Blog Alma Missionária

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domingo, 6 de janeiro de 2013

Entrevista
Concílio Vaticano II — Revelações que não podem ser ignoradas
“Uma árvore boa não pode dar maus frutos; nem uma árvore má, bons frutos”(Mt 7, 18). Quais os “frutos” produzidos pelo Vaticano II? Qual a causa e a quem atribuir a responsabilidade pela decadência religiosa nos dias atuais?
Prof. Roberto de Mattei:

“O Concílio Vaticano II não é mais um ‘superdogma’, mas um evento histórico submetido à avaliação histórica e teológica completa”
Conhecido dos leitores de Catolicismo, o historiador e jornalista italiano Roberto de Mattei, nascido em 1948, é um dos mais destacados líderes católicos contemporâneos. É professor de História da Igreja e do Cristianismo na Universidade Europeia de Roma, na qual é o coordenador da Escola de Ciências Históricas. Entre 2004 e 2011 foi por duas vezes vice-presidente do principal organismo estatal italiano de apoio às ciências, o Conselho Nacional de Pesquisa. Membro do Conselho de Administração do Instituto Histórico para a Idade Moderna e Contemporânea e da Sociedade Geográfica Italiana, ele colabora com o Comitê Pontifício de Ciências Históricas. Foi agraciado com a insígnia da Ordem da Santa Sé de São Gregório, o Grande, em reconhecimento pelos seus serviços prestados à Igreja.
Em 2010, Roberto de Mattei publicou o livro O Concílio Vaticano II – Uma história nunca escrita, o qual lhe valeu o mais prestigioso prêmio italiano para livros históricos: o Acqui Storia/2011. Recentemente traduzido para o português, e difundido no Brasil pela Petrus Livraria, pode ser adquirido por meio do site:http://www.livrariapetrus.com.br.
Nesta entrevista concedida a Catolicismo, o Prof. de Mattei explica que seu trabalhooferece “uma contribuição que não é a do teólogo, mas do historiador”, cuja tarefa é, com base em documentos de arquivos, diários, cartas e testemunhos daqueles que foram os protagonistas, “compreender a essência de um evento, procurando rastrear as causas e as consequências nas ideias e nas tendências profundas de uma época”. Neste caso, o período do Concílio Vaticano II.
No 50° aniversário da abertura do Concílio, o balanço é francamente negativo. Para de Mattei, a última assembleia conciliar, independente da avaliação teológica de seus documentos, constituiu um evento catastrófico para a Igreja.
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Catolicismo — Muitas pessoas imaginam não existir um debate sobre o Concílio Vaticano II, que seria uma espécie de “dogma” aceito por todos. Qual é a situação em Roma? Quem o questiona e com que autoridade?
Procissão dos Padres Conciliares entrando na Basílica de São Pedro, em 1962 

“No Concílio Vaticano II houve choque entre duas minorias: uma que pedia a condenação do comunismo, e outra que exigia uma atitude ‘dialogante’ e aberta ao mundo moderno”
Prof. de Mattei — Após o já famoso discurso de Bento XVI à Cúria Romana, em 22 de dezembro de 2005, iniciou-se, de modo especial na Itália, um debate animado, histórico e teológico sobre o Concílio Vaticano II. Posso confirmar isso, por exemplo, devido à notícia, já publicada em blog, de que o Cardeal Walter Brandmüller, presidente emérito do Pontifício Comitê de Ciências Históricas, promoveu alguns seminários sobre o Vaticano II, realizados em Roma e no norte da Itália. Estas conversações ocorreram “a portas fechadas” entre estudiosos de diferentes tendências, e têm sido para o Vaticano uma boa oportunidade para remover o véu da “intocabilidade” que impede qualquer discussão séria e aprofundamento do tema. O Vaticano II não é mais um “superdogma”, mas um evento histórico submetido à avaliação histórica e teológica completa.
Catolicismo — Existe na História da Igreja algum outro exemplo de concílio que tenha sido apenas pastoral? Se existiu, quais foram as suas consequências?
Prof. de Mattei — Na História da Igreja foram realizados 21 concílios por ela reconhecidos como ecumênicos ou gerais. A partir do Concílio de Nicéia, cada concílio tem sido objeto de debate histórico. No entanto, ao contrário dos concílios anteriores, o Concílio Vaticano II representa um novo problema para os historiadores. Os concílios cumprem, sob a autoridade do Papa e juntamente com este, um Magistério solene em matéria de fé e moral, e se colocam como os juízes supremos e legisladores em matéria de lei e de disciplina da Igreja. O Concílio Vaticano II não aprovou leis e nem sequer deliberou de forma definitiva sobre questões de fé e moral, mas se declarou “pastoral”. Na alocução com a qual abriu o Vaticano II, em 11 de outubro de 1962, a qual é como sua “Carta Magna”, João XXIII explicou que o concílio havia sido convocado não para condenar erros ou fazer novos dogmas, mas propor, com a linguagem adaptada aos novos tempos, o ensinamento perene da Igreja.
A dimensão pastoral, em si mesma acidental e secundária em relação à doutrinária, tornou-se de fato uma prioridade, operando uma revolução no estilo, na linguagem, na mentalidade. O padre John W. O’Malley explicou bem como as profissões de fé e os cânones foram substituídos por um “gênero literário” que ele chama de “epidíctico”1 ou discursivo. Mas essa escolha de exprimir-se em termos diferentes dos do passado significa fazer uma transformação cultural mais profunda de quanto possa parecer. O estilo escolhido por alguém ao se expressar revela de fato seu modo profundo de ser e de pensar: “a boca fala da abundância o coração” (Mt 12, 34), o estilo é a expressão máxima do significado.
Catolicismo — A abstenção por parte do Vaticano II em condenar o comunismo insere-se nessa transformação da linguagem?
Prof. de Mattei — Até o Concílio Vaticano II, o ensino da Igreja Católica havia se pronunciado diversas vezes contra o comunismo com palavras claras de condenação. Por ocasião da chegada dos Padres Conciliares a Roma, antes da celebração da assembleia, o comunismo parecia ser o erro mais grave a ser condenado. No entanto, estava-se nos anos sessenta, quando um novo espírito de otimismo pairava no mundo. É neste período que se delineou um novo clima de “degelo” em relação a realidades já definidas pelo Magistério como antitéticas.
A influência da primeira encíclica do Papa João XXIII, Pacem in Terris, revelou-se determinante. Ela deu a impressão de querer eliminar a posição da Igreja em seu confronto com o comunismo, removendo, de fato, cada condenação, ainda que de modo apenas verbal. Foi durante esse período que nasceu a Ostpolitik — a política de abertura do Vaticano em relação aos países comunistas do Leste — que teve seu homem-símbolo no então Mons. Agostino Casaroli.
No concílio ocorreu um choque entre duas minorias: uma que pedia a condenação do comunismo, e outra que exigia uma atitude “dialogante” e aberta quanto ao mundo moderno, da qual o comunismo era a expressão. Uma petição de condenação do comunismo, apresentada em 9 de outubro de 1965 por 454 Padres conciliares, de 86 países, não foi sequer enviada para a comissão que estava elaborando o respectivo esquema, causando enorme escândalo.
A Constituição Gaudium et Spes, que foi o décimo sexto e último documento promulgado pelo Concílio Vaticano II, pretendia ser uma definição inteiramente nova da relação entre a Igreja e o mundo. Nela não figurava qualquer forma de condenação do comunismo. O silêncio do concílio sobre o comunismo era de fato uma omissão impressionante por parte daquela histórica assembleia. Hoje, devemos perguntar quem foram profetas: aqueles que no concílio denunciaram a brutal opressão exercida pelo comunismo, pedindo a sua solene condenação, ou aqueles que acreditavam, como os arquitetos da Ostpolitik, que em relação ao comunismo dever-se-ia obter um acordo, um compromisso, porque o comunismo interpretava a ânsia de justiça da humanidade e sobreviveria um ou dois séculos, melhorando o mundo?
Stalin, uma das facetas mais sanguinárias do comunismo

“Era o lugar por excelência para um julgamento do comunismo análogo ao de Nuremberg para o nacional-socialismo: não julgamento penal, mas moral e cultural”

A assembleia conciliar era o lugar por excelência para se iniciar um julgamento do comunismo, análogo ao que Nuremberg foi para o nacional-socialismo: não um julgamento de caráter penal, e nem de ex post vencedores contra vencidos, como ocorreu em Nuremberg, mas um julgamento moral e cultural, ex ante, das vítimas em confronto com os seus perseguidores, como haviam começado a realizar os chamados dissidentes. “Todas as vezes que se reuniu um Concílio Ecumênico — afirmou em uma aula conciliar o cardeal Antonio Bacci — ele sempre resolveu os grandes problemas que se agitavam naquele tempo e condenou os erros de então. Creio que o silêncio sobre este ponto seria uma lacuna imperdoável, até mesmo um pecado coletivo. [...] Esta é a grande heresia teórica e prática dos nossos tempos; e se o concílio não se ocupar dela, poderá parecer um concílio fracassado!”.
Catolicismo — Quais são as contribuições da historiografia contemporânea para deslindar este problema?
Prof. de Mattei — Hoje sabemos que em agosto de 1962, na cidade francesa de Metz, foi celebrado um acordo secreto entre o cardeal Tisserant, representante do Vaticano, e o novo arcebispo ortodoxo de Yaroslav, Mons. Nicodemo, o qual, como ficou documentado após a abertura dos arquivos de Moscou, era um agente da KGB. Com base nesse acordo, as autoridades eclesiásticas se comprometeram em não falar do comunismo no concílio. Esta foi a condição imposta pelo Kremlin para permitir a participação dos observadores do Patriarcado de Moscou no Concílio Vaticano II. No Arquivo Secreto do Vaticano encontrei uma nota, do punho de Paulo VI, confirmando a existência desse acordo. Outros documentos de particular interesse foram publicados por George Weigel no segundo volume, que acaba de vir a lume, de sua imponente biografia de João Paulo II. Com efeito, Weigel consultou fontes como os arquivos da KGB, do Sluzba Bezpieczenstewa (SB) polonês e da Stasi da Alemanha Oriental, as quais proporcionaram documentos que confirmam como os governos comunistas e os serviços secretos dos países orientais penetraram no Vaticano para favorecer os seus interesses e se infiltrarem nos mais altos escalões da hierarquia católica. Em Roma, nos anos do concílio e do pós-concílio, o Colégio Húngaro tornou-se uma filial dos serviços secretos de Budapeste. Segundo Weigel, entre 1965 e 1987, todos os reitores do Colégio deviam ser agentes adestrados e capazes, com competência tanto em operações de desinformação quanto na instalação de bugs. Por sua vez, o SB polonês possuía um colaborador eclesiástico bem colocado, cujo nome de código era JANKOWSKI, ou seja, Michele Czajkowski, um estudioso bíblico empenhado no diálogo entre hebreus e católicos. O SB, de acordo com Weigel, procurou até distorcer as discussões do concílio sobre pontos específicos da teologia católica, como o papel de Maria na história da salvação. O diretor de seu IV Departamento, coronel Stanislaw Morawski, trabalhou com uma dúzia de colaboradores, todos especialistas em Mariologia, a fim de preparar um lembrete para os padres conciliares, no qual se criticava o conceito “maximalista” do Cardeal Wyzynski, arcebispo de Varsóvia, e de outros altos prelados.
Catolicismo — O Sr. descreveu a existência de uma luta no concílio entre duas minorias, uma progressista e outra conservadora. Qual foi a razão da derrota dos conservadores?
Prof. de Mattei — A meu ver, a causa principal da derrota dos conservadores, e a raiz da fraqueza da Igreja contemporânea, reside na perda daquela visão teológica característica do pensamento cristão, que interpreta a História como uma luta incessante até o fim dos tempos, entre as duas cidades agostinianas: a de Deus e a de Satanás. Quando, em 12 de outubro de 1963, Mons. Franiæ, bispo croata de Spalato, propôs que no esquema De Ecclesia, ao novo título de Igreja “peregrina” fosse acrescentada a denominação tradicional de “militante”, sua proposta foi rejeitada. A imagem que a Igreja ofereceu de si ao mundo não foi a da luta, da condenação ou da controvérsia, mas do diálogo, da paz, da colaboração ecumênica e fraterna com todos os homens. A minoria progressista obteve não tanto uma mudança da doutrina da Igreja quanto uma substituição da imagem hierárquica e militante da Esposa de Cristo, através da imagem de uma assembleia democrática, dialogante e inserida na História. Na realidade, a Igreja que sofre no Purgatório e triunfa no Paraíso, aqui na Terra combate em nome de Cristo e, por isso, é chamada “militante”. A redescoberta desse espírito parece-me ser uma das urgências da Igreja em nosso tempo.
1 | 2 Continua
http://www.catolicismo.com.br/

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