Blog Alma Missionária

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quinta-feira, 18 de abril de 2013


O que fazer com as ambigüidades do Vaticano II?

Alguém me pergunta (na verdade, simplesmente anuncia em tom triunfal):
Essa vai para os conservadores populares:
Walter Kasper admite aquilo que todos os católicos verdadeiros já sabiam:
O documentos do Vaticano II foram de propósitos escritos de forma ambígua!
Refere-se a este texto: Cardeal Kasper admite ambigüidade intencional nos textos do Concílio Vaticano II. A declaração do purpurado é a seguinte (grifos doFratres):
Em muitos lugares, [os Padres Conciliares] tiveram que encontrar fórmulas de concessões, em que, frequentemente, as posições da maioria estão localizadas imediatamente próximas àquelas da minoria, projetadas para limitá-las. Assim, os textos conciliares em si têm um enorme potencial de conflito, sendo uma porta aberta à recepção seletiva em uma ou outra direção.” (Cardeal Walter Kasper, L’Osservatore Romano, 12 de abril de 2013)
O que dizer?
De minha parte, eu só posso constatar que esta “confissão” veio com cinqüenta anos de atraso e apenas repetiu o que todo mundo já sabia. É claro que os textos do Concílio Vaticano II “têm um enorme potencial de conflito” e é claro que isso foi proposital; achavam o quê, que foi “por acaso”? Parafraseando Dawkins, pensavam que fora obra de The Blind Papermaker?
Dizer que há “fórmulas de concessões” nos textos do Vaticano II equivale a dizer que há sol ao meio dia, é o mesmo que descobrir a pólvora. É sério que precisávamos das declarações do Kasper para perceber esta obviedade? Se não houvesse possibilidade de interpretar equivocadamente os textos do Concílio, por qual absurda razão, por exemplo, a Lumen Gentium precisaria de uma “Nota explicativa prévia”, conhecida de qualquer pessoa que já tenha alguma vez na vida folheado o documento?
Aquela história do “a gente fala de maneira diplomática aqui e depois do Concílio tira as conclusões que nos forem convenientes” não é anedota, é fato documentado. Um papel com essas confissões bem pouco honestas caiu nas mãos de Paulo VI durante o Concílio, que então percebeu estar sendo enganado e chorou amargamente. Mais uma vez, isso não é conhecimento esotérico e nem segredo de estado conhecido apenas dos “católicos verdadeiros” (sic), isso é um dado jornalístico: o The Rhine Flows into the Tiber é um livro de 1967!
Ninguém jamais negou ou desconheceu aquilo que o Kasper disse ao Osservatore: o que negamos, e visceralmente, é que isso justifique a sedição contra a Igreja de Cristo. É claro que os textos do Vaticano II se prestam a diversas interpretações, e é exatamente por isso que ninguém – nem os progressistas e nem os rad-trads – pode prescindir do Magistério vivo da Igreja para lhes precisar o sentido correto!
A assistência do Espírito Santo não garante o esplendor da mais perfeita e conveniente expressão latina lapidar. A única coisa que Ele garante é que a Igreja não vai ensinar heresias – o que, aplicado ao Vaticano II, significa simplesmenteque todo e qualquer texto do Concílio é passível de interpretação ortodoxa. Somente isso. Não significa que não há interpretações heréticas, não significa que a ortodoxia está sempre expressa da melhor maneira possível e não significa nem mesmo que, dado um excerto, a interpretação ortodoxa é a mais imediata. A única garantia que temos é a de que ela existeC’est fini.
Ontem o Papa Francisco falou sobre o Vaticano II. Muitos acharam que ele fez uma crítica aos rad-trads, interpretação que é bastante aceitável. Mas eu penso que a verdadeira crítica é mais profunda, é ao modernismo estéril que, há mais de um século, vem envenenando a Igreja de Deus. As palavras do Santo Padre foram as seguintes:
Mas depois de 50 anos, fizemos tudo o que o Espírito Santo nos disse no Concílio? Não. Comemoramos este aniversário, erguemos um monumento, mas desde que não incomode. Nós não queremos mudar, e o pior: alguns querem voltar atrás. Isto é ser teimoso, significa querer domesticar o Espírito Santo; ser tolo, de coração lento”.
Ora, qualquer pessoa há de convir que os últimos cinqüenta anos foram o palco das maiores aberrações doutrinárias, litúrgicas, morais e pastorais que já envergonharam a Igreja de Cristo ao longo dos seus dois mil anos de história! Se o Papa, tendo isso diante dos olhos, diz que nós não fizemos “tudo o que o Espírito Santo nos disse no Concílio”, então só pode ser porque o Concílio não disse nenhuma dessas barbaridades que muitos passaram as últimas décadas realizando. Fosse diferente, o Papa teria afirmado com alegria que na maior parte dos lugares se fez, sim, a vontade do Espírito Santo de Deus. Mas ele não o fez. A declaração dele é sombria, mais até do que qualquer outra de Ratzinger sobre o assunto da qual eu me recorde agora; este pelo menos costumava destacar os bons frutos que haviam sido postos em prática, quando o Papa Francisco nem isso faz.
E, na verdade, “voltar atrás” sempre foi exatamente a maior característica dos taumaturgos que, desde a década de 60, assombram os pobres católicos com o famigerado “espírito do Concílio”. Ora, a “chance” histórica do modernismo foi justamente entre o final do século XIX e o início do XX: a janela de oportunidade dessa heresia era quando ela ainda não fora condenada pela Igreja. São Pio X, graças a Deus, fulminou-a naPascendi (sabiam que esta encíclica está traduzida para o português no site do Vaticano? Nunca pararam para pensar que deve haver alguma razão para isso?) – e, de lá para cá, os modernistas são todos velhos que perderam o bonde da história e estão empenhados na utopia de fazer o relógio voltar para trás, transportando-os de volta ao tempo em que era pelo menos canonicamente lícito pregar as falsas doutrinas que a Igreja condenou sob Giuseppe Sarto. Em matéria eclesiástica, voltar atrás é desprezar as definições da Igreja, é insistir em discutir questões que já foram encerradas, é aferrar-se ao erro e se recusar a ouvir o Espírito Santo Paráclito, o Spiritus Veritatis que convence o homem do que é justo e verdadeiro.
Concluamos. Quem acompanha as palavras do Papa Francisco percebe que ele não é muito de falar sobre o Vaticano II. A curiosidade, creio, não permite maiores extrapolações. A meu ver, isso significa simplesmente que o Papa não o idolatra e nem o despreza, não sente necessidade nem de tudo justificar à luz dele e nem de evitá-lo como a uma moléstia contagiosa. O Santo Padre, afinal, sabe que a mensagem da Igreja é a mensagem do Evangelho, e é a esta verdade tão antiga e tão nova que – aí sim! – devem se referir todos os textos magisteriais, de S. Pio X ou de Paulo VI, do Vaticano II ou do Concílio de Florença.Independente de em que ânimo tenham sido escritos. Independente das traições que porventura tenha sofrido a Esposa de Cristo, uma certeza nós temos conosco para sempre: contra Ela não prevalecerão as portas do Inferno. E a força dessas palavras é maior do que todo o poder de Satanás; conhecendo-as, nós não temos o direito de tratar com suspeita a Igreja Santa de Deus.

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