que aqueles que se apressam em condenar a Igreja por erros cometidos em função da natureza humana que está presente em seu Corpo, não se mostrem tão ardorosos na defesa da vida gravemente ameaçada nos dias atuais com práticas como o aborto que está sendo legalizado em diversos países. Na luta pela partilha fraterna do pão num mundo em que apesar do aumento da produção de alimentos, 11% da humanidade sofre com a subnutrição.
Defendem o controle de natalidade a qualquer custo e acusam a Igreja de irresponsável por defender a paternidade responsável, num mundo em que a principal causa da crise ambiental e econômica é a forte concentração de renda nas mãos de um pequeno grupo de nações que, apesar de conterem apenas 18% da população mundial, concentram 67% da produção mundial de alimentos.
Por que tais grupos não se colocam ao lado da Igreja (hoje tão perseguida) pela defesa do direito à vida?
  
(por Professor Carlos Henrique Magalhães Costa)

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