terça-feira, 2 de outubro de 2012
Máximas Bíblicas e dos Pais da Igreja
Introdução
obra que o leitor tem em mãos, [...] consiste em três coleções de sentenças, compiladas e ordenadas a partir das Escrituras, dos escritos dos santos padres dos primeiros séculos do cristianismo e de autores cristãos posteriores.
A primeira coleção, denominada de “Sentenças Diversas”, conforme o nome indica, introduz as duas restantes e provém de um número diverso de autores.
A segunda coleção provém das cartas deixadas por Santo Antão, o homem através do qual, ainda sob as perseguições romanas, teve início a vida monástica junto às areias do deserto egípcio.
A terceira parte, sobre as virtudes teologais, baseia-se principalmente em Santo Tomás de Aquino e Hugo de São Vitor, e provém do décimo capítulo da obra “A Educação segundo a Filo Perene” [...]
Sob a forma de curtas sentenças são aqui apresentados pontos de referências fundamentais da espiritualidade cristã e uma introdução à meditação das Sagradas Escrituras a que se refere o Cântico dos Cânticos quando diz:
Eis o palanquim de Salomão,
ao qual rodeiam sessenta valentes
dos mais fortes de Israel,
todos armados com espadas,
doutíssimos para a guerra.
Cada um leva a espada sobre o fêmur,
por causa dos temores noturnos.
Cant. 3, 7-8
E também:
Para sempre, Senhor, permanece a tua Palavra,
ela é estável como o Céu.
Quanto eu amo a tua Lei, Senhor!
Ela é minha meditação todo o dia.
Lâmpada para os meus passos é a tua Palavra,
e luz para os meus caminhos.
A justiça das tuas prescrições é eterna,
dá-me a inteligência delas e viverei.
Os meus lábios rompam num hino,
quando me ensinares os teus estatutos".
Salmo 118
Pediram-nos uma pequena introdução para este livrinho que contém grandes tesouros de Sabedoria. Pareceu-nos mais justo uma apreciação. O autor fez um excelente trabalho, colocando à nossa disposição importantes textos de mestres e santos da Antigüidade cristã e de autores cristãos posteriores. De modo especial, porém, nos familiariza com as Sagradas Escrituras, fonte inesgotável de energia, vitalidade e crescimento no amor de Deus, na fé, na esperança, na paz e, importantíssimo, na compreensão, compaixão e paciente doçura para com todos os nossos companheiros e companheiras de peregrinação terrestre a caminho da Casa do Pai comum.
Destacamos com satisfação os textos das cartas de Santo Antão, que hão de interessar particularmente aos que, sempre mais numerosos, fatigados da sociedade consumista em que nos vemos envolvidos, geradora das mais terríveis e dolorosas injustiças, misérias e violências, procuram na oração e no estudo melhor conhecer e aprofundar nossas raízes cristãs para viver e transmitir com mais autenticidade o ideal evangélico que o Espírito mantém vivo em nosso coração.
Na terceira parte, em boa hora, o autor nos lembra como nossa vida é enriquecida pelas virtudes teologais (virtus, em latim = força) e nos informa como uma de suas obras, "A Educação segundo a Filo Perene", contém um capítulo que se baseia principalmente em Santo Tomás de Aquino e Hugo de São Vitor. Ora, à primeira vista poderia isto não interessar ao leitor contemporâneo, tentado a desconsiderar autores de outras épocas. No entanto, sabemos que Jesus declarou:
O homem sábio tira do tesouro de seu coração
coisas novas e velhas.
E sabemos também como a Igreja, Mãe e Mestra, atenta aos sinais dos tempos, procura, guiada pelo Espírito Santo, aplicar aos problemas da vida moderna os princípios básicos e perenes. Um dos problemas que afligem profundamente quem se esforça por viver com seriedade o exigente desafio assumido nas promessas do seu batismo é a educação que, como se sabe, considerada tarefa prioritária, não é apenas informação, (o que já seria muito!), mas uma educação que envolve o ser, a pessoa, integralmente.
Neste precioso livro de sentenças, curtas e diversas, cheio de luz e segura orientação, o leitor terá com alegria esclarecidas as dúvidas e perplexidades freqüentemente encontradas em seu caminho e verá aliviada a angústia que tantas vezes acompanha o seu viver, angústia que, no dizer de Guimarães Rosa, nada mais é senão a saudade do Paraíso que todo ser humano carrega no coração.
A leitura e a meditação destes textos nos fará descobrir a liberdade interior que o Cristo veio oferecer a todos os que corajosamente obedecem à voz de sua consciência, voz de Deus, obediência cujo fruto é aquela paz que supera todo entendimento (São Paulo) e é recompensa, já aqui na Terra, da fé confiante no amor de Deus e da firme esperança em suas promessas:
"Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Vinde a Mim!"
Nosso sincero agradecimento, pois, ao autor pelo serviço que nos presta, pelo estímulo e conforto a nós transmitidos. Nosso desejo e nossa oração: possam estas páginas, compiladas e ordenadas com tanto amor, se transformarem em livro de bolso e livro de cabeceira.
As monjas beneditinas do Mosteiro da Virgem Petrópolis,
setembro de 1997, Laus Deo et BVM
Parte I
"Se tiverdes fé como um grão de mostarda,
direis a este monte: `
Muda-te daqui para ali',
e ele se mudará,
e nada vos será impossível."
Mt. 17,20.
"Se a vossa justiça
não exceder a dos escribas e a dos fariseus,
não entrareis no Reino dos Céus."
"Ouvistes o que foi dito aos antigos:
'Não matarás'.
Eu, porém, 'vos digo:
todo aquele que se encolerizar contra o seu irmão
será réu em juízo.'"
Ouvistes (também) o que foi dito:
Não cometerás adultério'.
Eu, porém, vos digo:
todo aquele que olha para uma mulher para cobiçá-la,
já cometeu adultério com ela em seu coração.
Entrai pela porta estreita,
porque larga é a porta e espaçoso o caminho
que conduz à perdição,
e muitos são os que entram por ele.
Mt. 5,1; 20-27; 7,13.
Quem se aproxima das lições das Sagradas Escrituras com o desejo de aprender, deve considerar primeiro qual é o assunto de que tratam, pois assim poderá alcançar mais facilmente a verdade e a profundidade de suas sentenças. A matéria de todas as Sagradas Escrituras é a obra da restauração humana.
O fim a que deve aspirar cada cristão é, segundo o permitirem as próprias forças, observar exatamente a lei divina e os conselhos evangélicos, cuidando, neste sentido, excluídos os casos de extrema necessidade, em primeiro lugar de si próprios e em seguida do próximo, naqueles ministérios de caridade que, de acordo com os tempos e lugares, devem ser executados para buscar a maior glória de Deus e o próprio adiantamento espiritual, as quais duas coisas não devem afastar-se jamais da mente e do coração de cada um.
O maior mandamento do Cristianismo é o da caridade para com Deus:
“Amarás o Senhor teu Deus
com todo o teu coração,
com toda a tua alma,
com toda a tua mente,
e com todas as tuas forças".
Mc. 12,28 4.
A Escritura nos manifesta o quanto devemos amar o nosso bem que é Deus. Não preceituou apenas que o amássemos, ou que amássemos apenas a Deus, mas que o amássemos o quanto pudéssemos. A tua possibilidade será a tua medida; quanto mais o amares, mais o terás.
O mandamento da caridade divina é a nova aliança que o Senhor fez, escrevendo sua lei em nossa mente e em nosso coração e fazendo de nós templos do Espírito Santo. Cada cristão o explicará aos seus filhos, meditará nele quando sentado em sua casa, andando pelo caminho, ao dormir e ao levantar, o ligará como um sinal às suas mãos, estará e se moverá entre seus olhos, e o escreverá no limiar e nas portas de sua casa.
Quem desejar cumprir verdadeiramente o mandamento da caridade divina deve, primeiramente, renunciando a si próprio, decidir-se a abandonar toda obra e ocupação que tenha caráter pessoal e dedicar-se exclusivamente àquelas ocupações que tenham razão de caridade.
A primeira e mais fundamental de todas as ocupações que têm razão de caridade é a oração. A oração é uma elevação da mente a Deus, para lhe pedir a fé e a graça do Espírito Santo. Por meio da fé aprendemos a desprezar as coisas visíveis enquanto visíveis. Sem fé é impossível crescer no mandamento do amor. Antes de tudo o mais, deve-se orar incessantemente sem jamais desanimar, e dar graças a Deus por tudo aquilo que em nossa vida ocorreu e por tudo aquilo que há de ocorrer. Quando alguém se entrega a Deus pela oração, Deus tem piedade dele e lhe concede o Espírito de conversão.
Depois da oração, deve-se renunciar a todas as demais obras, grandes e pequenas, que não tenham razão de caridade e, em todas as demais obras além da oração, deve-se pedir a Deus para não as fazer apenas por um amor virtual, mas também por um amor atual a Deus, de tal modo que, fazendo-as, isto contribua para elevar a memória até Deus, conforme diz o salmista:
“Cantai ao Senhor um cântico novo,
louvai o seu nome entre danças".
Diz o Senhor:
“Deixemos os mortos sepultar os seus mortos".
É preciso, pois, que muito nos acautelemos da malícia e da sutileza de Satanás, que não quer que o homem eleve o seu espírito e coração para o Senhor seu Deus. Ele nos espreita sem cessar, e gostaria, sob as aparências de uma recompensa ou vantagem, atrair para o seu lado o coração do homem e sufocar-lhe na memória a palavra e os preceitos do Senhor, e obcecar-lhe o coração por meio das solicitudes e cuidados mundanos e nele habitar.
Na verdade, acontece que habitamos na própria morada do ladrão. Nela estamos presos pelas cadeias da morte. Importa, pois, se nós compreendemos a nossa morte espiritual, que muito nos vigiemos a nós mesmos, a fim de não perdermos ou desviarmos do Senhor a nossa mente e o nosso coração sob a aparência de uma recompensa ou obra ou vantagem.
Mas na santa caridade que é Deus, que todos removam todos os obstáculos e posterguem todos os cuidados para, com o melhor de suas forças, servir, amar, adorar e honrar de coração reto e mente pura o Senhor nosso Deus, pois é isso o que Ele deseja sem medida.
E que Deus abençoe a todos os que isto ensinarem, aprenderem, guardarem, recordarem e praticarem.
A obra pela qual o homem pode agradar a Deus é a lei e a obra da caridade. Ela é a boa vontade, que perfeitíssimamente agrada a Deus. Cumpre-a aquele que incessantemente louva a Deus com pensamentos puros, que produzem a memória de Deus e a memória dos bens que Ele nos prometeu, e que em nós cumpriu por obras, e de sua grandeza. Da memória destas coisas se origina no homem aquele amor perpétuo que nos foi prescrito:
"Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração,
de toda a tua alma, e com toda a tua força".
Está também escrito:
"Como a corça que suspira pelas águas da torrente,
assim minha alma suspira por vós, ó Senhor".
Assim é necessário que cumpramos para com o Senhor esta obra e esta lei, para que em nós se cumpra aquela sentença do Apóstolo:
"Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?
Certamente nem as tribulações, nem as tristezas, nem a fome,
nem a nudez, nem as angústias, nem a espada, nem o fogo".
Deve-se considerar que, se se age assim, todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus.
Não se deve preocupar com a própria vida, nem pelo que haverá para se comer, ou pelo que haverá para se beber, e nem pelo corpo, pelo que haverá para se vestir. Deve-se preocupar, ao contrário, em primeiro lugar, em buscar o Reino de Deus. Todas as demais coisas serão acrescentadas, porque o trabalhador tem direito ao seu sustento.
Se pudéssemos ver os fios sutis com que a providência urde a tela de nossa vida, apoderar-se-iam de nós sentimentos de gratidão e amor para com nosso bom Pai celestial e, deixando nas suas mãos todo o cuidado sobre o nosso futuro, contentar-nos-íamos de ser a pequena lançadeira que doce e calmamente desliza entre os fios da urdidura divina.
Pela glória de Deus, pela sua salvação, e pela dos próximos, deve- se estar verdadeiramente dispostos a padecer muito, ser burlado, desprezado e sofrer voluntariamente trabalhos e tribulações.
“Se o grão de trigo, lançado a terra, não morrer, fica só, como é;
mas, se morrer, produz abundante fruto”.
Jo 12, 24 14.
Deve-se, finalmente, agir de tal maneira que a principal ocupação seja sempre a oração; para que Deus habite permanentemente em nós pela caridade, devemos também construir em nós uma casa para a fé, para que se realizem as palavras de São Paulo:
“Já que ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas do alto,
pensai nas coisas do alto, não vos interesseis pelas terrenas,
já que vós morrestes, e vossa vida está escondida com Cristo em Deus";
e também as de Cristo:
"A tua fé te salvou".
Lc. 8,48.
REFERÊNCIAS:
1. Hugo de São Vitor: De Sacramentis Fidei Christianae, Prólogo; Migne PL 176,183.
2. S. Paulo da Cruz: Regra da Congregação dos Clérigos Passionistas, C.1,2.
3. S. Marcos: Evangelho, C.12,28.
4. Hugo de São Vítor: De Sacramentis Fidei Christianae, L.II P.XIII C.9; Migne PL 176, 535.
5. S. Marcos: Evangelho, C.12,28. S.Paulo: Epístola aos Hebreus; C. 8,10. Jeremias: C. 31,31-34. S. Leão Magno: Sermo 21, C.3; Migne PL 54,192-3. Deuteronômio: C. 6,4-9; C. 11,18-21.
6. S. Lucas: Evangelho, C. 14,25-35.
7. S. Afonso Ligório: O Grande meio da Oração, Intr.. S. João Damasceno: De Fide Orthodoxa, L. III, C. 24. S. Marcos Diádoco: Capita Centum de Perfectione Spirituali, C. 1; Migne, PG 65,1167. S. Antão: Regulae sive Canones ad filios suos; Migne, PG 40, 1065. Epistola I; Migne, PG 40, 981.
8. S. Inácio Loyola: Exercícios Espirituais. S. Antão: Interrogationes Quaedam; Migne, PG 40, 1093-5. Salmo 149.
9. S. Francisco de Assis: Regra não aprovada dos Frades Menores, C. 22-23. S. Antão: Epístola II; Migne, PG 40, 986-987.
10. S. Antão: Interrogationes Quaedam; Migne, PG 40, 1093-5.
11. S. Paulo: Epístola aos Romanos, C. 8.
12. S. Tomás de Aquino: Quaestiones Disputatae de Veritate, Q.5 a.8.
13. Vida de S. Francisca Xavier Cabrini, por uma Missionária do Sagrado Coração, C. 9.
14. S. João: Evangelho, C. 12,24.
15. S. João da Cruz: Regra da Congregação dos Clérigos Passionistas, C. 4,11.
S. João da Cruz: Subida do Monte Carmelo. S. Paulo: Epístola aos Colossenses, C. 3,1-3. S. Lucas: Evangelho, C. 8,48.
Parte II
ntes de tudo o mais, orai ininterruptamente sem jamais desanimar, e dai graças a Deus diante de tudo o que vos acontecer.
Meus queridos filhos, por que vos nomear com vossos nomes terrestres e efêmeros? Vós sois filhos de Israel por nascimento, e é esta natureza espiritual que saúdo em vós.
Caríssimos, não descuidemos de nossa salvação. Sabei que se alguém se entrega a Deus de todo o coração, Deus tem piedade dele e lhe concede o Espírito de conversão.
Sabemos que desde as origens do mundo, os que encontraram na Lei da Aliança o caminho do seu Criador foram acompanhados por sua bondade, sua graça e seu Espírito. Mas os homens, incapazes de exercerem sua inteligência segundo o estado da criação original, inteiramente privados de razão, sujeitaram-se à criatura em vez de servir ao Criador.
Mas nossa natureza permanecia imortal.
O Criador de todas as coisas, em seu infatigável amor, desejava visitar- nos em nossas enfermidades e em nossa dissipação. Então, por nos amar tanto, Ele humilhou-se e revestindo a imagem de servo, fez-se obediente até à morte. Nossas iniqüidades foram as suas humilhações e suas chagas, nossa cura. Ele nos reuniu de todos os lugares, ressuscitando nossas almas, perdoando nossos pecados, ensinando-nos que somos membros uns dos outros.
Eu vos suplico, irmãos, penetrai-vos bem da maravilhosa economia da salvação.
Todo ser dotado de inteligência espiritual, aquele para quem veio o Senhor, deve tomar consciência de sua própria natureza, isto é, deve conhecer-se a si mesmo.
Aquele que houver negligenciado seu progresso espiritual e não houver consagrado todas as suas forças a essa obra, deve saber com certeza, que a vinda do Senhor será para ele o dia de sua condenação.
Suplico-vos, irmãos muito amados, não negligencieis a obra de vossa salvação. Está próximo o tempo em que aparecerão à luz do dia as obras de cada um.
Seja-vos dado tomar bem consciência da graça que Ele vos deu. Não é a primeira vez que Deus visita as suas criaturas. Ele as conduz desde as origens do mundo e, de geração em geração, mantém cada uma desperta pelos acontecimentos de sua graça. Não negligenciemos, pois, chamar a Deus dia e noite. Fazei violência à ternura de Deus. Do céu Ele vos enviará Aquele cujo ensinamento vos permitirá conhecer o que é bom para vós.
Filhos, é na morte que habitamos. Nossa morada é a cela de um prisioneiro. As cadeias da morte nos prendem.
Não concedais sono a vossos olhos, nem deixeis que vossas pálpebras dormitem.
Oferecei-vos a Deus como vítimas muito puras, e fixai-o com o olhar, pois ninguém, como diz o Apóstolo, se não for puro, pode contemplar a Deus.
Filhos, é certo que nossa enfermidade e nossa humilhação são dor para os santos e causa das lágrimas e gemidos que oferecem por nós diante do Criador do Universo.
Deus ama para sempre suas criaturas que, imortais por essência, não desaparecem com o corpo. Ele viu a natureza espiritual precipitar-se no abismo e aí encontrar a morte perfeita e total. Em sua bondade, Deus visitou sua criatura por meio de Moisés. Esse Moisés quis curar essa profunda ferida e levar-nos à comunhão original, porém não conseguiu e partiu. Depois dele vieram os profetas, puseram-se a construir sobre os fundamentos deixados por Moisés, mas, sem chegar a curar a chaga profunda da família humana, reconheceram sua incapacidade. Uma súplica foi então elevada à bondade do Pai em relação a seu Filho Único, pois nenhuma criatura seria capaz de curar a profunda ferida do homem. Ele tomou sobre si esta missão; nossas iniqüidades produziram suas humilhações; suas chagas, nossa cura. Ele nos reuniu de um extremo a outro do universo, ressuscitou nosso espírito da terra e nos ensinou que somos membros uns dos outros.
Tomai cuidado, filhos, que não se realize para nós a palavra de Paulo: que tenhamos "apenas a aparência exterior da obra de Deus renegando o seu poder".
Que corram lágrimas diante de Deus e que todos digam: "Que retribuirei ao Senhor pelo bem que Ele me fez?"
Compreendei bem o que vos digo e declaro: Se cada um de vós não chega a odiar o que é da ordem dos bens terrestres e a isso não renunciar de todo coração, assim como a todas as atividades que daí dependem, se não chega a elevar as mãos e o coração ao Céu para o Pai de todos nós, não é para si a salvação. Mas se fazeis o que acabo de dizer, Deus vos enviará um fogo invisível, que consumirá vossas impurezas e devolverá vosso espírito à sua pureza original. O Espírito Santo habitará em vós, Jesus permanecerá junto de nós e poderemos adorar a Deus como é devido.
Enquanto quisermos viver em paz com as coisas do mundo, seremos os inimigos de Deus, de seus anjos e santos.
Desde agora eu vos suplico, caríssimos, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, não descuideis de vossa salvação; que esta vida tão curta não vos valha a desgraça para vossa vida eterna; que o cuidado com um corpo perecível não oculte o Reino da luz inefável.
Meu coração se espanta e minha alma se aterroriza, pois nós mergulhamos no prazer como gente embriagada de vinho, porque nos deixamos distrair por nossos desejos, deixamos reinar em nós a vontade própria e recusamos elevar nossos olhos para o céu buscando a glória celeste.
A todos os meus irmãos muito amados, a todos vós que vos preparais para vos aproximardes do Senhor, saúdo nEle, irmãos caríssimos, vossa natureza espiritual.
Como são grandes, meus filhos, essa felicidade que vos coube e essa graça concedida a vossa geração. Por causa dAquele que vos visitou, convém que não cedais à fadiga do combate até àquela hora em que vos possais oferecer a Deus como vítimas de uma grande pureza, pureza sem a qual não existe herança celeste.
É muito importante que vos interrogueis acerca da natureza espiritual, na qual não há mais nem homem nem mulher, mas somente uma essência imortal que tem um começo e jamais terá fim. Será uma obrigação para vós conhecê-la, e como decaiu totalmente a esse ponto de tamanha humilhação e imensa confusão, num trânsito que não poupou a nenhum de vós. Sendo imortal por essência, foi por causa dela que Deus, vendo-a infeccionada por uma praga irremediável e que, além disso, aumentava prodigiosamente, decidiu em sua clemência visitar suas criaturas.
Eu desejaria, pois, que bem o soubésseis, meus queridos filhos no Senhor, que por causa de nossa loucura, Ele tomou a libré da loucura; por causa de nossa morte, Ele tomou a libré de um mortal; e por nós sofreu tanto. Não concedais, pois, caríssimos no Senhor, sono a vossos olhos, nem deixeis que vossas pálpebras dormitem, mas suplicai e fazei violência à bondade de Deus para que Ele venha em nosso socorro e possamos preparar-nos para consolar Jesus por ocasião de sua vinda.
Quero que saibais, filhos, quanto sofro por vós quando vejo a profunda decadência que a todos nós ameaça, e quando considero essa solicitude dos santos por nós e as orações que eles fazem continuamente subir, em nossa intenção, a Deus seu Criador. Somos criaturas racionais e nos comportamos irracionalmente, ignorando as múltiplas maquinações do diabo, que percebeu que procuramos tomar consciência de nossa queda e procuramos o meio de escapar às obras más de que ele é cúmplice.
Que Deus abra os olhos de vosso coração para que percebais os múltiplos malefícios secretos, lançados todos os dias sobre nós no decorrer do tempo. Faço votos que Deus vos dê um coração clarividente e um espírito de discernimento a fim de vos apresentardes a Ele como uma vítima pura e sem mancha.
Tomai este corpo de que estais revestidos, fazei dele um altar, e sobre este altar colocai vossos pensamentos, e sob o olhar do Senhor, abandonai todo mau desígnio, elevai as mãos de vosso coração a Deus, (é o que faz o Espírito quando está operando), e pedi-lhe que vos conceda este belo fogo invisível que sobre vós descerá do Céu e consumirá o altar e suas oferendas.
Grande é a vossa felicidade por terdes tomado consciência de vossa miséria e por terdes fortalecido em vós essa invisível essência que não passa com o corpo.
Persuadi-vos bem que vosso ingresso e vosso progresso na obra de Deus não são obra humana, mas intervenção do poder divino que não cessa de vos assistir.
Empenhai-vos sempre em oferecer-vos a vós mesmos como vítimas a Deus, e acolhei com fervor a força que vos ajuda para tanto.
Se vos falo neste tom insistente é porque somos todas criaturas de uma essência que teve um começo, mas não terá fim. Aquele que se conhece verdadeiramente não terá dúvida alguma sobre sua essência imortal.
Guardai também isso bem presente ao espírito, meus queridos filhos no Senhor, santos filhos de Israel por vosso nascimento. Estai sempre prontos a vos aproximardes do Senhor como vítimas puras, dessa pureza que ninguém pode herdar a não ser que a pratique desde este mundo.
Sede, pois, vigilantes, caros filhos, não permitais que vossos olhos durmam nem que vossas pálpebras dormitem, mas clamai dia e noite a vosso Criador para que vossos pensamentos se firmem no Cristo.
Na verdade, filhos, acontece que habitamos na própria morada do ladrão e é pelas cadeias da morte que nela estamos presos. Este estado de negligência, de queda, de exclusão da santidade faz não só a nossa perda, mas também o sofrimento dos anjos e dos santos de Cristo, pois nunca lhes demos ainda algum motivo de paz.
Que também se abram os ouvidos de vosso coração para que tomeis consciência de vossa miséria. Que aquele que toma consciência de sua vergonha logo se ponha a buscar a glória à qual é chamado; que aquele que compreende a sua morte espiritual bem depressa reencontre o gosto da vida eterna.
Foi em conseqüência de nossos inúmeros pecados, de nossas funestas revoltas, de nossas paixões sensuais que a Lei da Promessa se atenuou e as faculdades de nossa alma se enfraqueceram. Por causa da morte a que fomos precipitados, tornou-se a nós, impossível atender a nosso verdadeiro título de glória: nossa natureza espiritual.
No Senhor eu vos suplico, caros filhos: deixai-vos penetrar bem pelo que vos escrevo. Voltai vossa alma para vosso Criador. Perguntai a vós mesmos o que seria possível retribuir ao Senhor por todas estas graças. É tão grande a sua bondade que Ele quis que o próprio Sol se ponha a nosso serviço nesta habitação de trevas, assim como a Lua e as estrelas, para sustentar fisicamente um ser cuja fraqueza o condenaria a perecer. Não sofreram por nós os patriarcas? Não nos dispensaram os sacerdotes os seus ensinamentos? Não combatiam por nós os juizes e reis? Não foram mortos por nós os profetas? Não sofreram os Apóstolos perseguição por nós? E não morreu por todos nós o Filho bem amado? Agora é a nossa vez de nos dispormos a ir ao nosso Criador pelo caminho da pureza.
Filhos caríssimos no Senhor, queirais permanecer prontos a vos oferecerdes a vós mesmos como vítimas de toda pureza.
Nosso Criador, em sua bondade, quis reconduzir-nos a nosso estado original que jamais deveria ter desaparecido. Ele não se poupou, mas visitou suas criaturas para salvá-las todas. Nossas iniqüidades causaram sua humilhação, mas por suas chagas fomos curados.
Se, pois, o homem dotado de razão quer preparar para si uma absolvição por ocasião da vinda do Senhor, é preciso que ele se examine e se interrogue sobre o que poderia retribuir a Deus por todos os bens d’Ele recebidos.
Também eu, o mais miserável de todos, que estou escrevendo esta carta, desperto de meu sono de morte, passei o mais luminoso dos dias que me foram concedidos na terra a me perguntar, com pranto e lágrimas, com que poderia retribuir ao Senhor por tudo o que Ele me fez.
Meus caríssimos no Senhor, a vós que sois co-herdeiros dos santos, rogo que desperteis em vosso coração o temor de Deus. Preparemo-nos, pois, santamente, e purifiquemos nosso espírito para sermos puros a receber o batismo de Jesus e a nos oferecermos como vítimas agradáveis a Deus. O Espírito Consolador, recebido no Batismo, nos conduzirá a nosso estado original.
Verdadeiramente nada nos faltou em tudo o que Ele empreendeu por nossa miséria. Deu-nos Anjos como servidores, a seus profetas ordenou que nos instruíssem por seus oráculos, a seus apóstolos prescreveu que nos evangelizassem. Mais ainda: pediu a seu Filho único que tomasse, por nossa causa, a condição de escravo.
O homem dotado de razão que se prepara para a libertação que lhe trará a vinda de Jesus deve conhecer o que é segundo a sua natureza espiritual. Deus não veio somente uma vez visitar suas criaturas. Desde a origem, a Lei da Aliança encaminhou muitos para o Criador e ensinou-lhes como adorar a Deus convenientemente. Mas a extensão do mal, o peso do corpo, as paixões perversas tornaram impotente a Lei da Aliança e deficientes os sentidos interiores. Impossível recobrar o estado da criação primeira. Por isso é que Deus, em sua bondade, proporcionou-lhes aprender, pela Lei escrita, como adorar o Pai.
O Criador constatou que a chaga se envenenava e que era necessário recorrer a um médico; Jesus, já criador dos homens, vem ainda curá-los. Ele se entregou por todos nós; nossos pecados causaram a sua humilhação; suas chagas, nossa cura.
Peço-vos, caros amigos no Senhor, considerai este escrito como um mandamento do Senhor. Compete-nos agora trabalharmos em nossa libertação, graças à sua vinda; compreendei bem o que sois, para vos dispordes a vos oferecerdes como vítimas agradáveis a Deus. Preparai- vos, porque ainda temos intercessores para suplicar a Deus que ponha em nosso coração aquele fogo na terra espalhado por Jesus.
Caros irmãos, chamados a partilhar da herança dos santos, agora estais próximos de todas as virtudes. Todas elas vos pertencem se não vos embaraçais na vida carnal, mas permaneceis transparentes diante de Deus. É a pessoas capazes de me compreender que escrevo, a pessoas em condições de se conhecerem a si mesmos. Quem se conhece, tem a obrigação de adorar a Deus como convém.
Digo-vos, em verdade, caros filhos, que esta palavra de salvação e de liberdade está longe de se ter esgotado. Entrar no detalhe do assunto seria preparar um longo discurso, e está escrito: "Dá um pouco ao sábio e ele se tornará ainda mais sábio". Breves palavras bastam para nos consolar. Uma vez que o espírito as apreendeu, não há necessidade das palavras freqüentemente ambíguas de nossa boca.
Parte III: Santo Antâo
Se ouvirdes atentamente a minha voz
e guardardes a minha aliança,
sereis minha propriedade especial entre todos os povos,
porque minha é a terra e vós constituireis para mim
um reino de sacerdotes e uma nação santa.
Ex. 19,5-6.
Eis que celebrarei uma aliança:
diante de todo o povo farei maravilhas
que jamais foram operadas em terra alguma,
nem em nenhuma nação;
e todo o povo no meio do qual te encontras,
contemplará a glória do Senhor.
Guarda-te de fazer aliança alguma
com os habitantes da terra para a qual te diriges,
a fim de que não constituam um laço no meio de ti.
Pelo contrário, derrubarás os seus altares,
despedaçarás as suas estátuas
e cortarás os seus bosques.
Não adorarás nenhum outro deus,
porque Zeloso é o nome do Senhor:
um Deus zeloso é Ele.
Cuida de não estabelecer aliança com os habitantes do país,
porque se prostituem aos seus deuses
e lhes oferecem sacrifícios,
e te convidariam e comerias de seus sacrifícios.
Ex. 34,10-16
Aproximai-vos de Cristo, pedra viva, eleita e estimada por Deus,
também vós, como pedras vivas.
Vinde formar um templo espiritual para um sacerdócio santo,
a fim de oferecer sacrifícios espirituais,
agradáveis a Deus por Jesus Cristo.
Sois uma estirpe eleita, sacerdócio real, gente santa,
povo trazido à salvação,
para tornardes conhecidos os prodígios
d’Aquele que vos chamou das trevas
para a luz admirável.
1 Pe. 2, 4-5
O Senhor é digno de receber o louvor
e de abrir os selos do Livro,
porque foi imolado e nos remiu para Deus com o seu sangue,
e fez de nós reis e sacerdotes para o nosso Deus.
Àquele que nos amou,
que nos lavou dos nossos pecados pelo seu sangue,
e que nos fez ser reino e sacerdotes de Deus seu Pai,
a Ele a glória e o império
pelos séculos dos séculos. Amém.
Ap. 5,1
Quem se aproxima das lições das Sagradas Escrituras com o desejo de aprender, deve considerar primeiro qual é o assunto de que tratam, pois assim poderá alcançar mais facilmente a verdade e a profundidade de suas sentenças. A matéria de todas as Sagradas Escrituras é a obra da restauração humana.
O fim a que deve aspirar cada cristão é, segundo o permitirem as próprias forças, observar exatamente a lei divina e os conselhos evangélicos, cuidando, neste sentido, excluídos os casos de extrema necessidade, em primeiro lugar de si próprios e em seguida do próximo, naqueles ministérios de caridade que, de acordo com os tempos e lugares, devem ser executados para buscar a maior glória de Deus e o próprio adiantamento espiritual, as quais duas coisas não devem afastar-se jamais da mente e do coração de cada um.
O maior mandamento do Cristianismo é o da caridade para com Deus:
"Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração,
com toda a tua alma, com toda a tua mente,
e com todas as tuas forças". Mc. 12,28. 4.
A Escritura nos manifesta o quanto devemos amar o nosso bem que é Deus. Não preceituou apenas que o amássemos, ou que amássemos apenas a Deus, mas que o amássemos o quanto pudéssemos. A tua possibilidade será a tua medida; quanto mais o amares, mais o terás.
O mandamento da caridade divina é a nova aliança que o Senhor fêz, escrevendo sua lei em nossa mente e em nosso coração e fazendo de nós templos do Espírito Santo. Cada cristão o explicará aos seus filhos, meditará nele quando sentado em sua casa, andando pelo caminho, ao dormir e ao levantar, o ligará como um sinal às suas mãos, estará e se moverá entre seus olhos, e o escreverá no limiar e nas portas de sua casa.
Quem desejar cumprir verdadeiramente o mandamento da caridade divina deve, primeiramente, renunciando a si próprio, decidir-se a abandonar toda obra e ocupação que tenha caráter pessoal e dedicar-se exclusivamente àquelas ocupações que tenham razão de caridade.
A primeira e mais fundamental de todas as ocupações que têm razão de caridade é a oração. A oração é uma elevação da mente a Deus, para lhe pedir a fé e a graça do Espírito Santo. Por meio da fé aprendemos a desprezar as coisas visíveis enquanto visíveis. Sem fé é impossível crescer no mandamento do amor. Antes de tudo o mais, deve-se orar incessantemente sem jamais desanimar, e dar graças a Deus por tudo aquilo que em nossa vida ocorreu e por tudo aquilo que há de ocorrer. Quando alguém se entrega a Deus pela oração, Deus tem piedade dele e lhe concede o Espírito de conversão.
Depois da oração, deve-se renunciar a todas as demais obras, grandes e pequenas, que não tenham razão de caridade e, em todas as demais obras além da oração, deve-se pedir a Deus para não as fazer apenas por um amor virtual, mas também por um amor atual a Deus, de tal modo que, fazendo-as, isto contribua para elevar a memória até Deus, conforme diz o salmista: "Cantai ao Senhor um cântico novo, louvai o seu nome entre danças".
Diz o Senhor: "Deixemos os mortos sepultar os seus mortos". É preciso, pois, que muito nos acautelemos da malícia e da sutileza de Satanás, que não quer que o homem eleve o seu espírito e coração para o Senhor seu Deus. Ele nos espreita sem cessar, e gostaria, sob as aparências de uma recompensa ou vantagem, atrair para o seu lado o coração do homem e sufocar-lhe na memória a palavra e os preceitos do Senhor, e obcecar-lhe o coração por meio das solicitudes e cuidados mundanos e nele habitar. Na verdade, acontece que habitamos na própria morada do ladrão. Nela estamos presos pelas cadeias da morte. Importa, pois, se nós compreendemos a nossa morte espiritual, que muito nos vigiemos a nós mesmos, a fim de não perdermos ou desviarmos do Senhor a nossa mente e o nosso coração sob a aparência de uma recompensa ou obra ou vantagem. Mas na santa caridade que é Deus, que todos removam todos os obstáculos e posterguem todos os cuidados para, com o melhor de suas forças, servir, amar, adorar e honrar de coração reto e mente pura o Senhor nosso Deus, pois é isso o que Ele deseja sem medida. E que Deus abençoe a todos os que isto ensinarem, aprenderem, guardarem, recordarem e praticarem.
A obra pela qual o homem pode agradar a Deus é a lei e a obra da caridade. Ela é a boa vontade, que perfeitissimamente agrada a Deus. Cumpre-a aquele que incessantemente louva a Deus com pensamentos puros, que produzem a memória de Deus e a memória dos bens que Ele nos prometeu, e que em nós cumpriu por obras, e de sua grandeza. Da memória destas coisas se origina no homem aquele amor perpétuo que nos foi prescrito:
"Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração,
de toda a tua alma, e com toda a tua força".
Está também escrito:
"Como a corça que suspira pelas águas da torrente,
assim minha alma suspira por vós, ó Senhor".
Assim é necessário que cumpramos para com o Senhor esta obra e esta lei, para que em nós se cumpra aquela sentença do Apóstolo:
"Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?
Certamente nem as tribulações, nem as tristezas,
nem a fome, nem a nudez, nem as angústias,
nem a espada, nem o fogo".
Deve-se considerar que, se se age assim, todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus.
Não se deve preocupar com a própria vida, nem pelo que haverá para se comer, ou pelo que haverá para se beber, e nem pelo corpo, pelo que haverá para se vestir. Deve-se preocupar, ao contrário, em primeiro lugar, em buscar o Reino de Deus. Todas as demais coisas serão acrescentadas, porque o trabalhador tem direito ao seu sustento.
Se pudéssemos ver os fios sutis com que a providência urde a tela de nossa vida, apoderar-se-iam de nós sentimentos de gratidão e amor para com nosso bom pai celestial e, deixando nas suas mãos todo o cuidado sobre o nosso futuro, contentar-nos-íamos de ser a pequena lançadeira que doce e calmamente desliza entre os fios da urdidura divina.
Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só, como é; mas, se morrer, produz abundante fruto. Jo. 12,24. 15.
Pela glória de Deus, pela sua salvação, e pela dos próximos, deve- se estar verdadeiramente dispostos a padecer muito, ser burlado, desprezado e sofrer voluntariamente trabalhos e tribulações.
Deve-se, finalmente, agir de tal maneira que a principal ocupação seja sempre a oração; para que Deus habite permanentemente em nós pela caridade, devemos também construir em nós uma casa para a fé, para que se realizem as palavras de São Paulo:
"Já que ressuscitastes com Cristo,
procurai as coisas do alto,
pensai nas coisas do alto,
não vos interesseis pelas terrenas,
já que vós morrestes,
e vossa vida está escondida com Cristo em Deus";
e também as de Cristo: "A tua fé te salvou".
Lc. 8,48.
Se tiverdes fé como um grão de mostarda,
direis a este monte:`Muda-te daqui para ali',
e ele se mudará,e nada vos será impossível.
Mt. 17,20
Se a vossa justiça
não exceder a dos escribas e a dos fariseus,
não entrareis no Reino dos Céus.
Ouvistes o que foi dito aos antigos:
`Não matarás'. Eu, porém, vos digo:
todo aquele que se encolerizar contra o seu irmão
será réu em juízo.
Ouvistes (também) o que foi dito:
`Não cometerás adultério'.
Eu, porém, vos digo:
todo aquele que olha para uma mulher para cobiçá-la,
já cometeu adultério com ela em seu coração.
Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta
e espaçoso o caminho que conduz à perdição,
e muitos são os que entram por ele.
Mt. 5,1; 20-27; 7,13.
REFERÊNCIAS:
1. Hugo de São Vitor: De Sacramentis Fidei Christianae, Prólogo; Migne PL 176,183.
2. S. Paulo da Cruz: Regra da Congregação dos Clérigos Passionistas, C.1,2.
3. S. Marcos: Evangelho, C.12,28.
4. Hugo de São Vítor: De Sacramentis Fidei Christianae, L.II P.XIII C.9; Migne PL 176, 535.
5. S. Marcos: Evangelho, C.12,28. S. Paulo: Epístola aos Hebreus; C. 8,10. Jeremias: C. 31,31-34. S. Leão Magno: Sermo 21, C.3; Migne PL 54,192-3. Deuteronômio: C. 6,4-9; C. 11,18-21.
6. S.Lucas: Evangelho, C. 14,25-35.
7. S. Afonso Ligório: O Grande meio da Oração, Intr.S.João Damasceno: De Fide Orthodoxa, L. III, C. 24. S. Marcos Diádoco: Capita Centum de Perfectione Spirituali, C. 1; Migne, PG 65,116
7. S. Antão: Regulae sive Canones ad filios suos; Migne, PG 40, 1065. Epistola I; Migne, PG 40, 981.
8. S. Inácio Loyola: Exercícios Espirituais.S.Antão: Interrogationes Quaedam; Migne, PG 40, 1093-5. Salmo 149.
9. S. Francisco de Assis: Regra não aprovada dos Frades Menores, C. 22-23. S. Antão: Epístola II; Migne, PG 40, 986-987.
10. S. Antão: Interrogationes Quaedam; Migne, PG 40, 1093-5.
11. S. Paulo: Epístola aos Romanos, C. 8. S.Tomás de Aquino: Quaestiones Disputatae de Veritate, Q.5 a.8.
12. S. Mateus: Evangelho, C. 6; C. 10.
13. Vida de S. Francisca Xavier Cabrini, por uma Missionária do Sagrado Coração, C. 9.
14. S. João: Evangelho, C. 12,24.
15. S. Paulo da Cruz: Regra da Congregação dos Clérigos Passionistas, C. 4,11.
16. S. João da Cruz: Subida do Monte Carmelo. S. Paulo: Epístola aos Colossenses, C. 3,1-3. S.Lucas: Evangelho, C. 8,48.
Parte IV
ela fé se inicia em nós a vida eterna, pois a vida eterna nada mais é do que conhecer a Deus. De fato, diz o Senhor no Evangelho de S. João: "Esta é a vida eterna: que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro". Ora, este conhecimento de Deus se inicia em nós pela fé.
A fé enquanto conhecimento tem como objeto a Deus e as coisas que se ordenam a Deus. As duas coisas em que maximamente consiste a fé são o mistério de Deus e do Verbo Encarnado. "Nisto consiste a vida eterna", diz Jesus, "que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo". (Jo. 17,3).
As Sagradas Escrituras afirmam que a fé pode crescer e admitir graus de grandeza.
Não conseguindo os Apóstolos curar um jovem lunático, perguntaram ao Cristo porque não o haviam conseguido. Ouviram a seguinte resposta: "Por causa de vossa pouca fé". Mt. 17, 20
Caminhando sobre as águas do mar ao encontro de Jesus, e percebendo a força do vento, Pedro teve medo e começou a afundar. Jesus o repreendeu: "Homem de pouca fé, por que duvidaste?" Mt. 14, 31
Encontrando uma mulher cananéia que lhe suplicava a cura do filho, Jesus lhe disse: "Ó mulher, é grande a tua fé". Mt. 15, 28 7. Os Apóstolos, percebendo quão pequena era a fé que os animava, pediram ao Cristo: "Aumentai a nossa fé". Lc. 17, 5
Há duas coisas em que consiste a fé: `O conhecimento, e o afeto, isto é, a constância e a firmeza no crer'. A fé de alguns é grande pelo conhecimento, mas pequena pela constância e pela firmeza; já a de outros é grande pela constância e firmeza, e pequena pelo conhecimento. Outros, finalmente, há em que a fé é grande ou pequena em ambas as coisas.
O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda. É, na verdade, a menor de todas as sementes, mas, crescendo, é a maior de todas as hortaliças, e faz-se árvore de modo que as aves do céu vem pousar nos seus ramos. Mt. 17, 32
A constância e a firmeza na fé são mais louváveis do que a quantidade de seu conhecimento, pois o Senhor o manifestou claramente quando comparou a fé ao grão de mostarda, que, se pela quantidade é pequeno, não o é, todavia, pelo fervor.
Em verdade eu vos digo, se alguém disser a este monte: `Ergue-te e lança-te no mar', e não hesitar no próprio coração, mas acreditar que aconteça o que diz, isso lhe será feito. Por isso eu vos digo, tudo o que pedirdes na oração, crede como já alcançado, e vos será concedido. Mc. 11, 23-24.
A um centurião romano que veio pedir-lhe que curasse um de seus servos, Jesus, vendo a sua fé, lhe respondeu: `Em verdade vos digo que não encontrei ninguém em Israel com tão grande fé. Vai, faça-se segundo a tua fé'. E naquela mesma hora o servo ficou curado. Mt. 8, 13
Na maioria das vezes em que concedia um milagre, Jesus também respondia ao que lho tinha pedido: `Levanta-te e parte; a tua fé te salvou'; Lc. 17,19 ou então: `A tua fé te salvou; vai em paz'. Lc. 8, 48
Se tiverdes fé como um grão de mostarda, podereis dizer a este monte: `Muda-te daqui para ali', e ele se mudará, e nada vos será impossível. Mt. 17,20
Aquele que crê em mim, diz Jesus, ainda que venha a morrer, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim não morrerá jamais. Jo. 11, 26
`O justo viverá da fé, diz o Senhor, mas, se retroceder, não será aceito à minha alma'. Hb. 10, 37
Há um gênero de homens para os quais crer significa apenas não contradizer a fé, aos quais denominamos fiéis mais pelo costume da vida do que pela virtude de crer. De fato, dedicados apenas às coisas que passam, nunca elevam a mente ao pensamento das coisas futuras; embora recebam os sacramentos da fé cristã juntamente com os demais fiéis, não atentam para o que significa ser cristão ou que esperança há na expectativa dos bens futuros. Estes, embora sejam ditos fiéis pelo nome, de fato e em verdade estão longe da fé. A fé consiste em uma santa dedicação que, partindo de verdades que lhe são oferecidas, com o auxílio da graça do Espírito Santo, inclina decididamente a mente às coisas invisíveis futuras.
Já que ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas do alto, pensai nas coisas do alto, não vos interesseis pelas terrenas, já que vós morrestes, e vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Col. 3, 1-3
A fé é argumento das coisas que não se vêem (Hb. 11,1). Embora em nós o homem exterior vá caminhando para a sua ruína, o homem interior se renova de dia a dia; não olhamos para as coisas que se vêem, mas para as que não se vêem (II Cor. 4, 16- 18).
A fé não é apenas das coisas que não se vêem, mas, mais ainda, a fé ensina a desprezar as coisas que se vêem. Pois as coisas que se vêem são aquelas que podem cair sob o domínio da imaginação, e a fé, ao contrário, obriga a inteligência a elevar-se à pureza da abstração das coisas maximamente inteligíveis.
`O meu justo vive da fé'. Esta sentença é ao mesmo tempo apostólica e profética. O Apóstolo diz o que o profeta prediz, pois o justo vive da fé; e se assim é, ou melhor, porque assim é, devemos nos elevar com freqüência aos mistérios de nossa fé.
Sem a fé é impossível agradar a Deus. Pois onde não há fé, não pode haver esperança. Onde não há esperança, não pode haver caridade. Pela fé somos promovidos à esperança, e pela esperança progredimos à caridade. Qual seja, porém, o fruto da caridade, pode-se ouvi-lo da própria boca da verdade: Se alguém me ama, será amado pelo meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele'. Jo. 14,21 Quão aplicados, pois, não nos convém ser à fé, da qual procede o fundamento de todo o bem e através da qual se alcança o firmamento?
Se somos filhos de Sião, levantemos aquela sublime escada da contemplação, tomemos asas como de águia pelas quais nos possamos destacar das coisas terrenas e nos levantar às coisas celestes. Pensemos nas coisas do alto, não nas coisas da terra, onde Cristo está sentado à direita de Deus; para isto de fato Cristo nos enviou o seu Espírito, para que conduzisse o nosso espírito de tal modo que para onde o Cristo ascendeu com o corpo, ascendamos nós pela mente.
A fé causa a pureza do coração porque as coisas que estão na inteligência são princípios das coisas que estão no afeto, na medida em que o bem do intelecto move o afeto. De onde que a purificação do coração é um efeito da fé: "Deus não fez distinção alguma entre judeus e gregos", diz São Pedro, "pois purificou os corações de todos pela fé". At. 15,9
Para alcançar o conhecimento da fé, não basta apenas que a vontade mova a inteligência; é necessário também o instinto interior de Deus que convida. Nas coisas da fé, o conselho do homem, sem o auxílio divino, é enfermo e ineficiente. É necessário, portanto, levantar-se à oração, e pedir o seu auxílio, sem o qual nenhum bem pode ser alcançado. Isto é, é necessário pedir a sua graça, a qual, para que tivesses chegado até aqui para pedi-la, era ela que já te iluminava, e daqui para a frente será quem haverá de dirigir os teus passos para o caminho da paz, e de cuja única boa vontade depende que sejas conduzido ao efeito da boa obra. Não serás obrigado por ela, serás ajudado. Se apenas tu operares, nada realizarás; se apenas Deus operar, nada merecerás. Aquele que corre por esta via, busca a vida.
Está escrito: `Se vós, sendo maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está nos céus dará o Espírito Santo aos que lhO pedirem?' Portanto, o Pai celeste dará o Espírito Santo aos filhos que lhO pedirem. Os que são filhos, não pedem outra coisa; os que pedem outras coisas são servos mercenários, não filhos. Os que pedem prata, os que pedem ouro, os que pedem coisas que passam, os que não pedem o que é eterno, pedem o ministério da servidão, não o espírito da liberdade.
O que for pedido, isto será dado; se pedes o corporal, não receberás mais do que o que pedes. Se pedes o espiritual, o que pedes será concedido e o que não pedes será acrescentado; será dado o espiritual, será acrescentado o corporal. `Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus, e tudo o resto vos será acrescentado'. Deve-se, portanto, orar ao Pai, e ao Pai, que está nos céus, pedir os dons celestes, não os da terra; não a substância corporal, mas a graça espiritual.
Uma coisa é a firme certeza de que existe um ser inteligente e imaterial que é a causa de todas as coisas; outra coisa muito diferente é crer que somos amados pela causa primeira como seus filhos, que quando oramos a causa primeira nos ouve como um pai, e que ela nos espera após o termino desta vida como a um ente querido para nos fazer felizes por toda a eternidade.
Que é o ser humano diante da imensidão do Universo? É menos do que um grão de poeira. E o que é o Universo diante da perfeição da causa primeira? Menos ainda do que o homem diante do Universo. Certamente a causa primeira sustenta todas as coisas no ser e sabe que existem as coisas de que ela é causa; mas daí para a afirmação de que quando oramos a causa primeira nos ouve como um pai vai uma diferença descomunal.
Que dizer da afirmação segundo a qual Jesus Cristo era a causa primeira, crucificada por ordem de Pôncio Pilatos? Ou daquela segundo a qual na causa primeira, perfeitamente una, subsistem desde toda a eternidade três pessoas que compartilham uma só divindade, que se conhecem e se amam com uma felicidade que supera o alcance de qualquer entendimento? Que esta causa primeira nos ama a ponto de se ter deixado crucificar pelos homens e que esteja nos esperando após o término desta vida para nos fazer felizes comunicando-nos a sua própria felicidade, aquela que há nela mesma em virtude da trindade de suas pessoas, é algo que está além dos sonhos mais extraordinários que o homem possa conceber. Não há vontade humana capaz de, sozinha, sem o auxílio da graça do Espírito Santo, fazer a inteligência assentir a afirmações desta natureza com a firmeza e a constância que as Sagradas Escrituras atribuem à fé.
Segundo o crescimento da fé encontramos três gêneros de pessoas que crêem. Há alguns fiéis que elegeram crer apenas pela piedade, os quais todavia não compreendem se se deve crer ou não pela razão; nestes, apenas a piedade faz a eleição. Há outros que aprovam pela razão o que crêem pela fé; nestes a razão acrescenta a sua aprovação. Outros, finalmente, pela pureza do coração e da consciência já começam a saborear interiormente aquilo que crêem pela fé; nestes a pureza da inteligência apreende a certeza.
A Sagrada Escritura afirma que a fé opera pela caridade (Gal. 5,6); a fé, sem a obra da caridade, é morta (Tg. 2,17). A fé vive pela caridade e, através dela, torna-se realidade perfeita. Não há mais de uma fé, uma morta e outra viva. Não são duas, mas a mesma fé aumentada, pelo que diz o Evangelho de S. Lucas: `Aumentai a nossa fé'. Lc. 17,5
A caridade é amor de amizade, amor ao qual Jesus se referia quando disse: `Não mais vos chamo de servos, porque o servo não sabe o que seu amo faz; mas eu vos chamo de amigos, porque tudo o que ouvi do Pai eu vos dei a conhecer'. Jo. 15,15
A amizade requer por natureza uma mútua benevolência, porque o amigo é, para o amigo, outro amigo; requer, ademais, que esta mútua benevolência se fundamente sobre alguma comunicação. A caridade é amor de amizade fundamentado sobre a comunicação entre Deus e o homem na medida em que Deus quer nos comunicar a sua própria felicidade.
O amor de caridade não é apenas aquele pelo qual o homem cumpre o mandamento de amar a Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma, com todo o seu entendimento e com todas as suas forças, mas também aquele amor que pressupõe o amor pelo qual o homem é amado primeiro por Deus: `Nisto consiste a caridade: não fomos nós que amamos a Deus, mas Ele que nos amou primeiro'. I Jo. 4,10
Aquele que ama a Deus tem em si próprio a maior prova de ser amado por Deus, porque ninguém pode amar a Deus se Deus não o amar primeiro, pois o próprio amor pelo qual nós amamos a Deus é causado em nós pelo amor com que Deus nos ama.
A contemplação se inicia quando a uma fé firme, constante e pura se acrescenta uma caridade intensa.
O encontro entre a fé e a caridade se torna estável e duradouro pela virtude da esperança, conforme o dito de S. Bento: `Apodera-se deles o desejo de caminhar para a vida eterna; por isso lançam-se como que de assalto ao caminho estreito do qual diz o Senhor que conduz à vida'.
A esperança reside na vontade, mas tem suas raízes mais profundas na memória, conforme diz S. Antão ao afirmar que dos pensamentos puros da fé se produz a memória de Deus e dos bens que Ele nos prometeu, e da memória destas coisas se origina aquele amor perpétuo que nos é prescrito no maior de todos os mandamentos. Diz também S. Boaventura que é necessário amar a Deus não apenas com todo o nosso coração e com toda a nossa alma, mas também com todo o nosso entendimento, isto é, "com toda a memória, sem esquecimento".
A esperança é pressuposto do pleno caráter sobrenatural da fé e da caridade, pois, conforme diz a Sagrada Escritura: `A fé é a substância das coisas que se esperam'; e também, quanto à caridade: `Não vos chamo mais de servos, porque o servo não sabe o que o seu amo faz, mas eu vos chamo de amigos, porque tudo o que ouvi do Pai eu vos dei a conhecer'.
A contemplação se inicia quando, após uma vida de virtude e de oração, reflexão e estudo, é possível viver da fé. A esta fé deve-se acrescentar e unir a caridade, pois sem a fé a caridade não pode crescer. Á medida em que a caridade cresce no solo da fé, ela passa gradualmente a se tornar condutora da fé a que está unida e a introduzi-la num modo superior de vivência.
Toda contemplação espiritual é precedida, como por condutores, pela fé, pela esperança e pela caridade, mas principalmente pela caridade. De fato, a fé e a esperança nos ensinam a desprezar as coisas que se vêem. A caridade, com elas, une a alma às virtudes divinas, investigando por um certo sentido da mente as coisas que não podem ser vistas.
Dizem-me que estudais os profetas; mas eu vos pergunto, julgais compreender realmente o que ledes? Em caso afirmativo, decerto não ignorais que quem desejar alcançar o Cristo será melhor sucedido seguindo os seus passos do que lendo a seu respeito. Se tomásseis uma resolução definitiva, compreenderíeis o que está escrito: `Os olhos não viram, ó Deus, além de Ti, que coisas preparastes para os que Te amam'. Se provásseis ao menos uma vez o belo trigo com que o Senhor inundou Jerusalém, com que satisfação abandonaríeis então aos judeus amadores da escrita estas migalhas duras com que eles se contentam! Prouvera a Deus que fôsseis meu condiscípulo na escola do amor divino em que Jesus é o mestre! Com que agrado partilharia convosco o pão celestial que, ainda quente, fumegante e tenro do forno, Cristo oferece freqüentemente aos seus pobres!
Dizem as Escrituras que o caminho do justo é como a luz da aurora, que vai clareando até o pleno dia (Pr. 4,18). Assim também, seguindo um curso comparável à luz da aurora, para o justo que persevera no seu caminho chega o momento em que a caridade começa a operar nele de um modo mais manifestamente excelente e intenso do que este supunha ser possível.
Vim espalhar um fogo sobre a terra, e que mais desejo eu senão que se acenda? Quem crer em mim, disse Jesus, de seu seio correrão rios de água viva. Dizia isto Jesus do Espírito Santo que haveriam de receber os que nele cressem. Lc. 12, 49; Jo. 7, 7.
Uma é a caridade natural da alma, outra aquela que pelo Espírito Santo lhe é infundida. Aquela que está em nós, quando queremos, se move com moderação pelo afeto de nossa vontade; por esta razão não é difícil para os espíritos malignos, a não ser que nos defendamos com fortaleza, que nos seduzam para os seus propósitos. A divina, porém, incendeia de tal forma a alma à caridade divina, que vence e une entre si, por uma infinita simplicidade e sinceridade de afeto, todas as partes e as faculdades da alma na bondade do desejo celeste. A alma se torna uma fonte profunda de caridade e de alegria, como que grávida da graça celeste e da virtude do Espírito Santo.
O Evangelho consiste, de um modo especial, na graça do Espírito Santo, pois cada coisa parece ser aquilo que nela há de principal. Aquilo, porém, que é principalíssimo na Lei do Novo Testamento, e no qual consiste toda a sua virtude, é a graça do Espírito Santo, que nos é dada pela fé em Cristo. Portanto, a Nova Lei é principalmente a própria graça do Espírito Santo, que é dada por Cristo aos fiéis.
Segundo o modo comum de entender dos homens, sabedoria é o mais elevado conhecimento possível. Assim também entre os dons do Espírito Santo enumera-se o dom de sabedoria, por meio do qual o Espírito Santo nos move ao mais elevado conhecimento possível ao homem e à mais elevada forma de vida contemplativa que o homem pode alcançar.
A causa próxima da contemplação produzida pelo dom de sabedoria é o modo supereminente de vivência da caridade produzido em nós pela graça do Espírito Santo que Jesus prometeu aos que seguissem os seus preceitos.
`Bem aventurados os pacíficos', diz Jesus, `porque serão chamados filhos de Deus'. São filhos de Deus todos aqueles que são movidos pelo Espírito de Deus (Rom. 8,14). São filhos de Deus todos aqueles que receberam o Espírito Santo, e serão chamados filhos de Deus aqueles que receberam tanta plenitude do Espírito Santo que esta condição se manifesta com tal evidência diante dos homens que eles próprios passam a chamá-los de filhos de Deus. Trata-se daquela vivência supereminente da caridade movida pelo Espírito Santo que introduz os homens naquela forma superior de contemplação associada ao dom de sabedoria pela qual se lhes manifesta a verdade e se tornam livres.
Aqueles que recebem o dom de sabedoria mediante o Espírito Santo são de modo próprio ditos filhos de Deus, na medida em que participam da semelhança do Filho de Deus unigênito e natural, os quais Deus na sua presciência os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho (Rom. 8, 29), o qual é a sabedoria gerada.
Esta sabedoria de que tratamos não é o próprio Deus. É uma sabedoria de homem, a qual, todavia, é segundo Deus, e é o seu verdadeiro e principal culto. Se a mente do homem se torna capaz de cultuar a Deus por seu intermédio, o homem se torna sábio, não pela própria luz de Deus, mas por uma participação daquela que é a maior de todas as luzes.
O dom de sabedoria produz uma contemplação deiforme, e de certo modo explícita, dos artigos que a fé contém de certo modo envolvidas sob um modo humano.
A sabedoria que é dom do Espírito Santo possui sua causa na caridade, embora sua essência esteja no intelecto. Deus nunca dá esta sabedoria sem amor, pois é o próprio amor que a infunde, conforme o mostra Jeremias, onde diz: `Enviou fogo aos meus ossos e ensinou-me'. Lam. 1,13
O dom de sabedoria possui uma eminência de conhecimento por uma certa união às coisas divinas, às quais não nos unimos a não ser pelo amor, de tal modo que aquele que adere a Deus se torna um só espírito com Ele, conforme diz o Apóstolo na primeira epístola aos corintios. E por isso o dom de sabedoria pressupõe o amor como princípio, de tal modo que reside no afeto, embora quanto ao conhecimento esteja no intelecto.
`Se permanecerdes nas minhas palavras', diz Jesus, `sereis verdadeiramente meus discípulos; conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres' (Jo. 8,31). `Para isto é que eu nasci', diz Jesus, `e para isto é que vim ao mundo: para dar testemunho da verdade' (Jo. 18,37). Foi por isto que Jesus veio ao mundo: a quantos o receberam, `deu- lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, aos que crêem no seu nome, e que não pelo sangue, nem pela vontade humana, mas de Deus nasceram' (Jo. 1,12). “Aqueles que vivem pelo Espírito fazem morrer as obras da carne. (Ninguém que proceda diversamente) terá herança no Reino de Cristo e de Deus. Mortificai, pois, os vossos membros terrenos: a fornicação, a impureza, a lascívia, os desejos maus, e a avareza, que é uma idolatria, pelas quais coisas vem a ira de Deus sobre os que não crêem. Rom.8,13; Ef.5,5; Col.3,5. As obras da carne são manifestas. São a fornicação, a impureza, a luxúria, a idolatria, os malefícios, as inimizades, as contendas, as iras, as rixas, as discórdias, as seitas, as invejas, os homicídios, a embriaguez, as glutonerias, e outras semelhantes, sobre as quais vos previno, que os que as praticam não possuirão o Reino de Deus. Os que são de Cristo crucificaram a própria carne com os seus vícios e as suas concupiscências. Gal.5,19-21;5,24.
REFERÊNCIAS:
1. S. Tomás de Aquino: Comentário ao Símbolo dos Apóstolos.
2 . S. Tomás de Aquino: Summa Theologiae. Hugo de S. Vitor: Summa Sententiarum. Evangelho segundo João.
3 . Catecismo Romano.
4. Evangelho segundo Mateus.
5. Evangelho segundo Mateus.
6. Evangelho segundo Mateus.
7. Evangelho segundo Lucas.
8. Hugo de S. Vitor: De Sacramentis Fidei Christianae.
9. Evangelho segundo Mateus.
10. Hugo de S. Vitor: De Sacramentis Fidei Christianae.
11. Evangelho segundo Marcos.
12. Evangelho segundo Mateus.
13. Evangelho segundo Lucas.
14. Evangelho segundo Mateus.
15. Evangelho segundo João.
16. Epístola aos Hebreus.
17. Hugo de S. Vitor: De Sacramentis Fidei Christianae; Idem: De fructibus carnis et spiritus.
18. Epístola aos Colossenses.
19. Epístola aos Hebreus. Segunda Epístola aos Coríntios.
20 . .........................
21. Ricardo de S. Vitor: De Trinitate.
22. Ricardo de S. Vitor: De Trinitate.
23. Ricardo de S. Vitor: De Trinitate.
24. S.Tomás de Aquino: Summa Theologiae. Atos dos Apóstolos.
25. S.Tomás de Aquino: Summa Theologiae. Hugo de S. Vitor: Didascalicon.
26. Hugo de S. Vitor: De Quinque Septenariis.
27. .........................
28. .........................
29. .........................
30. Hugo de S. Vitor: De Sacramentis Fidei Christianae.
31. Epístola aos Gálatas. Epístola de Tiago. S. Tomás de Aquino: Summa Theologiae. Hugo de S. Vitor: Summa Sententiarum.
32. S.Tomás de Aquino: Summa Theologiae.
33. S.Tomás de Aquino: Summa Theologiae.
34. .........................
35. S.Tomás de Aquino: texto de localização não identificada.
36. .........................
37. .........................
38. .........................
39. .........................
40. .........................
41. S.Diádoco de Fócia: Capítulos sobre a Perfeição.
42. S.Bernardo: Carta a Henrique Murdach.
43. .........................
44. Evangelho segundo Lucas. Evangelho segundo João.
45. S.Diádoco de Fócia: Capítulos sobre a Perfeição.
46. S.Tomás de Aquino: Summa Theologiae.
47. .........................
48. .........................
49. S.Tomás de Aquino: Summa Theologiae.
50. .........................
51. Pedro Lombardo: Terceiro Livro das Sentenças.
52. S.Tomás de Aquino: Comentário ao Terceiro Livro das Sentenças.
53. S. Tomás de Aquino: Summa Theologiae.
54. S. João da Cruz: Noite Escura da Alma.
55.Tomás de Aquino: Summa Theologiae. Evangelho segundo João.
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