20 DE NOVEMBRO: DIA NACIONAL DA CONSCIENCIA NEGRA.
Data de Publicação: 20 de novembro de 2012 às 09:54
“EI ZUMBI, GRANDE REI, TEU POVO JUNTO VEM FESTEJAR. EI ZUMBI, GRANDE REI, OLORUM, NOSSO DEUS A NOS GUIAR.”

Brasil - Espiritualidade Afro
Dia 20 de novembro recordamos Zumbi e o
Dia Nacional da Consciência Negra.
Dia 20 de novembro recordamos Zumbi e o
Dia Nacional da Consciência Negra.
Os povos que estão na origem da sociedade brasileira trazem as ancestrais heranças de profundas espiritualidades. Assim acontece com os indígenas, que constituem a população originária no continente, e com os afros que para cá foram trazidos e segmentos populacionais de diversas partes da Europa que aqui aportaram em busca das ambições provocadas pelo novo mundo. Embora as práticas religiosas e espirituais trazidas por esses diferentes povos tenham sido tratadas de modos muito diferentes, entretanto, permanece em todo o continente uma aura de espiritualidade como característica fundamental de nossa gente. A maneira pela qual as pessoas vêem e sentem a realidade é, sobretudo, com sentimento religioso e espiritual.
Este verdadeiro patrimônio espiritual que está enraizado em todo o continente e de maneira muito marcante em nossa realidade brasileira tem muito a ver com as tradições africanas. Na Bahia, uma das principais localidades das tradições afro no Brasil, tudo expressa sentimentos religiosos e espirituais: no vestir-se, nosalimentos, nas atitudes e, sobretudo no falar. Diante das mais desafiadoras dificuldades, inclusive da árdua luta pela vida, o povo baiano não se dá por vencido e diz: “Deus é mais!”
A espiritualidade afro-brasileira tem duas grandes influências: as heranças africanas e as tradições do catolicismo popular. A primeira foi trazida pelos africanos bantus e nagôs; enquanto que a segunda foi vivenciada aqui entre nós desde a Colônia. Bantu e nagô, cada um destes povos e culturas são marcados por um tipo de espiritualidade. Aliás, todo o povo africano é profundamente religioso.
Os nagôs e a espiritualidade
Assim como o povo da Bíblia tinha vários nomes atribuídos a Deus (Adonai, Goel, Javé), os nagôs também utilizavam diversos nomes para se referir a Deus. Um dos termos bastante freqüentes para designar a divindade suprema é Olorum que quer dizer “Senhor do céu e da terra”, portanto, Senhor de tudo. Para os nagôs tudo o que existe é sagrado porque tudo foi criado por Deus (Olorum). Conseqüentemente a espiritualidade é a linguagem, ou seja, o elemento de compreensão da realidade. Deus no seu ato criador o fez através de uma mediação espiritual infundindo nas coisas criadas a força do seu Axé. Por isso mesmo, tudo o que existe no mundo animal, vegetal e mineral está carregado do Axé de Deus.O Axé é fundamentalmente a energia vital, o sopro de Deus. Para senti-lo e enriquecer-se com sua energia é preciso uma atitude eminentemente espiritual colocando-se em sintonia com Deus, mormente através dos Orixás. O Axé está presente em tudo: nas plantas, nas águas e até nas pedras. Entretanto, como não poderia ser diferente, onde o Axé está abundantemente presente é no ser humano, sobretudo na mulher. Ela é por excelência o receptáculo do Axé de Deus.
A vivência espiritual de cada pessoa passa pela mediação do seu Orixá, ou dos Orixás. Toda pessoa tem um Orixá que zela por ela. A vida espiritual mediada pelos Orixás é um fator de equilíbrio para as pessoas. Zelar pela vida espiritual, portanto, é cuidar do próprio equilíbrio. Não há equilíbrio sem espiritualidade. A origem de todo o mal está no desequilíbrio. A mediação espiritual dos Orixás possibilita o re-equilíbrio das ações desordenadas.
Espiritualidade e vida para os nagôs constituem uma unidade inseparável. Não há qualquer possibilidade de um procedimento dualista que separe corpo e alma. Por isso mesmo a espiritualidade é um dado efetivo e afetivo. Ela mostra a afeição de Deus para com as suas criaturas e, por outro lado, comunica-lhes a sua energia vital (Axé). A vida conduzida pela vivência espiritual possibilita o equilíbrio aqui nesta terra e, após a morte, o convívio eterno junto a Olorum (Deus).
Espiritualidade bantu
A cultura bantu é bastante difusa, como também a sua religiosidade e espiritualidade. Entretanto é importante assinalar algumas de suas características. O ponto de partida é sempre a compreensão de Deus. Assim como para os nagôs, também para os bantus, Deus é o Ser Supremo. Chamado de Zambi ou Zambe, Ele é o criador e condutor de todas as coisas. Zambi no seu ato criador, primeiro criou o coletivo: Mãe, Pai e Filhos, ou seja, criou a família. Portanto, pelo ato criador de Deus o coletivo adquire a centralidade na função ética e conseqüentemente no procedimento espiritual. A espiritualidade bantu passa pela vivência comunitária. Quem vive comunitariamente mantém-se em permanente união com Deus (Zambi) e dele recebe os benefícios. Ao contrário, quem não vive comunitariamente determina a sua própria maldição.
Outra dimensão importante da espiritualidade bantu é a ancestralidade. O ancestro não é simplesmente o morto, mas o antepassado vivente. Exatamente porque viveu comunitariamente o antepassado tornou-se ancestro. E, como tal, continua presente na vivência (história) da comunidade. O ancestro liga o passado ao presente e projeta o futuro. A ancestralidade valoriza a história e, ao mesmo tempo a transcende. O ancestro é um mediador espiritual. Antes das funções litúrgicas ou dos atos religiosos evoca-se a memória dos ancestros. Tudo começa por ali. A invocação dos ancestros faz com que as gerações atuais percebam que a história lhes é anterior e será também posterior. Cada geração não é começo nem fim é um elo, e isso se dá não de maneira isolada, mas comunitariamente.
Na concepção espiritual bantu, vida e morte são igualmente importantes. Viver com dignidade, morrer com dignidade. O que assegura o viver com dignidade é a vivência comunitária, que não suprime o valor do indivíduo descambando em coletivismo, mas o qualifica como ser de relações. A vivência comunitária é o salvo-conduto para a vida eterna e para a condição de ancestro. Portanto, a morte é vista com pesar, sem dúvida, porém, com muito respeito porque ela é acima de tudo o grande trânsito espiritual. Por isso, inclusive, o devido respeito e até veneração para com o morto, depositando cuidadosamente o seu corpo na terra, porém, com a certeza de que pela sua vivência comunitária ele está junto de Zambi, na sua glória eterna.
Espiritualidade afro-brasileira
Há uma espiritualidade cultivada por alguns seguimentos religiosos no Brasil que se mantém fiel às originárias tradições e religiões africanas, sobretudo dos povos nagôs. Entretanto a maioria do nosso povo tem uma vivência religiosa caracterizada pela prática do catolicismo popular amalgamada com tradições culturais africanas, sobretudo, com os elementos da religiosidade bantu (reizados, congados etc.). Hoje, sob o olhar da inculturação, ou seja, de uma maneira legítima de entender a fé cristã a partir do gênio próprio de cada cultura, a Igreja valoriza esses elementos culturais de origem que estejam em sintonia com os ensinamentos cristãos. A esse propósito, diz o documento da Assembléia do CELAM em Aparecida que “a Igreja defende os autênticos valores culturais de todos os povos, especialmente dos oprimidos, indefesos e marginalizados”, e reafirma que “conhecer os valores culturais, a história e as tradições dos afro-americanos, entrar em diálogo fraterno e respeitoso com eles, é um passo importante na missão evangelizadora da Igreja” (DA, 532).
A espiritualidade afro vivida nos ambientes populares ou em outras instâncias, tem como referência não só os elementos das tradições culturais, mas, inclusive a história de sofrimento e de luta da comunidade negra que vai da escravidão à libertação e na incessante busca atual por participação e igualdade. O centro da espiritualidade afro é o Cristo ressuscitado. Não por acaso os grandes centros de manifestação da religiosidade e espiritualidade afro são dedicados a Cristo debaixo de vários nomes, como por exemplo: Bonfim, na Bahia; Matozinho, em Minas; Senhor dos Milagres, em Lima, Peru, e outros. Portanto, é uma espiritualidade eminentemente cristológica.
A devoção mariana tem lugar especial na espiritualidade afro. O ícone maior desta espiritualidade é Aparecida, a negra Mariama. Ela representa a opção de Deus para com os negros, os pobres mais pobres nos tempos da escravidão, quando ela apareceu toda negra. Ainda hoje ela continua solidária com aqueles que são os mais marginalizados e ex¬cluídos da sociedade, os negros, que ainda são maioria. Na V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe em Aparecida, os bispos concluíram que “o seguimento de Jesus no continente passa também pelo reconhecimento dos afro-americanos como desafio que interpela a viver o verdadeiro amor a Deus e ao próximo” (DA, 532).
[Publicado na edição Nº09 – Novembro 2007 - Revista Missões].
Por Antônio Aparecido da Silva
Sacerdote orionita, professor de Teologia no Itesp-SP, Assessor da Pastoral Afro, Membro da Equipe Teológica da CRB-Nacional e Presidente do Centro Atabaque de Cultura Negra e Teologia, SP. (já falecido)
Fonte: ANTONIO J.R.COSTA RAMOS
http://www.arquidiocesedesaoluis.com.br/2012/11/20/20-de-novembro-dia-nacional-da-consciencia-negra-2042.htm

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