A devoção à Nossa Senhora, em suas mais variadas expressões, encontra seu cume na recitação do Santo Rosário, oração que há séculos alcança da Virgem Maria copiosas graças sobre a Igreja de Cristo. Por meio desta contemplação, os cristãos colocam-se em profunda intimidade com o mistério da Encarnação, percorrendo o caminho de Cristo ao lado de Maria. Assim, oferecendo cada Ave-Maria como uma rosa espiritual à Mãe de Deus, coroam a Virgem, alcançando por meio de sua intercessão as graças necessárias para enfrentar e vencer as armadilhas do inimigo.
Por volta do século XII, era costume dos monges meditarem os 150 salmos. No entanto, naquela época, a maioria do povo era analfabeta. Sendo assim, para aqueles que não sabiam ler, os Superiores determinavam que rezassem 150 ‘Pai-Nossos’, prática conhecida como ‘Paternoster’. Começaram a ser fabricadas, então, correntinhas feitas de grãos para facilitar a contagem.
Nesse meio tempo, entre os cristãos, começava a ganhar espaço o hábito de saudar Maria com as palavras do Arcanjo Gabriel: “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco!” (Lucas 1, 28), acompanhada pela saudação de Isabel: “bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre” (Lucas 1, 42). Criou-se, então, o chamado ‘saltério de Nossa Senhora’, composto por 150 saudações à Virgem.
Em 1214, Nossa Senhora apareceu a São Domingos de Gusmão, fundador da Ordem Dominicana, e lhe disse que o seu ‘saltério’ era a arma que a Santíssima Trindade se utilizaria para reformar o mundo. São Domingos tornou-se, a partir daí, um dos maiores propagadores da devoção à Nossa Senhora, sendo conhecido até hoje como o ‘apóstolo do Rosário’.
São Domingos |
Vale lembrar que até este ponto, a oração da Ave-Maria, como a conhecemos hoje, ainda não existia, mas foi se formando ao longo do tempo.
Em 1262, o papa Urbano IV acrescentou a palavra ‘Jesus’ ao fim da saudação de Isabel, formando, assim, a primeira parte da oração da ‘Ave-Maria’.
Somente no século XV foi acrescentada a segunda parte da súplica – Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte – retirada de uma antífona medieval. O papa Pio V, dominicano, oficializou a ‘Ave-Maria’ em sua forma atual, publicando-a pela primeira vez no Breviário Romano, em 1568. Este mesmo papa determinou o número de ‘Pai-Nossos’ (15) e ‘Ave-Marias’ (150) que seriam rezados e também quais seriam os mistérios da vida de Jesus contemplados durante a meditação. Dessa forma, surgiu o Rosário, que continha os mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos.
Em 2002, o papa João Paulo II acrescentou ao rosário os mistérios luminosos – que meditam a vida pública de Jesus.
A Tradição da Igreja afirma que o nome ‘rosário’ significa ‘coroa de rosas’, pois cada Ave-Maria rezada nesta oração equivaleria a uma rosa oferecida a Maria.
O pedido insistente de Maria
Por diversas vezes, em suas aparições pelo mundo, Maria pediu insistentemente que os católicos criassem o hábito de rezar o terço todos os dias.
Em Lourdes, quando apareceu à Santa Bernadette, em 1858, rezou com ela o terço por diversas vezes.
Especialmente em Fátima, no ano de 1917, a Virgem convocou: "Recitai o Rosário todos os dias para obter a paz para o mundo”. Lá, em 13 de julho, ela mesma ensinou uma das partes do terço: “Quando rezardes o terço, dizei depois de cada mistério: Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem”. Além disso, no dia 13 de outubro, revelou seu nome aos três pastorinhos: “Sou a Senhora do Rosário”.
Também em suas aparições em Medjugorje, ela disse em 1986: “Queridos filhos, convido-os a rezar o Rosário; o Rosário seja, para vocês, um compromisso a ser cumprido com alegria”.
A festa de Nossa Senhora do Rosário – origem e propagação
Em outubro de 1571, no Golfo de Lepanto, na Grécia, travou-se uma batalha naval entre a esquadra católica e a muçulmana. O islã ameaçava a cristandade européia e, nesta batalha, superava os cristãos no número de navios. O papa Pio V, que se encontrava em Roma, pediu então aos fiéis que redobrassem as orações, especialmente a do Santo Rosário, implorando que a Virgem Santíssima auxiliasse a armada católica.
Após dez horas de confronto, os muçulmanos, que até então levavam vantagem, de repente puseram-se em retirada, apavorados. Aproveitando-se desta brecha, os católicos, com o terço pendurado ao pescoço, avançaram contra os inimigos e reverteram a batalha.
Mais tarde, vieram a saber que alguns mouros haviam confessado terem visto uma grande e majestosa senhora no céu que os amedrontou de tal maneira que entraram em pânico, batendo em retirada.
Assim que a batalha terminou, o papa, estando a quilômetros de distância do local, teve uma visão onde lhe foi revelada a vitória dos cristãos. Na mesma hora, Pio V voltou-se para seus acompanhantes e exclamou: “Vamos agradecer a Jesus Cristo a vitória que acaba de conceder a nossa esquadra!”. Duas semanas mais tarde, ele receberia, via correio, a confirmação do triunfo dos cristãos em Lepanto.
Por conta desta maravilhosa intervenção de Maria, o papa acrescentou a saudação ‘auxílio dos cristãos’ à ladainha de Nossa Senhora e instituiu no calendário litúrgico de São Domingos a festa de Nossa Senhora da Vitória, a ser celebrada todos os anos no dia 7 de outubro.
Mais tarde, a solenidade passou a chamar-se festa de Nossa Senhora do Rosário, sendo, em 1716, estendida à Igreja universal.
Em 1898, por meio da carta encíclica ‘Diuturni Tempori’, o papa Leão XIII estabeleceu o mês de outubro como o mês do Rosário, recomendando que fosse recitado em todas as paróquias e assegurando que, através desta devoção, os católicos obteriam indulgências, tanto parciais, como plenárias.
O Rosário em família – fonte de bênçãos
Diante de tantos afazeres impostos pela sociedade capitalista, os cristãos católicos encontram cada vez mais dificuldade em praticar uma antiga tradição: a recitação do Rosário em família. No entanto, os últimos papas fizeram questão de reforçar a excelência e dignidade desta maneira de orar. De fato, a oração em comum se torna particularmente eficaz, como ressalta o papa Leão XIII, em sua encíclica ‘Augustissimae Virginis Mariae’: “a oração justamente alcança a sua eficácia máxima em impetrar o auxílio do Céu, quando é elevada publicamente, com perseverança e concórdia [...]. Os que oram deste modo certissimamente obterão sempre o fruto da sua oração”.
O papa Pio XII exortou, de forma muito bela, a oração do terço em família através da carta ‘Ingruentium Malorum’. Nela, o pontífice afirma que todo o esforço para que a sociedade civil de torne melhor será em vão enquanto as famílias não se ajustarem ao Evangelho. Desse modo, indica a oração do terço em família como meio valioso de remediar a decadência da sociedade. “Quão suave e profundamente agradável a Deus é o espetáculo do lar cristão que, ao cair de cada noite, ressoa com as harmonias dos reiterados louvores da augusta Rainha do Céu! Então essa prece comum reúne pais e filhos, de volta do trabalho do dia, em admirável união de almas, aos pés da imagem de Maria”, descreve Pio XII.
Paulo VI discursa, a esse respeito, que a família, mesmo diante de tantos obstáculos, deve sempre procurar manter viva essa chama de oração: “Estamos bem conhecedores de que as mudadas condições da vida dos homens, nos nossos dias, não são favoráveis à possibilidade de momentos de reunião familiar; e de que, mesmo quando isso acontece, não poucas circunstâncias se conjugam para tornar difícil transformar o encontro da família em ocasião de oração. É uma coisa difícil, sem dúvida. No entanto, é também característico do agir cristão não se render aos condicionamentos do ambiente, mas superá-los; não sucumbir, mas sim elevar-se. Portanto, aquelas famílias que queiram viver em plenitude a vocação e a espiritualidade própria da família cristã, devem envidar todos os esforços para eliminar tudo o que seja obstáculo para os encontros familiares e para a oração em comum” – Exortação Apostólica Marialis Cultus.
Pura repetição?
A oração do Rosário, por ter como característica a recitação constante de Ave-Marias, pode parecer, para alguns, uma repetição mecânica de fórmulas prontas. Entretanto, não se pode esquecer que o Rosário é, antes de tudo, contemplação. A repetição serve, apenas, para incutir no fiel a confiança de ser ouvido ao mesmo tempo em que exerce, segundo Pio XII, uma ‘suave violência’ ao coração maternal de Maria.
Paulo VI adverte que o Rosário sem contemplação é como um corpo sem alma. Mais ainda: sua repetição, quando superficial e mecânica, cai em contradição com os ensinamentos de Jesus: "Nas vossas orações, não useis de vãs repetições, como os gentios, porque imaginam que é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos" (Mt 6, 7). Para não cair neste erro, é necessário orar o Rosário com calma, permitindo que o pensamento chegue à contemplação dos mistérios da vida de Cristo. “O Rosário constitui uma meditação bíblica que nos faz percorrer de novo os acontecimentos da vida do Senhor, em companhia da Bem-Aventurada Virgem, conservando-os, como Ela, no nosso coração”, afirmou o papa Bento XVI, em maio de 2008.
Recitar o Rosário é contemplar o rosto de Jesus. Por diversas vezes, a Igreja denominou esta devoção de “Compêndio do Evangelho”, justamente por retratar, passo a passo, os principais acontecimentos da vida de Cristo. “Nunca como no Rosário o caminho de Cristo e o de Maria aparecem unidos tão profundamente”, disse o papa João Paulo II.
Sendo assim, quando rezado de modo autêntico, com a devida concentração, tem a capacidade de produzir nos fiéis verdadeiros frutos de santidade, pelo fato de unir as almas ao mistério de Cristo, tendo como guia a Santíssima Virgem. “Ele [o Rosário] faz-nos voltar continuamente aos cenários principais da vida de Cristo, como que para nos fazer "respirar" o seu mistério. O Rosário é o caminho privilegiado de contemplação. É, por assim dizer, o caminho de Maria. Quem melhor do que ela conhece Cristo e o ama?”, indagou João Paulo II em peregrinação ao Santuário Mariano de Pompéia.
Maria – a onipotência suplicante
Muitos se perguntam se rezar o Rosário, invocando tão repetidamente a figura de Maria, não seria uma insinuação de que se confiaria mais nela que no próprio Deus. Frente a este questionamento, a Igreja ensina que a oração do Rosário tem uma particular eficácia em comover o coração de Deus e torná-lo propício, não sendo incompatível com a dignidade de Deus.
Orar o Rosário não é adorar Maria – pois somente a Deus é devido o culto de adoração – mas sim recorrer a sua poderosa intercessão para que, por meio de seus méritos, ela alcance de Deus as graças necessárias na economia da salvação.
De fato, a fé católica ensina que se deve orar a Deus como fonte de todas as graças e aos santos como intercessores. São Tomás de Aquino ensina a diferença entre rogar a Deus e aos santos: “De dois modos pode-se dirigir a alguém um pedido: com a convicção de que ele possa atendê-lo ou com a persuasão de que ele possa impetrar aquilo que se pede. Do primeiro modo só oramos a Deus, porque todas as nossas preces devem ser dirigidas à consecução da graça e da glória, que só Deus pode dar, como é dito no Salmo 83, 12: “O Senhor dá a graça e a glória”. Da segunda maneira apresentamos o mesmo pedido aos santos Anjos e aos homens; não para que, por meio deles, Deus venha a conhecer os nossos pedidos, mas para que, pela intercessão deles e pelos seus méritos, as nossas preces sejam atendidas”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário