A Trindade Santa - I |
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Qua, 06 de Maio de 2009 10:55 |
Pe. Henrique Soares da Costa
O Deus dos cristãos é diferente de todos os outros: é único, original. Nossa fé professa que Ele é uno e trino, um só Deus na Trindade das Pessoas divinas. E, no entanto, os cristãos não compreendem bem o que isto significa nem percebem o quanto isso é importante, fundamental, para a nossa fé. Basta dizer que sem a Trindade, se Deus não fosse trino, a criação não seria possível, a salvação não existiria e não haveria esperança para a história humana nem para o universo! “Como?” – perguntam os cristãos... Todas estas afirmações podem parecer exageradas. Se for assim, se para você tais afirmações são muito radicais, então é porque você é um desses, que não compreenderam ainda o quanto é fundamental, essencial mesmo, que Deus seja uno e trino. É para que, juntos, possamos aprofundar nossa compreensão deste que é o Mistério central da fé cristã vou apresentar algumas meditações sobre a Santa Trindade.
Tudo começou num Domingo - I
Uma primeira questão: onde a Igreja foi buscar essa fé trinitária? Não seria mais fácil dizer, como os judeus e os muçulmanos, que Deus é um só e basta? Não seria mais simples dizer, como os espíritas, que Jesus é somente um profeta de Deus, alguém especial, mas que é criatura de Deus? Não seria menos complicado afirmar, como as testemunhas de Jeová, que o Espírito Santo é apenas uma força de Deus? Por que complicar? Onde os cristãos foram buscar esta certeza que Deus é uno e trino? Para encontrar a resposta a esta questão, é necessário voltar ao Domingo da Ressurreição: foi ali que tudo começou!
Primeiramente, vamos deixar claro uma coisa: o Antigo Testamento não ensina que Deus é trino, não fala diretamente da Trindade! Os judeus nem sonhavam que Deus é Pai, Filho e Santo Espírito. Eles acreditavam num Deus único, Javé, e acreditavam que este Deus grande e misericordioso enviaria um dia o Messias – alguém muito especial, o maior de todos os profetas, tão grande quanto Moisés: ele viria libertar o povo de Israel de todos os seus opressores, restaurar o trono do Rei Davi e espalhar por toda a terra o juízo de Deus. Esse Messias seria cheio do Espírito de Javé, quer dizer, da sua força: o próprio nome “messias” quer dizer “ungido”... ungido pelo Espírito de Javé. Era assim que os apóstolos acreditavam, assim que Maria pensava, assim que qualquer judeu piedoso do Antigo Testamento imaginava.
Veio Jesus; ele dizia ser o Messias: no início do seu ministério ele foi ungido pela força de Javé, quer dizer, pelo seu Espírito. Quando Javé o ungiu no Jordão, apresentou-o assim: “Este é o meu Filho amado, de quem eu me agrado (Mt 3,17). Isso mesmo: Jesus foi apresentado como Filho de Javé. Já na anunciação o Anjo tinha dito a Maria: “Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo” (Lc 1,32). Mas, atenção: isto não queria dizer ainda que Jesus era Deus! No Antigo Testamento os reis eram chamados “filho de Deus” (cf. Sl 2,6s; 2Sm 7,14), também o povo de Israel era chamado assim (cf. Is 1,2;Dt 32,20; Os 11,1). Mais ainda: os justos, os pobres, todos estes eram considerados “filhos de Deus”, quer dizer seus protegidos, seus amigos (cf. Sb 2,16.18). Assim, quando os judeus falavam em filho de Deus não pensavam que alguém fosse Deus, fosse igual a Javé! Isso, nem pensar!
Assim, nem Maria, nem os apóstolos, nem ninguém imaginava que Jesus fosse Deus! O povo de Israel tinha muito claro na mente as palavras solenes da Escritura: “Ouve, ó Israel! Javé nosso Deus, Javé é um só!” (Dt 6,4) No entanto, um coisa é certa: Jesus se dizia Filho de Deus e agia de um modo completamente novo, estranho em relação a Deus: ele era íntimo demais de Javé; chegava mesmo a tratá-lo de um modo que ninguém ousava tratar: chamava-o de “meu Abbá”, quer dizer, “meu painho”, ou “meu papai”! Isto mesmo: abbá era o modo como as criancinhas pequenas chamavam os seus pais! Jesus nunca dizia “nosso Abbá”; dizia sempre “meu Abbá”. Você deve estar pensando no Pai-nosso, o “Abbá nosso” que Jesus nos ensinou... Cuidado! Jesus diz assim: “(Vós) Orai desta maneira: Abbá nosso...” (Mt 6,9); Quando (vós) orardes, dizei: Abbá... (Lc 11,2) A idéia é clara: Jesus manda que nós digamos “Abbá nosso”; ele não entra, não diz “nós”, diz “vós”! Ele se considera Filho de Javé de um modo todo especial: “Subo ao meu Abbá e vosso Abbá, ao meu Deus e vosso Deus!” (Jo 20,17). Mais uma vez aparece claramente: Javé é Deus e Pai de Jesus de um modo único, exclusivo, diferente do modo de ser nosso Deus e nosso Pai! Por isso mesmo Jesus se colocava numa intimidade com Javé que parecia aos judeus muito desrespeitosa e atrevida. E mais: Jesus agia com uma autoridade que parecia igual a de Javé; fazia coisas que somente Javé poderia fazer:
· perdoava os pecados (cf. Mc 2,1-12)
· dominava o mar (cf. Mc 4,35-41; Jo 6,16-21 – segundo o Antigo Testamento somente Javé poderia dominar o mar – cf. Pr 8,29; Jó 38,8-11; Sl 104,7-9)
· interpretava a Lei com uma autoridade espantosa: “ouvistes o que foi dito (na Lei) aos antigos... eu, porém, vos digo” (cf. Mt 5,21-48)
· quando ensinava, já começava exigindo obediência, antes mesmo de falar: “Amém, amém eu vos digo”(cf. Jo 8,34; 6,47; 12,24).
Assim, compreendamos bem: nada disso afirmava que Jesus era Deus, que era igual a Javé, mas uma coisa é certa: ele agia de tal modo que se colocava numa proximidade com Deus que ninguém neste mundo poderia imaginar. Tanto isto é verdade, que os judeus chegavam a reconhecer: “Sendo apenas homem, tu te fazes Deus! (Jo 10,33)
Mas, repito, nem os apóstolos, nem os discípulos de Jesus, nem ninguém, poderia sonhar que ele era igual a Javé, que ele era divino, que ele era Deus! E como, finalmente, a Igreja chegou a esta conclusão? Como os apóstolos chegaram a afirmar que Jesus é Deus, com o Pai e o Espírito Santo? É no próximo tópico que veremos isto!
Tudo começou num Domingo – II
Vimos, no tópico passado que nem o Antigo Testamento nem ninguém na época de Jesus suspeitava que Deus fosse trino, que o Filho e o Santo Espírito fossem Deus! O Deus de Israel chamava-se Javé (Jeová é uma tradução errada do nome de Deus!) e basta! Vimos também que Jesus se apresentou e agiu como “filho de Deus’... mas “filho de Deus” não significava que ele era igual a Deus, que ele era Deus! Finalmente, vimos que Jesus agia e falava com uma autoridade que deixava seus contemporâneos espantados: “Sendo apenas homem, tu te fazes Deus!” (Jo 10,33)
Ficamos, no tópico passado, com uma pergunta: como, então, a Igreja apostólica descobriu que Deus era trino? Foi no Dia da Ressurreição! Quando, naquele primeiro dia depois do sábado, o Ressuscitado veio ao encontro dos discípulos, eles foram surpreendidos. Não somente porque Jesus estava vivo, mas, sobretudo porque estava ressuscitado, quer dizer, completamente transfigurado: seu corpo estava totalmente transformado; era o mesmo Jesus, trazia ainda as marcas da paixão, mas estava de tal modo glorificado que mal os discípulos conseguiam reconhecê-lo! Antes, só o reconheciam porque ele mesmo se dava a conhecer (cf. Lc 24,15s.30s; 24,36ss; Jo 20,11ss; 20,26ss; 21,4ss). Seu corpo, apesar de real, não mais pertencia a este mundo: o espaço, o tempo, a matéria como a conhecemos... tudo isto fora ultrapassado por Jesus! Também sua alma estava transfigurada: suas palavras, gestos, atitudes, tinham agora uma majestade que os discípulos, diante dele, prostravam-se e o adoravam (cf. Mt 28,17; Lc 24,50ss; Jo 20,17). Jesus aparece, agora com uma glória que não é deste mundo, que é divina. Mais tarde, São João dirá: “Nós vimos a sua glória, glória que tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e verdade” (Jo 1,15).
Mas, quem glorificou Jesus deste modo? E como? Quem o glorificou foi Javé, o Deus de Israel, aquele a quem Jesus chamava de Pai! Ele transformou de tal modo a natureza humana de Jesus, que agora aparecia claro que Jesus tinha a mesma glória de Javé. Os escritos do Novo Testamento estão cheios desta convicção: “Jesus, o Nazareu, ... vós o matastes, mas Deus o ressuscitou!” (At 2,24); “Deus constituiu Senhor e Cristo, a esse Jesus que vós crucificastes” (At 2,36); “... a ação do seu poder eficaz (de Deus), que ele (Deus) fez operar em Cristo, ressuscitando-o de entre os mortos e fazendo-o assentar à sua direita nos céus, muito acima de qualquer Principado... e de todo nome que se possa nomear. Tudo ele (o Pai) pôs debaixo de seus pés (do Filho), e o pôs acima de tudo” (Ef 1,19ss). Então, para os discípulos, agora tudo aparecia claramente: Jesus não somente era “filho de Deus” num sentido figurado mas, pela sua ressurreição, estava totalmente glorificado, divinizado, adorável como Javé! Ora, mas se ele agora aparecia claramente como divino, então é porque sempre o fora: ”Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo” (Fl 2,6). Desde a ressurreição, os discípulos podiam compreender: Jesus sempre fora Filho e Javé sempre fora Pai desse Filho eterno. Agora tinham pleno sentido algumas palavras de Jesus: “E agora, glorifica-me, Pai, junto de ti, com a glória que eu tinha junto de ti antes que o mundo existisse” (Jo 17,5); “Quem me vê, vê o Pai. Eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14,9s); “Antes que Abraão existisse, EU SOU” (Jo 8,58). Portanto, o Filho existe eternamente e provém eternamente de Javé, que é eternamente Pai: os dois são divinos, os dois têm a mesma dignidade: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus (Pai) e o Verbo era Deus (como o Pai)” (Jo 1,1); “Ele (o Filho) é o resplendor de sua glória (do Pai) e a expressão do seu ser” (Hb 1,3). Quando o Filho disse que o Pai era maior que ele (cf. Jo 14,28) é porque, ao se fazer homem, ele tomou a condição de servo, fazendo-se obediente ao Pai por nós (cf. Fl 2,6-7). Agora, com a ressurreição, ele aparece totalmente glorificado mais uma vez; glorificado inclusive na sua natureza humana, antes tão humilde quanto a nossa!
Assim, portanto, naquele Domingo da ressurreição, os discípulos experimentaram, descobriram, testemunharam que Javé é Pai do Filho eterno, que, por sua vez, é igual a ele: Jesus!
Mas, de que modo Javé ressuscitou Jesus, como o glorificou? Os discípulos já tinham ouvido falar, no Antigo Testamento, no espírito de Javé: era uma força de Deus que impelia os profetas e reis! Mas, agora, o que eles descobriram foi uma coisa totalmente surpreendente: esse Espírito não só dava força, mas glorificava, quer dizer, divinizava (= tornava divino). Sim: o Espírito que o Pai derramou sobre Jesus morto divinizou a sua natureza humana! Ora, ninguém dá o que não tem: se o Espírito diviniza, é porque é divino, é porque é Deus! O Novo Testamento está cheio desta certeza: “(Jesus) morto na carne (= na sua natureza humana) foi vivificado no Espírito (no Espírito Santo)” (1Pd 3,18). Jesus foi estabelecido pelo Pai... “Filho de Deus com poder através de sua ressurreição dos mortos, segundo o Espírito de santidade” (Rm 1,4). Pedro, no dia de Pentecostes, vai dizer para quem quiser ouvir: “Este mesmo Jesus, Deus o ressuscitou; e disto somos testemunhas. E agora, exaltado pela direita de Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo” (2,32s). Assim, este Espírito não era somente uma força do Pai, uma energia, mas era Deus também, como o Pai e o Filho! Por isso, aquelas palavras de Jesus: “Rogarei ao Pai e ele vos dará outro Paráclito, para que convosco permaneça para sempre, o Espírito da Verdade” (Jo 14,16); “O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse” (Jo 14,26); “Quando vier o Paráclito, que vos enviarei de junto do Pai, o Espírito da Verdade, que vem do Pai, ele dará testemunho de mim” (Jo 15,26); “Quando ele vier (o Paráclito), estabelecerá a culpabilidade do mundo a respeito do pecado, da justiça e do julgamento” (Jo 16,8); “Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará...” (Jo 16,13).
Agora, sim, tudo estava claro: Javé é o Deus eterno, o Deus de Israel; mas ele, o Deus único, não é um Deus solitário: ele é o Pai eterno do eterno Filho, Deus com ele e como ele! E mais: com o Pai e o Filho existe eternamente o Santo Espírito, Deus como o Pai, Deus como o Filho! Na Páscoa, o Pai ressuscitou o Filho (na sua natureza humana), divinizando-o, glorificando-o, na potência divina do Santo Espírito!
Foi assim que a Igreja descobriu, experimentou e professou, adorando, a Trindade Santa. Mas, isso era apenas o começo! São um ou três deuses? Como expressar com palavras esse mistério tão grande? Como compreender as relações entre esses três? O que é um na Trindade? O que são três? Nos próximos tópicos vamos acompanhar, passo por passo, como tudo isso foi sendo compreendido pelos cristãos.
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