26/04/2014 | domtotal.com
Giuseppe Girotti, o Justo que se torna Santo
Por Alberto Cavaglion
Neste sábado, 26, na Catedral de Alba, na Itália, será beatificado o padre Giuseppe Girotti, que morreu em Dachau aos 39 anos. Ele nascera no coração do Langhe em uma família humilde no dia 19 de julho de 1905. O destino quis que ele fosse canonizado no dia anterior ao Papa João XXIII: a coincidência deve ser enfatizada. Ao socorrer os judeus durante a ocupação nazista, sacerdotes como o padre Girotti prenunciaram os princípios do Concílio Vaticano II. A sua obra não tinha um conteúdo político, respondia exclusivamente a um impulso interior, obediente à escolha vocacional de viver com e pelos pobres, pelos perseguidos.
Como muitos que se destacaram no socorro, o padre Girotti era um homem excêntrico, um solitário anticonformista. Tendo-se tornado professor de Sacra Escritura, em 1939, ele havia sido suspenso do ensino por motivos disciplinares. Encontrou espaço entre os Missionários da Consolata, em Corso Ferrucci, Turim, onde lecionou até a eclosão da guerra.
Aí, provavelmente ele conheceu o doutor Giuseppe Diena e principalmente a sua esposa, Elettra Bruno. Às vésperas do dia 8 de setembro, ele vivia no convento dominicano da paróquia de Santa Maria delle Rose, onde tinha sucedido, criando frisson, o padre Reginaldo Giuliani, capelão militar (muito próximo do fascismo), que morreu em combate na Abissínia, em janeiro de 1936.
Reintegrado ao ensino em 1942, o padre Girotti havia estabelecido estreitas relações com aqueles que se opunham ao regime. Ele era um personagem fora de série. Infelizmente, não se conservaram muitos testemunhos sobre ele, e as fichas biográficas que circulam nestas horas não dizem muito sobre a sua intensa obra de socorro.
Quem o conheceu de perto, principalmente o filho do doutor Diena, lembra que muitas vezes ele era repreendido pelos seus superiores, que desaprovavam o modo anárquico como ele observava ou, melhor, não observava a Regra. Lembra-se que ele se vestia de modo desleixado, que fumava e principalmente que não escondia a sua inclinação pela parte mais "inovadora" da província a que pertencia.
Aquilo que não se conhece em nada é a modalidade da sua prisão, a armadilha espetacular, "cinematográfica", construída a fim de eliminar a ele e a Giuseppe Diena, um médico mais velho do que ele em 20 anos, judeu e maçom, cujos filhos, Paolo e Giorgio, no outono de 1943, tinham subido para Val Pellice e Chisone com os partidários do Giustizia e Libertà [movimento antifascista italiano].
Girotti e Diena paradoxalmente se assemelham. Médico dos pobres, filantropo, judeu agnóstico e livre-pensador, Diena já tinha acabado uma vez na prisão Le Nuove pelas suas ideias políticas. O doutor também era alguém fora de série. Entre os dois, surgira uma simpatia natural, apesar da diferença de idade e os percursos culturais divergentes. Quando se ama a liberdade, as barreiras religiosas e geracionais se despedaçam.
A partir do outono de 1943, o padre Girotti começou a ajudar o doutor estabelecendo um contato estável e seguro com os filhos em Val Chisone. Diena e a esposa viviam em Cavoretto, hóspedes da família Bona. O padre Girotti muitas vezes ia até eles. Alguém percebeu isso e armou a armadilha.
No dia 29 de agosto de 1944, a esposa do doutor saiu da casa dos Bona: ao voltar, viu alguns automóveis na frente da casa e um pequeno grupo de pessoas se agitando na entrada. Dentro dos carros, percebeu personagens estranhos. O único rosto conhecido é o do padre dominicano, para o qual – a esposa do doutor Diena não podia saber – uma voz misteriosa acabara de telefonar para o convento, informando-o de que um dos dois filhos do doutor, ferido, pretendia se encontrar com o pai para ser tratado.
Com efeito, a senhora viu dentro de um dos carros um jovem visivelmente enfaixado e sofrendo, mas não é Paolo ou Giorgio. Assim que entrou na casa, os estranhos personagens revelaram-se pelo que eram, e o falso ferido tinha se qualificado: um impostor. Uma direção muita precisa.
Dos outros carros, desceram vários homens armados que tinham prendido os donos da casa, o jovem Carlo Bona, em idade militar, com a mãe, Felicina, o doutor e, naturalmente, o padre Girotti. Apenas a idosa avó de Carlo Bona não havia sido presa. Uma operação em grande estilo, que foi concluída para capturar duas pessoas há muito tempo sob controle.
A mulher do doutor conseguiu ver dois carros despontarem de uma curva em alta velocidade. Reconheceu os olhos do marido, com o qual conseguiu apenas trocar um olhar. O último. O doutor seria deportado e morreria em Flossenbrück. O padre Girotti, em Dachau.
Algumas semanas depois, a esposa de Diena conseguiria entregar uma breve carta ao filho Giorgio: "Não se sabe como foi. Eu tinha chegado ao sufocante pensamento de nos proteger e encontrar um novo refúgio, era só uma questão de dois ou três dias mais. Na minha ausência, um superintendente em pessoa, servindo-se de uma armadilha, foi lá em cima, com um padre dominicano, um estudioso simples como um menino, que, só ele, sabia onde estávamos, e com um falso ferido, que o fizeram acreditar que fosse o filho. Portanto, sabiam que o padre não conhecia os filhos, mas supunham que conhecesse o refúgio do pai deles".
Não podemos saber se o médico sabia que o padre dominicano seu amigo era odiado e vigiado por alguém (não apenas pela polícia). A fraude foi idealizada por alguém que conhecia bem os dois. Uma coisa é certa: o diretor das operações se aproveitou dos sentimentos de amor do padre Girotti.
Durante o período percorrido na Le Nuove e depois em Bolzano, antes da partida para a Alemanha, os dois se falariam, mas não podemos saber o que se disseram. À esposa, nas cartas que conseguiu enviar de Bolzano, Diena diz que se sente unido como um irmão ao padre dominicano. Ambos tinham ideias mais fundamentadas do que as que podemos imaginar sobre as causas que levaram à dupla prisão. Totalmente certo é que fazer com que Turim soubesse disso importava muito pouco para ambos.
De Bolzano, de onde escreveram as suas últimas cartas, o doutor e o padre dominicano já tinham uma percepção das coisas, que os levava a julgar como irrelevantes as modalidades da sua captura.
A meio século da sua morte, em 1995, o padre Girotti foi reconhecido como "Justo entre as Nações" pelo tribunal de Jerusalém, que realiza uma espécie de canonização laica para aqueles que se distinguiram depois do dia 8 de setembro de 1943.
As três celebrações, a de Jerusalém, a que será solenemente festejada em Alba neste sábado e a do Papa João XXIII no dia 27 de abril estão ligadas entre si por um fio sutil. Isso poderá escandalizar alguns, mas não é assim. Não se conhecem muitos outros casos de Justos que se tornam Santos.
Neste sábado, 26, na Catedral de Alba, na Itália, será beatificado o padre Giuseppe Girotti, que morreu em Dachau aos 39 anos. Ele nascera no coração do Langhe em uma família humilde no dia 19 de julho de 1905. O destino quis que ele fosse canonizado no dia anterior ao Papa João XXIII: a coincidência deve ser enfatizada. Ao socorrer os judeus durante a ocupação nazista, sacerdotes como o padre Girotti prenunciaram os princípios do Concílio Vaticano II. A sua obra não tinha um conteúdo político, respondia exclusivamente a um impulso interior, obediente à escolha vocacional de viver com e pelos pobres, pelos perseguidos.
Como muitos que se destacaram no socorro, o padre Girotti era um homem excêntrico, um solitário anticonformista. Tendo-se tornado professor de Sacra Escritura, em 1939, ele havia sido suspenso do ensino por motivos disciplinares. Encontrou espaço entre os Missionários da Consolata, em Corso Ferrucci, Turim, onde lecionou até a eclosão da guerra.
Aí, provavelmente ele conheceu o doutor Giuseppe Diena e principalmente a sua esposa, Elettra Bruno. Às vésperas do dia 8 de setembro, ele vivia no convento dominicano da paróquia de Santa Maria delle Rose, onde tinha sucedido, criando frisson, o padre Reginaldo Giuliani, capelão militar (muito próximo do fascismo), que morreu em combate na Abissínia, em janeiro de 1936.
Reintegrado ao ensino em 1942, o padre Girotti havia estabelecido estreitas relações com aqueles que se opunham ao regime. Ele era um personagem fora de série. Infelizmente, não se conservaram muitos testemunhos sobre ele, e as fichas biográficas que circulam nestas horas não dizem muito sobre a sua intensa obra de socorro.
Quem o conheceu de perto, principalmente o filho do doutor Diena, lembra que muitas vezes ele era repreendido pelos seus superiores, que desaprovavam o modo anárquico como ele observava ou, melhor, não observava a Regra. Lembra-se que ele se vestia de modo desleixado, que fumava e principalmente que não escondia a sua inclinação pela parte mais "inovadora" da província a que pertencia.
Aquilo que não se conhece em nada é a modalidade da sua prisão, a armadilha espetacular, "cinematográfica", construída a fim de eliminar a ele e a Giuseppe Diena, um médico mais velho do que ele em 20 anos, judeu e maçom, cujos filhos, Paolo e Giorgio, no outono de 1943, tinham subido para Val Pellice e Chisone com os partidários do Giustizia e Libertà [movimento antifascista italiano].
Girotti e Diena paradoxalmente se assemelham. Médico dos pobres, filantropo, judeu agnóstico e livre-pensador, Diena já tinha acabado uma vez na prisão Le Nuove pelas suas ideias políticas. O doutor também era alguém fora de série. Entre os dois, surgira uma simpatia natural, apesar da diferença de idade e os percursos culturais divergentes. Quando se ama a liberdade, as barreiras religiosas e geracionais se despedaçam.
A partir do outono de 1943, o padre Girotti começou a ajudar o doutor estabelecendo um contato estável e seguro com os filhos em Val Chisone. Diena e a esposa viviam em Cavoretto, hóspedes da família Bona. O padre Girotti muitas vezes ia até eles. Alguém percebeu isso e armou a armadilha.
No dia 29 de agosto de 1944, a esposa do doutor saiu da casa dos Bona: ao voltar, viu alguns automóveis na frente da casa e um pequeno grupo de pessoas se agitando na entrada. Dentro dos carros, percebeu personagens estranhos. O único rosto conhecido é o do padre dominicano, para o qual – a esposa do doutor Diena não podia saber – uma voz misteriosa acabara de telefonar para o convento, informando-o de que um dos dois filhos do doutor, ferido, pretendia se encontrar com o pai para ser tratado.
Com efeito, a senhora viu dentro de um dos carros um jovem visivelmente enfaixado e sofrendo, mas não é Paolo ou Giorgio. Assim que entrou na casa, os estranhos personagens revelaram-se pelo que eram, e o falso ferido tinha se qualificado: um impostor. Uma direção muita precisa.
Dos outros carros, desceram vários homens armados que tinham prendido os donos da casa, o jovem Carlo Bona, em idade militar, com a mãe, Felicina, o doutor e, naturalmente, o padre Girotti. Apenas a idosa avó de Carlo Bona não havia sido presa. Uma operação em grande estilo, que foi concluída para capturar duas pessoas há muito tempo sob controle.
A mulher do doutor conseguiu ver dois carros despontarem de uma curva em alta velocidade. Reconheceu os olhos do marido, com o qual conseguiu apenas trocar um olhar. O último. O doutor seria deportado e morreria em Flossenbrück. O padre Girotti, em Dachau.
Algumas semanas depois, a esposa de Diena conseguiria entregar uma breve carta ao filho Giorgio: "Não se sabe como foi. Eu tinha chegado ao sufocante pensamento de nos proteger e encontrar um novo refúgio, era só uma questão de dois ou três dias mais. Na minha ausência, um superintendente em pessoa, servindo-se de uma armadilha, foi lá em cima, com um padre dominicano, um estudioso simples como um menino, que, só ele, sabia onde estávamos, e com um falso ferido, que o fizeram acreditar que fosse o filho. Portanto, sabiam que o padre não conhecia os filhos, mas supunham que conhecesse o refúgio do pai deles".
Não podemos saber se o médico sabia que o padre dominicano seu amigo era odiado e vigiado por alguém (não apenas pela polícia). A fraude foi idealizada por alguém que conhecia bem os dois. Uma coisa é certa: o diretor das operações se aproveitou dos sentimentos de amor do padre Girotti.
Durante o período percorrido na Le Nuove e depois em Bolzano, antes da partida para a Alemanha, os dois se falariam, mas não podemos saber o que se disseram. À esposa, nas cartas que conseguiu enviar de Bolzano, Diena diz que se sente unido como um irmão ao padre dominicano. Ambos tinham ideias mais fundamentadas do que as que podemos imaginar sobre as causas que levaram à dupla prisão. Totalmente certo é que fazer com que Turim soubesse disso importava muito pouco para ambos.
De Bolzano, de onde escreveram as suas últimas cartas, o doutor e o padre dominicano já tinham uma percepção das coisas, que os levava a julgar como irrelevantes as modalidades da sua captura.
A meio século da sua morte, em 1995, o padre Girotti foi reconhecido como "Justo entre as Nações" pelo tribunal de Jerusalém, que realiza uma espécie de canonização laica para aqueles que se distinguiram depois do dia 8 de setembro de 1943.
As três celebrações, a de Jerusalém, a que será solenemente festejada em Alba neste sábado e a do Papa João XXIII no dia 27 de abril estão ligadas entre si por um fio sutil. Isso poderá escandalizar alguns, mas não é assim. Não se conhecem muitos outros casos de Justos que se tornam Santos.
Jornal La Stampa, 25-04-2014.
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