Blog Alma Missionária

Blog Alma Missionaria

quarta-feira, 10 de agosto de 2011


                        
                                   MISTÉRIO DE DOR E DE AMOR...




                            
                                                           A PAIXÃO DE N. S. JESUS CRISTO
                                                       EM 31 MEDITACÕES
                       
                                                             APRESENTACÃO

              Este livro tem duplo objetivo.
              Primeiramente ajudar as nossas irmãs na observância do nosso voto especial de “fazer memória da Paixão de Jesus Cristo,” anunciando-a, principalmente, aos nossos assistidos, por meio dessa atividade – a contemplação –, que foi a preferida por São Paulo da Cruz e, podemos dizer, a única que ele ensinava. Seu ministério apostólico foi todo endereçado a despertar a conversão interior e a união com Deus. “Ensinem, com brevidade e clareza a maneira prática de meditar com devoção e com fruto estes mistérios, e procurem com diligência, que essa meditação se torne familiar e perseverante”. (São Paulo da Cruz – Regulae... e I, n.3).
            Quer ainda este pequeno compêndio prestar homenagem póstuma às três Irmãs italianas que nos transmitiram o ideal passionista: Madre Boaventura, Madre Anunciata e Suor Agueda, neste ano de 1979, o 60º de sua chegada à nossa pátria, e a todas aquelas, que nesses 60 anos, nos precederam, na certeza de que, umas e outras, “vivem em Cristo intercedendo por nós e pelas nossas obras que foram primeiramente suas”.
           Os trechos para meditações foram resumidos, servindo-se do livro: “A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo narrada ao povo”, do PE. Luiz de São Carlos C. P., tradução do PE. Gabriel, Passionista.
           De pequena tiragem, esta edição destina-se ao uso interno da Congregação das Irmãs Passionistas, na espera de uma reedição da citada tradução.
           Que Jesus Crucifixado abençoe estas nossas intenções e as duas Províncias brasileiras, neste ano jubilar.
                               1919 - 1979                            
                                    São Paulo
                                           Irmã Cecília Rosa Lovato
                                                    Superiora Provincial


               Eis o teu livro, o Crucifixo. Abre-o, dia e noite, nele medita. Por dentro está escrito com letras de amor e por fora, com letras de dor. Encontrarás nele pobreza extrema, sumo desprezo, dor profunda, humildade, paciência e caridade sem limites.
               Considera na Paixão, ó alma, a obra do poder, da sabedoria e da bondade de Deus.
                Pergunta-te a ti mesma:
               Quem é que sofre?...
               O que sofre?...
               Por quem sofre?...
               Por que sofre?...
               Como sofre?...
              Ouve a resposta:
              É o Filho de Deus, que padece tormentos e morte numa cruz, por teu bem... por causa dos teus pecados...



                                                                      MÉTODO

                                     PARA MEDITAR A PAIXÃO DE
                                  NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

          O que é meditação – É o exercício das três potencias da alma, isto é, da memória, da inteligência e da vontade a respeito de alguma verdade de nossa santa fé. Para quem medita a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, a meditação é o exercício das mencionadas potencias sobre qualquer ponto da Paixão de Cristo.
A memória recorda os sofrimentos de Jesus, a inteligência os considera, a vontade excita nessas considerações, santos afetos e boas resoluções.
A meditação se divide em três partes: Preparação, Meditação propriamente dita, Conclusão.

            Preparação – Consiste em dispor a alma para bem meditar. Chama-se preparação remota o tempo, antes da meditação, em que a alma, mesmo nas ocupações diárias, escolhe e determina o ponto a ser meditado, o fruto pretendido, o tempo e o lugar apropriado ao bom resultado da meditação. Chama-se preparação próxima a que se faz imediatamente antes de meditar o ponto estabelecido, e consiste nos seguintes atos:
·       1) Invocação ao Divino Espírito Santo;
·       2) Ato de fé;
·       3) Ato de humildade;
·       4) Ato de adoração;
·       5) Ato de arrependimento;
·       6) Ato de petição. A preparação deve ser breve e proporcionada ao tempo empregado na meditação.


            Meditação – É a parte mais importante e a que dá o nome à oração mental. É onde realmente se exercitam a memória, a inteligência e a vontade. A memória, recordando, reconstituindo a passagem da Paixão a ser meditada. Faz o que se chama recomposição do lugar. Para consegui-lo, convém ler um ou mais pontos deste livrinho, referentes ao assunto prefixado. Não é preciso demorar-se nisso, bastando recordar o fato com as principais circunstancias, sem descer a pormenores descritivos. Depois disso, o entendimento faz suas reflexões, naturais, simples, decorrentes daquilo que está na memória. É útil, em meditando a Sagrada Paixão fazer as seguintes perguntas e ouvir as respostas ditadas pela fé:
·       1) quem padece?
·       2) o que padece?
·       3) por quem padece?
·       4) como padece?

          Estas perguntas vos proporcionarão abundante matéria de reflexão e luzes para o entendimento. Mas não é tudo: depois de ter ocupado o entendimento na reflexão dos sofrimentos de Jesus, deveis refletir sobre vossa conduta em relação ao assunto meditado. Examinai vossa consciência e aplicai a vós mesmos as conclusões. Esta é a parte principal da meditação: a aplicação a si mesmo do que se medita. Vede se estais acostumados a regular os vossos pensamentos, as vossas idéias, as vossas ações, com as verdades que meditais. Nisso demorai bastante; será tempo bem empregado o despendido em se conhecer a si mesmo. À luz dos sofrimentos do Salvador de um lado, e diante de vossas imperfeições de outro, o vosso coração sentir-se-á comovido, sobrevindo a vontade com os seus atos. Primeiro


brotarão espontâneos do assunto meditado, atos de compaixão, gratidão, arrependimento, amor, expressos em poucas, mas

 inflamadas palavras mentais. Depois vêm os propósitos. Em todas as meditações haverá um propósito geral: evitar os pecados e os defeitos voluntários; e outro, particular, que será o fruto pretendido pela meditação.
           Conclusão – Nesta altura a meditação se encaminha para a conclusão. Consiste em um ato de agradecimento a Deus pelas luzes e graças recebidas durante a oração, num ato de petição: da fidelidade aos bons propósitos; da graça da perseverança final; da salvação eterna; pela Igreja; pelos pecadores; etc.

                                                  ORACÃO
                                       Para antes da meditação

Meu Senhor Crucificado, iluminai a minha mente e compugí-me o coração enquanto entrego-me à meditação da vossa dolorosa Paixão. Concedei-me, por intercessão de vossa Mãe Dolorosa, Maria Santíssima, o desejo e a forca de imitar os vossos luminosos exemplos de virtudes.

                                      Para depois da meditação

Eu vos agradeço, ó meu Jesus Crucificado, os bons pensamentos e afetos que em mim haveis suscitado durante a meditação da vossa Paixão. Rogo-vos humildemente a graça de conservar sempre o fruto espiritual conseguido.
Senhor, eu vos agradeço por terdes morrido na Cruz pelos meus pecados.
  




Dia               NO HORTO DAS OLIVEIRAS – Por volta das vinte                
1                        e duas horas, chegou Jesus com os discípulos à cancela
do horto e, abrindo-a, entrou. Não quis que todos testemunhassem de perto a sua última oração e agonia mortal. E tomando consigo Pedro, Tiago e João, testemunhas da transfiguração no Tabor, afastou-se um pouco.
                    Os oito discípulos, longe do olhar do Mestre, esqueceram-se logo das suas recomendações; cansados da viagem, das diversas e fortes emoções daquele dia, caindo de sono, em hora tão adiantada, retiraram-se para um casebre vizinho, onde tantas vezes já tinham ido dormir.
                    Jesus penetrou no horto; em silencio, e tendo no rosto desenhada a dor, pára e, voltando-se para os três, diz-lhes com profunda tristeza: “A minha alma está numa tristeza mortal. Permanecei aqui e vigiai comigo”.
                  Estas palavras, com certeza, amarguraram os três, pois nunca tinham ouvido dele palavras como essas, nem em tais circunstancias. Mas não ousaram perguntar o porquê? Agora Jesus se afasta dos apóstolos à distancia de um lanço de pedra – uns cinqüenta passos – e, oprimido de mortal tristeza, entra na gruta para a dolorosa oração.
                 Há o isolamento em seu derredor, já que ninguém está com ele, como era seu desejo.
                 É importante ver como ora. Chegando ao fundo da gruta, ajoelha-se, prostra-se com a fronte por terra e começa a oração ao Eterno Pai, acompanhada de profundos gemidos do coração, abundantes lágrimas, todo banhado em suor frio, e derramando por terra suor de sangue.
                Consideração – Retira-se Jesus para orar, no horto do Getsêmani, na solidão e no silêncio. Tu, afasta-te, ao menos espiritualmente, do bulício do mundo se pretendes falar com Deus.


Dia                     O CÁLICE DE SUA PAIXAO E MORTE – A  
  2            oração de Jesus no Horto das Oliveiras é das mais comoventes: “Pai meu, se é possível, passa de mim este cálice; todavia não se faca nisto minha vontade, mas sim, a tua”.
             Quis “fazer-se” o pecador, tomando sobre si todos os pecados, tornando-se responsável por eles diante de Deus. É sofrimento imenso, porque entre ele e o pecado há uma aversão invencível, necessária, infinita. Naquele momento Jesus via toda a espécie de pecados pelos quais devia sofrer.
             Algum tempo depois, ergue-se da oração e vindo ter com seus discípulos, acha-os dormindo de tristeza. Então disse a Pedro: “Simão, dormes?” E voltando-se para os outros dois: “Não pudestes vigiar uma hora comigo?”
             Não souberam os Apóstolos o que responder às palavras de Jesus, sonolentos e atordoados como estavam. Jesus, sem esperar resposta, volta para a gruta para recomeçar a oração: “Pai meu, se este cálice não pode passar sem que eu o beba, faça a tua vontade”.
             E fazendo esse ato de submissão, consente em sorver o cálice de sua Paixão e Morte até a última gota.
              Diante de sua mente se movimenta a série de humilhações e de sofrimentos com que sua alma e seu corpo conseguirão satisfazer plenamente a justiça divina. Tomou as aparências de pecador. Paga, portanto, pela semelhança assumida. Sobre ele se lançarão todos os sofrimentos; ele os vê s sente, antes mesmo de os suportar. Vê a traição de Judas, o abandono dos Apóstolos, a negação de Pedro, as irrisões, as bofetadas, os cuspos, a condenação, os flagelos, a coroa de espinhos, a cruz, o Calvário, os pregos, a agonia, a morte.
         Consideração – Ante as angústias que o esperam, Jesus se resigna à vontade do Pai. Tu, aprende a resignar-te à vontade de Deus nas aflições presentes e na previsão das futuras.


Dia                    SEGUNDA VISITA AOS TRES APÓSTOLOS - 
   3      Depois de ter rezado e sofrido muito, ergue-se Jesus pela segunda vez e vai ter com os discípulos. “E tornando a vir, achou-os outra vez dormindo, porque tinham os olhos carregados, e não sabiam o que lhe responder”.
            Esta segunda visita merece igualmente uma consideração. Fê-la, não somente para mostrar aos Apóstolos novas angústias de seu coração, e sim, também, para lhes significar o amor que lhes tem, e o interesse pelo seu bem-estar. Temia talvez qualquer coisa lhes tivesse acontecido? Pelo menos queria saber o que faziam e como estavam. Assim fizera durante três anos inteiros, cuidando afetuosamente de seus queridos discípulos, velando por eles, protegendo-os sempre, qual mãe amorosa a seu filho único. Ai de nós se o Criador só nos socorresse quando lhe somos gratos! Teria de nos deixar em perpétuo abandono. “E, deixando-os, de novo foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras.”
            Apresenta-se-lhe então o cálice de todas as ingratidões humanas: irreverências, profanações, sacrilégios contra o seu sacramento de amor, calúnias e perseguicões contra o seu corpo místico, a santa igreja. A quantidade das almas que se condenarão, apesar de seu sangue derramado, o assusta.
            A maldade humana, os tormentos antecipados da Paixão, a ingratidão de almas, compradas a tão alto preço, comprimiram tão fortemente a alma e o coração de Jesus, que ele entrou numa espécie de agonia mortal. Então desceu um Anjo do céu, vindo ajoelhar-se perto do divino mártir para o confortar na última batalha.
             Prostrado com a face em terra, Jesus multiplica as invocações ao Pai, intensificando a insistência, pois que sua voz parece não ser ouvida. Sente o abandono dos homens e de Deus. Não morre, mas sofre as dores de uma cruciante agonia.

          
             O sangue, forçando os poros, sai do corpo, em gotas abundantes, banhando as vestes e a terra.
            Consideração – Jesus por teu amor, sofres o mais desolador abandono. Por seu amor, promete-lhe não o abandonar em seus padecimentos.       
          




























Dia             A TRAICÃO – Judas, acompanhado dos soldados,
    4       não estava longe.Conseguira o seu intento. Depois de sair apressadamente do cenáculo, correra aos principais adversários de Jesus para lhes dizer que chegara o momento oportuno de o capturarem: dessem-lhe, portanto a guarda ordinária do templo e guardas assalariados, munidos de bastões e armas; ele os conduziria aonde estava Jesus. Foi atendido e teve tudo o que pedia.
                    O traidor com os soldados encaminhou-se para o horto de Getsêmani onde sabia encontrar Jesus, como era seu costume.
                     Jesus sabia que dentro em breve o traidor ali estaria com os soldados para o prender. Enquanto os três apóstolos, assustados, sacudiam o sono, Jesus, precedendo-os, dirigiu-se para a saída do horto, onde deixara os oito discípulos.
                     À entrada do horto, Judas ordenou aos soldados que esperassem fora, enquanto ele procurava entrar, pensando que o Mestre estivesse muito longe.
                     Encontrando-se inprovisamente com Jesus, desconcertou-se um pouco, mas compôs-se logo, lembrando-se do sinal convencionado. Aproximou-se de Jesus e lhe disse: “Deus te salve, mestre!” E deu-lhe um ósculo.
                     Perguntou-lhe Jesus: “Amigo, a que vieste?” Mas ao receber o beijo, exclamou com ternura e tristeza: “Judas, entregas o Filho do homem dando-lhe um ósculo?”
                      Adiantou-se Jesus e perguntou: “A quem buscais?” Eles responderam: “a Jesus Nazareno”. Os soldados recuaram para trás e caíram por terra.
                      Perguntando-lhe pela segunda vez, deu Jesus a entender aos inimigos que não os deixaria sempre prostrados e que, depois de lhes mostrar sua onipotência divina, lhes permitia levantarem-se.
                     

                   Consideração – Judas recomenda precauções minuciosas para o êxito da prisão de Jesus. Tu, ao contrário, toma todas as precauções para não perderes jamais as graças de Nosso Senhor.







      






















DIA              CONDUZIDO A ANÁS – “A corte, o tribuno e os
5                             quadrilheiros dos judeus, prenderam a Jesus e o
manietaram”. Não descuraram nenhuma precaução. Juntando-lhes as mãos pelas costas amarraram-lhe fortemente os pulsos, usando cordas. Lançaram-lhe ao pescoço outras cordas e outras na cintura, temendo sua fuga. Não seriam necessários tantos cuidados, desde que Jesus, qual manso cordeiro levado ao matadouro, não reage nem profere palavra de queixa ou ameaça.
         Os discípulos, diante da proibição de Jesus para ferirem, atemorizaram-se do número de inimigos prontos para os prender, e, abandonando o Mestre, fugiram.
          E Jesus, traído por Judas, abandonado pelos Apóstolos, amarrado como um malfeitor, vigiado, rodeado, arrastado pelos inimigos, volta pela mesma estrada a pouco percorrida com os amigos.
         “E levaram-no primeiramente à casa de Anãs, por ser sogro de Caifás, que era o pontífice daquele ano. Caifás era aquele que tinha dado aos judeus o conselho de que convinha que um homem morresse pelo povo”.
          Os dois pontífices, unidos estreitamente pelos laços do sangue, habitavam no mesmo palácio ou em dois tão juntos, a ponto de parecerem um só. Embora não fosse mais sumo sacerdote, Anãs, por sua astúcia, pela experiência de tantos anos de governo, e pela ascendência sobre o povo, era quem, indiretamente, dirigia os negócios religiosos da nação. Fora ele quem urdira toda a traição e toda a trama contra Jesus. Com ele entendera-se Judas antes de executar a traição.
          Jesus, cercado pela soldadesca, humilhado, em estado deplorável pela viagem feita, entra no palácio do pontífice. O pontífice fez perguntas a Jesus sobre que discípulos tinha e qual era a sua doutrina. Jesus respondeu: “Eu falei


abertamente na Sinagoga e no Templo. Por que me perguntas?”

          Consideração: Capciosamente Anãs interroga Jesus acerca de sua doutrina; tu, pelo contrário, medita com simplicidade os seus ensinamentos e põe-nos em prática.





























           

DIA               A BOFETADA – Anás ficou muito embaraçado
6                             com a resposta de Jesus: “Por que me perguntas? Pergunta àqueles que ouviram o que eu lhes disse. Estes sabem o que ensinei”.
           Enquanto Anãs esquadrinha o modo de recomeçar o interrogatório, um servo do pontífice, encarrega-se de tirar o patrão do embaraço.
           Ouvindo a resposta de Jesus virou-se para ele e lhe deu uma bofetada, dizendo: “É assim que respondes ao Pontífice?” Jesus respondeu: “Se eu falei mal, prova-o; mas se falei bem, por que me bates?”      
              No entanto, Anãs achava-se mais embaraçado e não sabia retomar o interrogatório a fim de arrancar de Jesus qualquer palavra comprometedora.
              O servo, profundamente impressionado com a atitude de Jesus, segundo a tradição ter-se-ia convertido e expiado a culpa com uma vida santa.
               Chegaram, porém, em boa hora, os enviados de Caifás para lhe dizer que o Sinédrio estava reunido e para lá levassem a Jesus, desde que só diante deste pontífice se realizaria o julgamento formal.
               Os guardas rodearam então o Mestre, tiraram-no da presença de Anãs e, em pouco tempo o apresentaram ao Sinédrio.
                DIANTE DE CAIFÁS – Senta-se Caifás em uma espécie de trono, adornado de trabalhos de entalhe e reservado aos príncipes dos sacerdotes; os outros membros do Sinédrio, pontífices, escribas, anciãos do povo, estão sentados em semicírculo sobre degraus cobertos de tapetes e almofadas. No


meio está Jesus, de pé, e de mãos amarradas. Pouco mais ao longe estão os satélites, os servidores, a turba; no lado extremo do semicírculo, os dois secretários com sua taboazinha na mão, para registrarem os acontecimentos.
                 Consideração – Caifás se serve das aparências legais para mais culpar a Nosso Senhor; talvez te tenhas aproveitado das boas maneiras para pecar mais livremente.
                      





























DIA                   ACUSAÇÕES FALSAS – Abre-se oficialmente o
7                             julgamento e Caifás interroga aos numerosos presentes se há quem deseja depor contra Nosso Senhor.
           Muitos depunham falsamente contra ele; mas não concordavam os seus depoimentos. Por último chegaram duas testemunhas falsas e depuseram: “Nós o ouvimos dizer: “Eu destruirei este templo, feito por mãos de homens, e em três dias edificarei outro, que não será feito por mãos de homens”.
          Jesus estava em silencio e nada respondeu. Por que responderia a acusações de indivíduos que se contradiziam uns aos outros e que deturpavam maliciosamente o sentido límpido de suas palavras? Os caluniadores e os que os secundavam não mereciam resposta alguma.
         Este silencio irritou Caifás, que, perdendo aparentemente a calma, decidiu fazer-lhe uma intimação em nome da religião: “Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus bendito”.
          E Jesus lhe disse: “Eu o sou. E vereis o Filho do homem sentado à direita do poder de Deus, vindo sobre as nuvens do céu”.
        Jesus assim falava em consideração ao Nome Santo de Deus, em cuja virtude lhe exigiam uma resposta, e para testemunhar sua qualidade de Filho de Deus diante de toda a assembléia.
       Essa resposta desencadeou-lhe uma tempestade de furor e de ódio da parte de todos os presentes. Caifás simulou religioso horror, rasgou as vestes dizendo: “Blasfemou, que necessidade temos de testemunhas? Que vos parece?”
       Consideração – Acusado falsamente Jesus se cala; tu aprende a calar humildemente quando te reprovam um defeito real.































DIA                  ULTRAJES A JESUS PROFETA – Apenas      
8                             pronunciada a sentença de morte, todos os juízes, os servos, a assembléia, foram possuídos de furor diabólico.
                Os juízes, assentados nas almofadas, ergueram-se, os secretários, ocupados nas extremidades do semicírculo a anotar as disposições, atiraram coléricos as tábuas; todos os assistentes se amotinaram, atirando injúrias e impropérios ao acusado. Todos imitam o que fazem os chefes. Cospem na face de Jesus, esbofeteiam-no, batem-no, insultam-no de todos os modos.
             “Então uns lhe cuspiram no rosto e o feriram a punhadas e outros lhe deram bofetadas no rosto”. Somente cessaram quando cansados. Retirarem-se então, deixando Jesus à mercê de alguns guardas, que o levaram da sala de reunião para o pátio, debaixo de ultrajes. E Jesus, no meio de tantos maus-tratos, cala-se e tudo suporta sem a mínima queixa.
              Depois que todos se retiraram, deixaram Jesus sob a vigilância de uns guardas. Estes se julgaram com o direito de continuar a série de insultos ao manso Jesus; rodeando-o, porfiavam em ver quem melhor o escarnecia e maltratava.
              O que no entanto os humilhava e atormentava era o silencio de Jesus e o seu olhar, ora fixo, ora raso de lágrimas, mas sempre doce. Fazia-se mister romper aquele silencio e vedar aquele olhar.
              Encontraram logo, o meio digno de tanta grosseria e crueldade. Cobrir-lhe o rosto, bater-lhe desapiedadamente e ao mesmo tempo interrogá-lo com ironia e com blasfêmias. Foi o que imaginaram para furtar-se ao silencio e ao olhar de Jesus.
              “E vendaram-lhe os olhos, e davam-lhe no rosto, e perguntavam-lhe:” Adivinha, Cristo, quem é que te bateu?” E diziam muitas outras afrontas, blasfemando contra ele.


              Consideração – Para o escarnecer e bater, velavam os soldados a face de Jesus. Assim o pecador, para dar-se folgadamente ao pecado, perde de vista a adorável presença de Deus.






























DIA                  NA PRISÃO – O plano dos inimigos, apesar da            
9                             crueldade usada não sortiu o efeito desejado, porque Jesus, tão maltratado, não proferiu a mínima palavra, nem reprovando, nem se queixando. Nem mesmo deu sinais de ressentimento ou impaciência.
            Os guardas acabaram por se cansar de tanto o maltratar, e decidiram repousar até a hora da segunda sessão.
            No porão, perto da cela do carcereiro havia um cubículo sórdido que, talvez, servisse de prisão aos acusados da noite e no decorrer do processo. Para aí arrastaram Jesus, e, como medida de segurança, aí o trancaram, enquanto iam repousar.
            Aproximadamente pelas seis horas da manhã, o pontífice, os escribas e os anciãos se reuniram outra vez, agora não no palácio de Caifás, mas onde se julgavam as causas mais graves a respeito de religião.
           A essa altura todos os habitantes de Jerusalém tinham conhecimento da prisão de Jesus ocorrida durante a noite. Houve um movimento geral para o lugar da reunião, e mesmo os visitantes, que por ocasião da Páscoa estavam em Jerusalém, tudo fizeram para ali comparecer. Os guardas, à hora determinada, abriram o cubículo em que estava preso Jesus, tiraram-no Dalí e, assim como se encontrava, levaram-no ao tribunal. Enquanto isso, nas estradas, engrossava a multidão dos adversários e curiosos.
          Jesus passara, portanto, a noite, sem descanso algum, em lugar tão imundo, amarrado tão estreitamente, e impossibilitado de encontrar posição mais ou menos cômoda.
          Antes que Jesus novamente comparecesse ao tribunal, os principais chefes dos judeus, nas poucas horas de intervalo da reunião noturna, tramaram o plano de entregar o Salvador ao tribunal civil e conseguir a condenação de morte. Decidiram



não o interrogar muito, mas fazer com que repetisse ser o Filho de Deus, igual ao Pai.
          Consideração – Jesus, em seu obscuro cárcere, sofre e reza; une-te espiritualmente a ele para o compadeceres e com ele te associares.










    


















DIA               NO TRIBUNAL DE CAIFÁS E DIANTE DE
10                        PILATOS – Quando Jesus, acompanhado da guarda, chegou ao tribunal, já lá estavam todos em seus lugares: no fundo da sala, em lugar elevado, o Sumo Sacerdote Caifás; ao redor, sentados em almofadas, os juízes; no meio Jesus, em pé de mãos amarradas; ao seu lado, os guardas; para trás o povo.
        Então Caifás levantou-se e perguntou: “Se tu és o Cristo, dize-no-lo”. Respondeu Jesus: “Se vos disser, não me haveis de dar crédito; também se vos fizer qualquer pergunta não me haveis de responder, nem me deixar ir. Mas depois disto estará sentado o Filho do homem à mão direita do poder de Deus”. Perguntaram-lhe então todos à uma: “Logo tu és o Filho de Deus?”. Respondeu Jesus: “Vós o dizeis, que eu o sou”. Era a resposta desejada e ouvindo-a começaram a gritar: “Que mais testemunho nos é necessário? Quando nós mesmos o ouvimos de sua boca”.
        E, acompanhados de uma multidão tumultuante, encaminharam-se para a Torre Antônia, residência do governador romano Pôncio Pilatos, de quem pretendiam saísse a sentença de morte.
        Pilatos tinha sido avisado da vinda do “augusto prisioneiro”. Quando os judeus chegaram ao pretório era de manhã, e não entraram no pretório era de manhã, e não entraram no pretório para não se contaminarem e poderem comer a Páscoa.
        O governador teve que sair e, adiantando-se, parou perto de Jesus e disse: “Que acusações trazeis vós contra este homem?” Responderam eles e disseram-lhe: “Se este não fora malfeitor, não to entregaríamos nós”. Pilatos lhes disse então: “Tomai lá vós mesmos e julgai-o segundo a vossa lei”. E os judeus lhe disseram: “A nós não nos é permitido matar ninguém”. Para se cumprir a palavra que Jesus dissera significando de que morte havia de morrer. Continuaram a acusá-lo: “A este temos achado pervertendo a nossa nação e proibindo dar tributo a César, e dizendo que ele é o Cristo Rei.
           Consideração – Esses injustos acusadores pretendem se lhes dêem crédito sem apresentar provas. Por tua vez, examina-te se tens essa pretensão quando deves acusar os defeitos do teu próximo.



























DIA            NÃO ENCONTRO CAUSA DE MORTE -
11                        Ouvindo as últimas palavras dos judeus, Pilatos tornou a entrar no pretório e disse a Jesus: “Tu és o rei de judeus?”
        Respondeu Jesus: “O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, certo que os meus súditos teriam combatido para eu não ser entregue aos judeus”. Disse-lhe Pilatos: “Então tu és rei?” Respondeu Jesus: “Tu o dizes, eu sou rei. Para isso nasci e para isso vim ao mundo, para dar testemunho da verdade”.
        Pilatos compreendeu que o acusado era inocente e quis salvá-lo: “E dito isso, foi ao encontro dos judeus e disse-lhes: “Eu não acho neste homem motivo algum de condenação”.
        Mas os príncipes dos sacerdotes o acusavam de muitas coisas. E embora acusado pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos, Jesus permanecia em silêncio. Então disse Pilatos: “Não ouves as acusações que te fazem? Não respondes nada?”
       Mas a todas as perguntas Jesus nada respondia, deixando o governador bastante admirado. E eles porfiavam cada vez mais, dizendo: “Ele subleva o povo com a doutrina que prega por toda a Judéia, desde a Galiléia, onde começou, até aqui. E o pusilâmine governador, diante do silencio misterioso de Jesus e das furiosas e infundadas acusações de seus inimigos, não sabe para onde pender.
       Uma idéia assomou nesse instante na mente de Pilatos. Não seria Jesus Galileu? Inquiriu-o dos que o rodeavam e, pelas informações, soube que o acusado era justamente daquela região, pertencendo ao domínio de Herodes, que, por feliz coincidência, naqueles dias, se achava em Jerusalém.
        Para desenlear-se do embaraço, decidiu que Jesus fosse levado à presença desse rei e por ele julgado.


        Pensava o governador romano livrar-se de ulteriores dificuldades e desvencilhar-se de toda a responsabilidade, com a vantagem de, com este ato de deferência para com Herodes, terminar a inimizade já pública entre os dois governadores.
        Consideração – Fugindo ao cumprimento de um dever difícil, Pilatos arrima-se em pretextos fracos, com o fito de afastar Jesus de seu tribunal. Tu talvez o imitas procurando motivos fúteis para eximir-te do cumprimento do teu dever.

























DIA           NEGAÇÕES E ARREPENDIMENTO DE
12                        SÃO PEDRO – Enquanto Jesus era julgado por Caifás, Pedro que havia negado a Jesus duas vezes, procurava fugir a outras perguntas indiscretas e viu-se novamente molestado. “Não é assim que te vi com ele no horto? Tu certamente és também dos tais, porque até tua linguagem te dá bem a conhecer. Realmente, tu és daqueles, porque és também Galileu.
        A estas considerações Pedro se julgou perdido. E começou a praguejar e a jurar: “Não conheço esse homem de quem falais”.
        Era o cúmulo da covardia e da fraqueza humana.
        Entretanto chegara o momento da misericórdia de Deus: Pedro, conforme predissera Jesus, devia converter-se, para depois confirmar seus irmãos na fé.
        Pronunciava os últimos perjúrios, quando o galo, como que sabendo do efeito do seu canto, emitia vozes agudas; e esse canto despertou o Apóstolo do letargo de sua culpa.
        No mesmo instante, pela segunda vez, antes que Pedro acabasse de falar, o galo cantou; e ainda não era o suficiente: fazia-se mister o olhar de Jesus para chamar Pedro a si. E veio esse olhar misericordioso. Jesus, em estado lastimável era trazido para o pátio, e, passando perto de Pedro, fixou-o nos olhos. Os olhares se encontraram, o de Mestre e o do discípulo; esse olhar foi como um dardo a transpassar a alma de Pedro. E Pedro se lembrou da palavra do Senhor: “antes que o galo cante, me negarás três vezes”.
        Essa lembrança revolucionou-lhe o espírito mostrando-lhe o abismo em que se precipitara. “E tendo saído para fora, chorou Pedro amargamente”.




Consideração – O olhar de Jesus converte Pedro. Fixa em tua memória esse olhar divino para um sincero arrependimento dos teus pecados.






























DIA            JUDAS SEGUE A JESUS E SE DESESPERA – O
13                        infeliz apóstolo, após a traição, acompanhou a turba, desde Getsêmani até a casa de Anãs. Viu toda a perversidade com que se tratou Jesus. Testemunhou sua queda no rio, as primeiras interrogações de Anãs, a bofetada, as negações de Pedro, as investigações de Caifás, o grito de morte, os escarros, as pancadas. E, provavelmente, soube também dos dolorosos e indignos vilipêndios da guarda para com Jesus no decorrer da noite. Enfim, sem poder conciliar o sono, ele também se dirigiu ao tribunal das causas graves, ouvindo tudo o que ele disse e concluindo que para o Salvador já não havia mais esperança de vida. À vista de todas as ignomínias feitas ao Mestre só podia servir a Judas para o precipitar sempre mais no abismo da desesperação .
       “Então Judas, que havia sido o traidor, vendo que Jesus fora condenado, tocado de arrependimento, tornou a levar as trinta moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos, dizendo-lhes: “Pequei entregando o sangue inocente”.
         Mas eles lhes responderam: “Que nos importa? Isto é lá contigo!” E depois de lançar as moedas no templo, retirou-se e foi enforcar-se.
         A ingratidão a tanta bondade pareceu-lhe monstruosa, imperdoável. O infeliz não queria admitir que a humildade e o arrependimento ainda o poderiam salvar, parecendo-lhe que só a morte o libertaria de tantos remorsos. Premido pelo desespero, atou a corda ao pescoço, subiu em uma árvore próxima, onde fixou a outra ponta, deixou-se cair no ar e ali ficou estrangulado. A violência com que o fez, os estertores desesperados na queda fizeram-lhe romper as entranhas que se derramaram pelo chão.


Consideração – Judas desespera do perdão de Jesus, embora muitas vezes lhe tenha sentido a infinita bondade: Por tua vez, procura nunca praticar essa injúria para com Nosso Senhor, nem de leve; antes, confia sempre nele e arrepende-te dos teus pecados.   





























DIA           JESUS PERANTE HERODES – Mais ou menos       
14                          pelas oito horas Jesus transpôs o limiar do palácio de Herodes. Há muito que este desejava ver e ouvir o Salvador. Alegra-se, pois, ao tê-lo diante de si. “E Herodes tendo visto a Jesus, folgou muito; porque de longo tempo tinha desejado o ver, por ter ouvido dizer dele muitas coisas e esperava ver algum milagre.”
        Vendo-o, porém, naquele estado, diante de si, sujo, pálido, desfigurado, deverá ter sentido repugnância. Não poderiam ter-lhe trocado as vestes, asseado antes? Agora já está ali, é preciso interrogá-lo.
         “Fez-lhe pois muitas perguntas; mas ele a nenhuma deu resposta. E os príncipes dos sacerdotes estavam ali, acusando-o com grande instância”.
         Herodes interrogava por curiosidade pessoal; os judeus repetiam calorosamente as acusações feitas diante de Pilatos, movidos de perversidade diabólica. Todos portanto, mereciam a mesma resposta: o silêncio.
         E Jesus assim o fez. Mostrava assim saber muito bem diante de quem se encontrava, de um rei adúltero e homicida e de uma corte condescendente com seus escândalos; e semelhante gentalha não merecia ouvir a voz de Jesus.
         Herodes, desiludido na sua expectativa, despeitado e como para se vingar do ultraje, ordena que o Salvador seja tratado como louco. Vestes brancas eram naqueles tempos, o distintivo dos pobres dementes; e assim foi vestido Jesus.
         Foi como que o ponto de partida para o desdém e o desprezo geral. Herodes, em primeiro lugar, o desprezou e zombou de todos os modos; depois a coorte com os soldados e cortesãos. Os judeus, que só isso desejavam, seguiram seu



exemplo, e enquanto lhe amarravam outra vez os pulsos, a cintura, o pescoço, davam larga ao ódio e o maltratavam.
        Por fim Herodes ordena devolvam Jesus a Pilatos. E foi preciso retornar pelo mesmo caminho, repleto do povo que aumentava sempre diante do espetáculo de troca.
       
       Consideração – A Sabedoria Eterna é tratada como louco por não condescender com pretensões humanas. Prostrado, adora essa Sabedoria e submete humildemente o teu juízo aos seus imperscrutáveis desígnios.
























DIA             VOLTA A PILATOS – Ao ver a multidão, Pilatos
15                        imagina chegada a hora oportuna de livrar-se de Jesus. Dirigindo-se aos príncipes dos sacerdotes, magistrados e povo disse: “Vós me apresentastes este homem como perturbador do povo, e vede que, fazendo-lhe eu perguntas diante de vós, não achei nele culpa alguma daquelas de que o acusais, nem Herodes tão pouco. Soltá-lo-ei logo depois de o castigar”.
       Os judeus se calaram, mas o silêncio indicava descontentamento. Pilatos entendeu e, oportunamente lembrou-se do costume dos Hebreus, de soltar, pela festa da Páscoa, algum criminoso condenado à morte. Ora estava preso um famoso desordeiro chamado Barrabás, detido com outros amotinadores e que praticara um homicídio.
      Fez então proposta ao povo da escolha entre Barrabás e Jesus. Certamente o povo, diante de um homicida como Barrabás, não teria dificuldade em escolher Jesus, mas os chefes dos judeus, imiscuindo-se entre o povo concitava-o a pedir a liberdade de Barrabás.
       Um clamor feroz rompeu de milhares e milhares de bocas: “Faze morrer este, e nos solta Barrabás”.
       “Pois que hei de fazer de Jesus que se chama o Cristo?” perguntou Pilatos.
       Mas eles estavam pedindo a grandes vozes que fosse crucificado e repetiam: “Crucifica-o”.
        Diante da persistência do povo, quis Pilatos, ao menos significar, com um ato público, sua inocência na condenação do Justo. “Vendo que nada adiantava, mas que, cada vez era maior o tumulto, mandando vir água, lavou as mãos, à vista do povo, dizendo: “Isto é lá convosco, sou inocente do sangue deste homem”.


       Uma erupção de ódio e de imprecauções foi a resposta de toda a multidão, e todo o povo respondeu: “O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos”. Então Pilatos decretou se fizesse o que pediam. Soltou, para contentar o povo, o criminoso Barrabás. Não havia mais esperança para Jesus inocente.
     
      Consideração – A obstinação do povo em pedir a morte de Jesus nos apavora; muito mais de pasmar é a obstinação no pecado, de um discípulo de Cristo.       























DIA                  A FLAGELAÇÃO – Jesus é flagelado com azor-          
16                        rague, à maneira dos romanos, como se flagelaria um escravo judeu. Foi levado Nosso Senhor a uma coluna de mármore, plantada no chão, tendo no ápice uma argola em que se prendia a vítima. Pilatos, embora o fizesse contrariado, pronunciou as palavras costumadas: “Vai, ó litor, amarra-lhe as mãos, venda-lhes os olhos e acoita com vigor e precaução”.
      A ordem se cumpre imediatamente, e o corpo de Jesus é despido; velam-lhe a face, ligam-lhe as mãos e o prendem de frente à coluna, que, por ser baixa, constrange-o a ficar recurvo.
      Já os executores estavam a postos, armados dos azorragues de quatro correias, de pé, diante da vítima. A um sinal do procurador, os carnífices principiaram a bater lentamente, espaçando os golpes sobre a carne palpitante para que não restasse parte alguma sem o tormento. Os sulcos se aproximam dos sulcos, cruzam-se caprichosamente, sacudindo o organismo todo em apavorante comoção.
     Logo a pele se rasga e se destaca em farrapos sangrentos, e as costelas, escavadas pelas extremidades agudas do acoite, mostram os ossos.
     Em breve Jesus aparece como o haviam predito os Profetas: “da planta dos pés ao alto da cabeça não há nele parte alguma sã. Não tem mais figura de homem, mas parece um leproso, ferido por Deus”. O seu corpo está reduzido a uma só chaga, o sangue escorre abundante pela terra, umedece os flagelos, as vestes, as mãos, a face dos carnífices.
      Um lamento sequer sai da boca desse Cordeiro Divino no momento de sua imolação. Prefere que falem da atrocidade de suas dores, as feridas, o sangue, as lágrimas.
   



      Apenas deu sinal de ter recobrado um pouco as forcas, os mesmos cursores o reergueram, puseram-lhe as vestes embebidas de sangue, e ficaram às ordens do procurador.

      Consideração – O homem-Deus desfalece sob os acoites para robustecer a tua fraqueza; contempla em suas chagas a malícia dos teus pecados, e chora sobre as dores do Salvador. Ajoelha-te junto dele, compadece-o, fortifica-te com o seu precioso sangue.  

     






















DIA               ULTRAJES A JESUS REI – Terminada a flagela-   
17                        cão, os soldados tiveram uma idéia cruel, que logo traduziram em prática.
         Recordaram-se de que Jesus se declarara rei e julgaram bem escarnecê-lo, dando-lhe uma coroa, um cetro e um manto real. Então os soldados do governador, tomando a Jesus para o levarem ao pretório, fizeram formar à roda dele toda a coorte composta de uns cinquenta homens.
       Despiram-no novamente, amarraram-lhe as mãos, e vestiram-lhe um manto carmesim. E, tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha sobre a cabeça, colocaram-lhe nas mãos uma cana para simbolizar o cetro. Assim o Rei dos séculos, imortal e invisível pela divindade, feito mortal e visível pela natureza humana, revestido de um manto, coroado de espinhos, tendo nas mãos uma cana, é feito rei de farsa.
      Os espinhos aprofundaram na cabeça e na fronte, e de toda a parte escorria vivo o sangue a descer pelos cabelos e pela barba, manchando o rosto, impedindo a vista.
       Às dores, acrescentando zombarias e escárnio, os soldados puseram Jesus sentado sobre um pedaço de coluna velha para significar o trono. Esta, sem firmeza, se movia e, movendo-se, derrubava a Nosso Senhor, cujas mãos presas não lhe permitiam segurar-se. As quedas provocavam risadas nos presentes, enquanto a coroa de espinhos se deslocava na cabeça. Os soldados se apressavam a erguer o caído e a ajeitar a coroa, e, para que esta não se movesse mais, tirando-lhe a cana da mão, batiam-lhe fortemente sobre a coroa, aprofundando os espinhos e firmando-a melhor.
       Da parte de Jesus, nem uma palavra, nem um gesto de impaciência.
              
       




     Consideração – Reflete se nunca coroaste a Jesus de espinhos com teus pensamentos pecaminosos. Arrepende-te amargamente, passa em espírito diante dele, proclama-o teu rei e dá-lhe demonstrações de teu amor. 




























DIA               “EIS O HOMEM” -  O povo quase nada sabia da     
18                        flagelação. Ignorava a coroação de espinhos e a desumanidade dos soldados, mas esperava ansiosamente o reaparecimento de Pilatos para ouvir dele a fórmula usual e definitiva da condenação à morte. 
     Finalmente a turba percebe o movimento que se delineia sobre o terraço, pois vinham os soldados ocupá-lo, e o próprio governador, avançando para a balaustrada, dispunha-se a falar.
    Foi então que o silencio imperou de uma extremidade a outra da multidão. Todos queriam inteirar-se do que tinha acontecido, alheios ao espetáculo que os esperava.
     “Saiu Pilatos ainda outra vez fora, e disse-lhes: “Eis que vo-lo trago fora, para que saibais que eu não acho nele nenhum motivo de acusação”. Apareceu então Jesus trazendo uma coroa de espinhos, e um manto de púrpura. Pilatos disse: “Eis o homem!”
      O momento era de profundo silencio: Pilatos contava com o imprevisto da cena para abrandar a cólera e tirar vantagem da comoção do povo. Quem poderia resistir àquela inesperada aparição de um espectro sanguinolento? A cabeça coroada de espinhos, o rosto sulcado pelos flagelos, lívido de bofetadas... aqueles olhos sem brilho a escorrer lágrimas...
aqueles lábios pálidos onde pairava o último suspiro...o peito ofegante, todo aquele conjunto de dor e humilhação, misto de hórrido e repugnante, e no entanto, envolvido de majestade a brilhar como raio de sol  sobre ruínas! Não seria isso suficiente para tocar e comover qualquer coração?
       Esteve Pilatos por momentos na ilusão de que o povo não mais insistiria na injusta exigência; os próprios membros do Sinédrio recearam uma transformação no povo. Apressaram-se, por isso, a romper aquele silencio com fortes clamores.

      Consideração – Com as palavras “Eis o homem”, Pilatos convida o povo à consideração da impossibilidade de se temer um homem reduzido a tal condição. Ouvindo essas palavras, contempla o teu Jesus, e medita o seu infinito amor






























DIA                CRUCIFICA-O – Então os príncipes dos
19                        sacerdotes e os oficiais, tendo-o visto, gritaram: “Crucifica-o, crucifica-o”.
            Somente os chefes gritavam. O povo ainda guardava silêncio: Pilatos valeu-se desse silencio para replicar com desprezo e ironia: “Tomai-o vós outros, crucificai-o, porque eu não acho nele crime algum”.
            A esta altura a multidão voltou a si da estupefação e, instigada pelos chefes, reencetou as vociferações: “Responderam os judeus: “Nós temos uma lei, e ele deve morrer segundo a lei, pois se diz Filho de Deus”.
            Ouvindo isso Pilatos temeu ainda mais. Entrou logo no pretório e mandou trazerem-lhe Jesus. E aí, a sós com ele, interrogou-o: “Tu não me falas? Não sabes que tenho poder para te crucificar e que tenho poder para te soltar?” Respondeu-lhe Jesus: “Tu não terias sobre mim poder algum, se ele te não fora dado lá de cima. Por isso o que me entregou a ti, tem maior pecado”.
           Voltou Pilatos ao tribunal, mas não teve tempo de abrir a boca, que a turba já gritava: “Tu, se livras a este, não és amigo de César, porque todo o que se faz rei, contradiz a César”. 
              A trama dos chefes dos judeus conseguia o resultado. Enquanto Pilatos falava secretamente com Jesus, tinham persuadido o povo a que dissesse essas palavras ameaçadoras a Pilatos, se este persistisse na vontade de livrar a Jesus. A estas vozes, Pilatos titubeou: só a probabilidade da acusação de contrariar a César significava o seu desagrado e essa infidelidade queria dizer a morte.
            Subiu ao tribunal e, ironizando as palavras do povo, disse: “Eis aqui o vosso rei”. Compreendendo a ironia, bradaram cheios de fúria: “Tira-o! tira-o! Crucifica-o!”



            Consideração – Às palavras de Jesus, Pilatos teme, mas não se decide; o temor de César faz com que ele esqueça o dever de justiça. Não te deixes nunca vencer pelo respeito humano com prejuízo dos teus deveres.





























Dia            A CONDENAÇÃO – Com a última resposta que
20                        dera a Pilatos, “o povo de Deus” cessava de o ser pelo testemunho dos seus próprios pontífices. Terminava a antiga teocracia; e aqueles mesmos ferrenhos patriotas, que poucos dias atrás decretavam a morte de Jesus pelo medo de que viessem os romanos roubar-lhes todo o reino, agora pediam para se igualar aos outros povos, escravos do Império. Além de eliminarem a Jesus Cristo, declaravam oficialmente pertencerem só a César.
     Pilatos aceita essa declaração, e, não obstante o remorso da consciência, a íntima persuasão da inocência do acusado, o ódio patente dos judeus, concorda em pronunciar a sentença de morte contra o rei de Israel.
    Eram quase onze horas da manhã. O procurador, da sua cátedra de juiz, voltado para Nosso Senhor, pronunciou em alta voz a fórmula usual: “Irás para a cruz”.
     Pronunciada que foi a sentença, Pilatos entregou Jesus aos judeus, para que fosse crucificado.
     Então os soldados desamarraram as mãos de Jesus tiraram-lhe a cana, o manto e a coroa de espinhos, colocando-lhe novamente as suas vestes, para que todos soubessem, na caminhada a ser feita, quem era o condenado à morte. Recolocaram a coroa de espinhos, renovando assim todas as suas dores.
       A cruz ali estava preparada, faltava só o título e a inscrição indicando a causa da condenação. Por ordem de Pilatos foi escrito: “JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS”. Para facilitar a leitura às pessoas vindas de todas as nações, escreveram em hebraico, grego e latim.
      Jesus é levado até a cruz, para que a tome nos ombros e a carregue até o lugar do suplício.


     Consideração – Cada um de nós deveria ser o condenado e, em nosso lugar o é Jesus. Agradece-lhe do fundo do coração e promete-lhe eterna gratidão.































DIA           O CAMINHO SAGRADO – As cruzes eram forma-     
  21     das de duas traves de três metros de altura. Assim era a cruz destinada a Jesus; mas entregaram-lha inteira e não dividida e por isso por um sentimento de crueldade. Ele não a recusou, nem demonstrou repugnância alguma. Tomou-a com amor e a colocou nas costas com inexplicável alegria, divisando nela o sinal do seu triunfo, e o instrumento da eterna salvação de inúmeras almas.
       Agora segue em forma o cortejo fúnebre. Na frente, o centurião e sua escolta, como determinava a lei romana; logo depois, Jesus com a cruz, ladeado por dois ladrões, também condenados à morte de cruz.
      O pé da cruz se arrastava no chão e trepidava nas pedras. Os golpes repercutiam em seu corpo debilitado por tantos sofrimentos. Jesus cambaleava no meio de risos, lama, zombarias, e pedras que a multidão atirava.
     Assim foi que, chegando Jesus quase ao fim de um declive, empurrado de todos os lados, extenuado pelo cansaço, caiu miseravelmente por terra, esmagado sob o peso da cruz, banhado de suor, de lágrimas e de sangue, o pó da estrada.
     No entanto, ninguém se compadeceu dele. Erguem-no e repõem-lhe a cruz nos ombros.
     A bendita Mãe de Jesus, depois do comovente adeus do Filho, certamente seguia, em espírito, por toda a parte, desde o Cenáculo até o caminho do Calvário, onde agora se encontrava. Assistira espiritualmente a todos os sofrimentos; recebia em sua alma de um modo misterioso, e como que por reflexo, todas as penas sofridas pelo Filho amado, tornando-se assim, antes de qualquer outra alma eleita, a mais fiel cópia do Filho Unigênito de Deus.
      Compreendendo que para seu amantíssimo Filho tudo terminara, Maria foi-lhe ao encontro, para, no caminho, dar-lhe o último adeus.

       Consideração – Maria Santíssima, mais do que qualquer outra criatura, viu reproduzida em si, como fruto do amor, a Paixão de Jesus. Pede-lhe a graça de a imitares na compaixão sincera de Nosso Senhor.    






























DIA           O ENCONTRO COM SUA MÃE – Reerguendo-se
  22       da queda, abraçado novamente à cruz, Jesus continua lentamente e arquejante a dolorosa viagem. Finda a descida, o séquito tomou a esquerda por uma estrada reta e plana, enquanto o Salvador avançava em silencio e vergado sob o acabrunhante peso, com as vestes sórdidas e ensopadas de sangue.
           A certa altura, à esquerda, diante de uma porta, amparada por algumas mulheres, viu Jesus sua Mãe, chorando e estendendo para ele o olhar lânguido e os braços.
          Os olhos do Filho se encontraram com os de sua Mãe, e mais do que os olhares, se encontraram os corações e as almas. Ninguém poderá descrever a dor de ambos naquele momento. Tão grande foi que não puderam articular palavras.
         Não podendo a Mãe bendita, suportar aquela vista de seu Filho Divino, em tal estado, desmaiou nos braços das piedosas mulheres, enquanto Jesus, amargurado por mais essa dor, teve de continuar o seu caminho.
         Jesus, aos olhos de todos e, particularmente aos do centurião, aparecia tão fraco e exausto, que se duvidava pudesse, com a cruz, galgar a íngreme rampa. Para aliviarem-lhe o peso “obrigaram a um certo transeunte, Simão de Cirene, que regressava do campo, a levar a cruz, colocando-a em seus ombros, para que seguisse Jesus”.
         Nosso Senhor pode assim, prosseguir mais aliviado, mais facilmente. Podemos imaginar a revolta e a raiva do pobre Cirineu obrigado pela violência dos soldados a levar publicamente uma carga tão humilhante. Só mais tarde, quando se tornou cristão, é que pode compreender a honra que lhe fizeram, e então agradeceu imensamente a Nosso Senhor.



          A tradição nos conta que uma piedosa mulher chamada Verônica ou Berenice, contemplando Jesus desfigurado pelo sofrimento, tomada de compaixão, teve a idéia de lhe enxugar o suor e limpar-lhe o rosto. Ofereceu-lhe um grande lenço que Jesus usou e restituiu à caridosa mulher, deixando nele estampado o seu rosto.
          Consideração – Quem não compreendeu ainda a preciosidade da cruz, carrega-a de má vontade; procura avaliar bem essa preciosidade e estimá-la.
























DIA         A QUEDA, AS PIEDOSAS MULHERES – Em certo
  23     ponto, a estrada deriva para a esquerda, e depois de poucos metros principia a subida suprema. Antes da chegada Jesus sentiu faltarem-lhe as forcas e caiu subitamente em terra, sem que os soldados o pudessem prever. Ao invés de compadecê-los se impacientaram e, aos empurrões, o queriam fazer levantar-se por si mesmo: mas era evidente que não tinha mais forcas. 
           Mais alguns passos e a estrada deriva um pouco para o Calvário. Aqui um grupo de piedosas mulheres esperava a passagem de Jesus.
            Como já soubessem dos maus-tratos, ao vê-lo e contemplá-lo naquele estado, não puderam conter as lágrimas, os soluços e os lamentos em profusão, não obstante a proibição legal e apesar do perigo a que se expunham.
            Mas Jesus, voltando-se para elas, disse: “Filhas de Jerusalém, não choreis sobre mim, mas chorai sobre vós mesmas, e sobre vossos filhos. Porque se isto se faz no lenho verde, que se fará ao seco?”
            Era a primeira vez que ele falava durante o trajeto, e para falar teve de erguer a cabeça coroada de espinhos e inclinada sobre a cruz e fixar as vistas afetuosas, mas tristes, veladas de lágrimas e de sangue, naquele grupo de piedosas mulheres.
             Depois destas palavras, Jesus prosseguiu, mais do que nunca, arfante, a viagem. Chega à última e mais rápida subida, onde extenuado, cai mais dolorosamente pela terceira e última vez.
             O s soldados o julgaram talvez morto; mas vendo que ainda respirava, sem mesmo cessar de o ultrajar, compreenderam que seria inútil exigir-lhe novos esforços. Ergueram-no, pois, e arrastando-o juntamente com a cruz,



chegaram ao cimo. O Deus de toda a fortaleza, revestido de nossa humanidade, não pode mais manter-se em pé.

             Consideração – Agradece a Jesus a compaixão às suas dores, mas deseja muito mais, que se tirem as causas das mesmas; vê se, compadecendo-o, afasta as causas de seus sofrimentos, os pecados.   


























DIA          A CRUCIFIXÃO – Achavam-se ali muitas mulheres,                                                                                
24                que tinham seguido a Jesus desde a Galiléia subministrando-lhe o necessário. Entre elas estavam Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, a mãe dos filhos de Zebedeu, e muitas outras, que juntamente com ele haviam subido a Jerusalém. Notava-se particularmente a presença de sua Mãe Santíssima, a mais amargurada de todas, do Apóstolo São João, que não podia faltar em momento solene, quando almas dedicadas davam a Jesus o último testemunho de admiração e afeto. Embora distantes, advinhavam-lhe facilmente os sofrimentos e por isso choravam amargamente.
     Costumavam os judeus oferecer aos condenados, uma bebida que os atordoava e lhes diminuía a sensibilidade. Por si mesmo era isso um ato de piedade e dele se incubiam senhoras caridosas, preparando a bebida e oferecendo-a aos condenados. Isso não lhes foi permitido para Jesus, mas aos próprios soldados que, afeitos a zombar dos pacientes, acrescentaram à bebida amargos ingredientes.
    “Mas Jesus, tendo-o provado não o quis beber”. Experimentando-a, amargurou a boca toda, com o que ela tinha de amargo; recusando-a, afastou o que tinha de anestesiante.

         DESPIDO DAS VESTES – O condenado à cruz devia ser crucificado nu, sem qualquer vestimenta. Não devemos, porém, pensar que lhe tirassem também a cintura renal; e mesmo que os soldados o tivessem tirado, a tradição nos assegura que mão piedosa o cingiu imediatamente com um pano e o recobriu.
        



            Jesus apareceu aos olhos de todos, ensangüentado, recortado pelos flagelos, com as chagas sangrentas, quase todas reabertas ao se tirar a coroa e as vestes. A sua vestimenta é agora realmente vermelha, recoberta de sangue, porque só o sangue reveste-lhe a humanidade assumida.
          Sofre imensamente ao ver-se no meio dessa humilhação, e o rubor virginal difundido pelo rosto, ligeiramente retrata a aflição interna.
          
          Consideração – Submete-se Jesus novamente à cruel ignomínia da denudação a fim de merecer-te a veste da graça nesta vida, e da glória, na futura; sê reconhecido, prometendo conservar a primeira imaculada, para mereceres a da glória.


















DIA          ERGUE-SE A CRUZ – A vítima sacrossanta está  
25                definitivamente presa ao lenho; podia-se já erguer a cruz com o seu “doce peso” e firmá-la no solo.
        Os soldados arrastaram-na até a cova e, erguendo-a por detrás, fizeram-na descer lentamente. Mas era quase impossível evitar o abalo do pé da cruz contra a pedra e isso aconteceu com horríveis dores para o divino paciente.
          A cabeça de Jesus coroada de espinhos chocou-se contra o madeiro. Das feridas das mãos e dos pés, dilatadas e renovadas com a violência da batida, manavam rios de sangue. Sumido lamento deve ter escapado dos lábios benditos de Jesus, resultado natural de tantos sofrimentos ao mesmo tempo.
         Mas isso não comovia o coração dos carnífices, mais preocupados em firmar a cruz, calcar o terreno em redor, e terminar aquele fúnebre serviço.
         Terminado que foi, permitiu-se ao povo aproximar-se e contemplar à vontade os supliciados. Foi então que também as piedosas mulheres e a Mãe de Jesus se aproximaram um pouco, esperando que a turba se dispersasse para depois se achegarem mais.
         Era mais ou menos meio-dia quando crucificaram Jesus, e o sol devia arder em seu máximo esplendor. No entanto, o céu, pouco a pouco se escurecia, prenunciando uma noite antecipada. Os membros do Sinédrio e o povo, na ânsia de contemplar os crucificados não perceberam o fenômeno que se delineava, cuidando mais em desabafar o ódio contra o Salvador, com insultos e zombarias: “Ah! tu que destróis o templo de Deus e o reedificas em três dias, salva-te a ti mesmo”. “Se és Filho de Deus, desce da cruz”.
          E os mesmos lhe diziam também os ladrões, que haviam sido crucificados com ele. E da mesma sorte o escarneciam os


soldados, chegando-se a ele, e oferecendo-lhe a beber vinagre dizendo: “Se tu és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo”.  
          Consideração – Aos inimigos de Jesus Crucificado se unem nos insultos, todos os que lhe negam fé e obediência; qual tem sido o teu modo de proceder? Humilha-te e corrigi-te.




























DIA         AGONIA E MORTE – Vendo em redor de si amai-
26                nar o tumulto, o Divino Mestre, de sua cátedra de sofrimento, quis dar os últimos preciosos ensinamentos.
    Ao ver os inimigos cheios de ódio e ouvindo as suas blasfêmias, não se mostra ressentido; pelo contrário, compadece-os, escusa-os e, erguendo como pode o olhar para o céu, pede a seu Pai que os perdoe: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem”.
   Até aquele momento os dois ladrões crucificados se tinham unido ao povo nas blasfêmias ao Salvador. Um repetia as pragas do Sinédrio, outro lhe dizia escarnecendo: “Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo, e a nós”.
   Mas depois da oração de Jesus, um dos ladrões, Dimas, tocado pela paciência e mansidão de Jesus e iluminado pela graça, põe-se a refletir. Volta-se para o companheiro que ainda blasfema e lhe diz: “Nem tu temes a Deus, estando no mesmo suplício? Nós recebemos a paga de nossos crimes, mas este nenhum mal fez”. Inundado da luz suprema, o Bom Ladrão viu em Jesus o Messias prometido, o Redentor dos homens, o Senhor dos Senhores. Viu, creu, testemunhou: “Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino”. Para Jesus isso era o bastante, e respondeu-lhe: “Em verdade te digo, que hoje estarás comigo no paraíso”. A uma confissão feita em circunstâncias tais, só uma promessa inaudita se poderia esperar.
        No mesmo tempo em que Jesus era crucificado, também a Mãe Santíssima era pregada na cruz; o coração de Maria tornara-se como um espelho em que se refletia ao vivo a Paixão de Jesus; teria até sofrido menos se os tormentos do Filho fossem em seu próprio corpo.
      A aflitíssima Mãe geme, suspira, sente-se morrer; e no entanto, nem por isso diminui a sua sublime resignação,


ficando intrépida ao pé da cruz, no seu posto de corredentora da humanidade.
               
       Consideração – Maria junto à cruz sofre com resignação heróica; fica junto da Mãe Santíssima e imita-lhe a fortaleza.




























DIA             TERCEIRA PALAVRA – O céu continuava a escu-
27                recer-se e o povo, cheio de temor ante o extraordinário fenômeno, em grande parte se retirava do Calvário. Também os soldados temerosos pelo que viam, se juntaram ao grupo do centurião, na colina do Calvário, talvez para se encorajarem.
       Os amigos de Jesus puderam então aproximar-se mais da cruz para melhor colher suas últimas palavras, e manifestar sua dor e sua sincera afeição.
      Ao divino Salvador agradou essa aproximação, e ele o demonstrou pronunciando a terceira palavra, repleta de profunda significação. Foi acima de tudo grata a aproximação de sua Mãe, e a ela de modo especial se dirige: Disse à sua Mãe: “Mulher, eis teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Eis aí tua mãe”. E desta hora em diante o discípulo a levou para sua casa.
     Maria, tanto nesta vida mortal, como na vida imorredoura do céu, deveria ser a mãe de todos os que cressem em Jesus; e os fiéis, representados por São João, comportar-se-iam como verdadeiros filhos dessa incomparável Mãe.
      Depois da terceira palavra houve demorado silêncio, durante o qual só existe o sofrimento: sofria Jesus agonizante na cruz, sofriam Maria Santíssima e as piedosas pessoas que ali choravam.
      Enquanto isso as trevas tinham progredido assustadoramente, chegando a impedir quase totalmente a visão. Quase todos tinham abandonado o Calvário. Ficaram somente os amigos de Jesus, os soldados, e outras poucas pessoas. No meio da estranha escuridão, Jesus se calava, e, no misterioso silencio, orava e oferecia ao Pai Eterno seus enormes sofrimentos pela salvação eterna de nossas almas.

     


Consideração – A oração confiante é aceita por Deus; nos momentos de angústia une-te a Jesus e ora, dirigindo-lhe teus gemidos.   






























DIA          QUARTA E QUINTA PALAVRAS – Quando as
28                trevas pareciam amainar um pouco, ele pronunciou a quarta palavra num angustioso lamento, os olhos moribundos voltados para o céu: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” Estas palavras ditas em língua siro- caldáica não puderam ser compreendidas por alguns presentes que por isso disseram: “Ele chama por Elias... vejamos se Elias vem livrá-lo”.
      Alguns instantes depois Jesus faz-se ouvir outra vez. Os condenados à morte de cruz sentiam de modo bastante sensível o suplício da sede.
      Os sofrimentos físicos, a tensão visceral, a perda progressiva do sangue, são suas principais causas.
      Às vezes era tão intensa que podia trazer a morte, e diante dela todos os outros tormentos pareciam pequenos.
       Para Jesus essa sede devia ser horrível se considerarmos a noite passada insone, os maus-tratos sofridos, as caminhadas de um tribunal a outro, o suor abundante perdido, as lágrimas e o sangue do horto, a flagelação, a coroação de espinhos, a viagem extenuante até o Calvário.
      Devia por isso sentir, um ardor indizível, que o levou enfim a pedir, com voz plangente um refrigério: “Tenho sede!”
      Ora, os soldados tinham ali uma vasilha de vinagre. Ouvindo a queixa do moribundo, ensoparam-na no hissope, puseram-na em cima de uma vara, e lhe deram a beber.
      Cumpria-se assim outra profecia a respeito do Salvador que dizia: “E deram-me na minha comida, fel! E na minha sede, me propiciaram vinagre”. Mas a sede de Jesus, mais do que natural, era sobrenatural, e jamais se teria queixado do ardor de seus lábios, se não o consumisse a ardente sede de



nossa eterna salvação. Com essas palavras, ele nos parece dizer: A causa da minha sede é a vossa salvação.
      
        Consideração – Jesus tem sede de tua alma; num arroubo de amor oferece-te a ele e extingue-lhe a sede.



















    








DIA          SEXTA E SÉTIMA PALAVRAS – A derradeira hora
29                se aproximava a largos passos. Jesus, num relance de olhos sobre a missão, que desde a encarnação até aquele momento desempenhara, viu que tudo estava cumprido. Pois via, com seus olhares divinos, a justiça do Pai celeste plenamente satisfeita, cancelado o pecado, o homem reconciliado com Deus, o inferno fechado, o paraíso aberto a toda a criatura humana de boa vontade.
      Eis a razão da sexta palavra: “Tudo está cumprido”. Que lhe restava fazer? Nada. Recolheu-se, portanto, em si, como que para não pensar senão em si mesmo, desde que, até aquele instante só pensara em nós, seus diletos filhos.

      SÉTIMA PALAVRA – No profundo recolhimento da alma, Jesus viu que já não tinha outra coisa a fazer, senão entregar ao Pai o seu espírito.
      O sofrimento destruiu sua humanidade, mas não quer que o espírito lhe abandone o corpo, e deixe este mundo, sem o beneplácito do Pai eterno. Erguia por isso os olhos ao céu, e, como que a pedir-lhe permissão para voltar a ele, com voz comida e prodigiosamente forte, exclama: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Fecha então definitivamente aquela boca que sempre tivera palavras de vida eterna, esperando a morte que não devia tardar.
          
            A MORTE DE JESUS – Mais ou menos pelas três horas da tarde, a maior parte do povo tinha deixado o Calvário indo para o templo a fim de assistir a imolação do Cordeiro pascal.
            Nesse instante, Jesus Cristo, depois das últimas palavras, inclinou a cabeça como que a permitir à morte aproximar-se, e entregou a sua alma nas mãos do eterno Pai.
            


           A Mãe Imaculada sentiu-se consumir de dor, enquanto as piedosas mulheres prorrompiam em amargo pranto e fortes lamentos. A morte conquistara a sua mais nobre presa, mas isso lhe significava o princípio da derrota, pois com o sacrifício de si mesmo, “nosso Salvador, Jesus Cristo não só destruiu a morte, mas também fez brilhar a vida e a imortalidade”.


         Consideração – Jesus morre. E morre na cruz! Feliz de ti se um dia a morte te encontrar sobre aquela cruz em que te colocou a misericórdia e a justiça de Deus!






















DIA           A SEPULTURA – Assim que Jesus expirou, “o véu do 
30                Santuário se rasgou em duas partes, de alto a baixo, a terra tremeu e as rochas se fenderam. Abriram-se os túmulos e muitos corpos dos santos falecidos ressuscitaram. O centurião e os que com ele guardavam a Jesus, ao verem o terremoto e tudo mais que estava acontecendo, ficaram muito amedrontados e disseram: “De fato, este era o Filho de Deus!”
           Os judeus se refizeram um pouco do terror, e julgaram não se devesse deixar corpos humanos pendentes da cruz nas vésperas da solenidade pascal. Pediram a Pilatos que lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. Vieram, então os soldados e começaram por quebrar as pernas dos dois ladrões; mas aproximando-se de Jesus, encontrando-o morto, não lhe quebraram as pernas, mas um deles, chamado Longino, para certificar-se da morte real, transpassou o lado direito do peito de Jesus. Fê-lo com tanta impetuosidade que chegou ao coração e o perfurou. “E imediatamente saiu sangue e água”.
        “Depois, José de Arimatéia, que era discípulo de Jesus, mas, secretamente, por medo dos judeus, pediu a Pilatos que lhe permitisse retirar o corpo de Jesus. Pilatos o permitiu. Vieram, então, e retiraram o corpo. Nicodemos, doutor da lei, um dos principais entre os judeus, provido de perfumes, chegou ao Calvário, onde já o espirava José. Eles tomaram o corpo de Jesus e o envolveram em panos de linho com aromas, como os judeus costumam sepultar. Havia um jardim, no lugar onde ele fora crucificado e, no jardim, um sepulcro novo, no qual ninguém fora ainda colocado”.
       Antes do sepultamento, Maria deu a entender àqueles homens devotados que desejava ter novamente em seus braços o Filho, e eles, apenas descido da cruz, o ajeitaram delicadamente em seu regaco materno.
      


      Impossível é descrever os pensamentos, os afetos, os beijos, as lágrimas dessa Mãe naquele momento!
      
      Consideração – Ao veres a desolada Mãe com o Filho morto nos braços, pede-lhe permissão para acompanhá-la no sofrimento e chorar em sua companhia as tuas culpas, causa de tanto penar.


























DIA               RESSURREIÇÃO – O sepulcro, morada da morte, 
   31     não poderá ser a habitação do autor da vida.
    Ele ressuscitará. Isto já foi predito muitos séculos antes.
    Os inimigos recordavam-se das predições de Jesus sobre sua ressurreição e as repetiram a Pilatos, para que se tomasse providências e se evitasse um embuste maior.
     “Façam o que bem entenderem”. Jesus, apesar de todas as precauções ressuscitará depois de seu corpo repousar no sepulcro parte da sexta-feira, todo o dia de sábado, e parte do domingo.
      Então, acompanhado dos justos da antiga aliança, retomará o corpo inanimado, revesti-lo-á de glória, sairá sem dificuldade da sepultura, vencedor da morte e do inferno.
      Um anjo descerá do céu, removerá a pedra da abertura, fará tremer a terra, dirá a todos, aos guardas, às mulheres, aos discípulos: “Ele ressurgiu, já não está aqui”.
      O próprio Jesus, por quarenta dias, ficará com sua Mãe e com os discípulos, discutirá, conversará, tratará familiarmente com eles, dará ordens precisas sobre a formação da Igreja e a pregação do Evangelho, à vista de todos subirá ao céu, e mandará o Espírito Santo prometido aos Apóstolos.
      
               Por sua vez, os doze Apóstolos se espalharão por toda a terra conhecida, apregoando Jesus Crucificado, única salvação do mundo, falando todas as línguas e operando prodígios. O mundo se converterá, e as almas sinceras, amantes da verdade, de todas as categorias, abrigar-se-ão à sombra da Cruz, impor-se-ão o jugo suave de Jesus, viverão por ele e por ele saberão morrer.
            Passarão os séculos, e a obra de Cristo, a Igreja, prosseguirá, sempre combatida pelos maus, e sempre triunfante, alcançará o fim dos séculos.
             Então Jesus Cristo, juiz dos vivos e dos mortos, comparecerá visível diante de toda a humanidade reunida, ele o Rei dos Reis, o Senhor dos séculos que por ele começaram e por ele terminarão, ele o vencedor eterno. Os justos que perseveraram com ele na provação, triunfarão com ele na vida eterna; os réprobos, que o abandonaram para seguir o caminho dos pecados, sofrerão longe dele no fogo eterno.
          Vem, ó Jesus! E por amor dos eleitos abrevia os dias da tribulação e fá-los gozar quanto antes as alegrias do teu triunfo final! Amém!  


    

Nenhum comentário: